cocaína

     Quando o sol brilhou alto no céu, Lucas já havia se direcionado ao hospital. Havia uma atmosfera pacífica indisfarçável ao se encontrar de frente com aquele lugar, como uma mão silenciosa pacificadora, que o acariciava e o sufocava lentamente. Um buquê de crisântemos jazia silenciosamente em seus braços. A recepcionista avistou o rapaz de longe, seus olhos subiram e desceram secretamente, imaginando quem era a mulher afortunada que levou esse homem no bolso. Olhando para seu perfil sereno, seu terno perfeitamente liso que, aparentemente, valia alguns meses do seu salário, ela abriu um sorriso profissional. Para sua surpresa, a mulher que o esperava não era outra se não uma antiga residente da localidade. Ela era conhecida por ser a mãe de um grande figurão, entretanto, as visitas do homem a sua frente não eram frequentes em seu turno, desde que ela se lembraria se visse um rosto tão bonito.

   Lucas estava apático. Quando chegou a porta do quarto de Adriana, seus dedos tremeram um instante antes de tocar a maçaneta. Havia uma voz abafada do outro lado da porta, apenas uma voz quebrada com frases desconexas chegavam aos ouvidos de Lucas. Quando ele tocou a maçaneta, a porta foi aberta por dentro. Quando a enfermeira o viu, deu um leve sorriso profissional, pediu licença e se afastou para fora do quarto, deixando apenas dois indivíduos na sala. A mulher na cama, que ainda carregava resquícios de serenidade, lentamente esmaeceu sua expressão. Lucas levou as flores e as mergulhou no vaso próximo a janela, ele pegou silenciosamente os antigos crisântemos que havia levado anteriormente, quase completamente sem vida e brilho, e as jogou na lata de lixo, o som metálico cortou o ar na sala fria.

Adriana observou a movimentação em silêncio, pela primeira vez, ela direcionou um momento de seu interesse para a cena peculiar. O homem sentou na poltrona junto a parede, sem dizer uma palavra.

Ambos não tinham outra forma de passar o tempo. Os dois, um silencioso e outro apático, abriram os livros presentes no pequeno criado mudo ao lado da cama, como se a presença um do outro não existisse.

Depois de um tempo, como se tivesse perdido o interesse, Adriana deixou o livro fino de lado. Ela virou os olhos e encarou profundamente as raízes dos crisântemos submersos na água levemente esverdeada, baixou levemente os cílios e, como se tivesse tomado uma decisão, virou levemente o rosto, apagando qualquer resquícios de emoções em sua expressão vazia.

De repente, uma voz quebrou a atmosfera pesada. Uma voz suave, porém, carregada de apatia.

— Eu estive pensando em você...

Lucas não desviou o olhar do livro em seus braços, como se não tivesse ouvidos.

— pensei no passado, eu não me lembrava muito bem... Mas agora, lembro perfeitamente.

— Dizem que pessoas em estágio de quase morte tendem a elevar-se em seus estados mais sãs.

O homem  não respondeu.

— Lembro-me de Marcelo, quando ele roubou dinheiro da bolsa de Gregório. Você estava doente, precisava de remédios com urgência...

Lucas não disse uma palavra, mas onde Adriana não poderia ver, seus dedos pressionavam duramente a página fina do livro em suas mãos.

— Ele comprou antipiréticos, comprimidos para dor, e uma bolsa de água quente." A mulher olhou para algum lugar, como se tentasse se recordar mais profundamente dos eventos do passado. - Ele cuidou de você pela madrugada inteira, eu vi. Naquela tarde, eu havia usado cocaína. Eu sabia que você estava doente, mas comprei mesmo assim. O dinheiro, eu tinha pegado da carteira de Gregório. Ainda havia muito, ele provavelmente teve sorte jogando naquele maldito casarão, o resto do dinheiro que estava lá, eu também iria usar para comprar mais a noite, mas Marcelo foi mas rápido que eu...

— Quando Gregório voltou, e notou que o dinheiro havia desaparecido, ele estava irado. Você não se lembra, ele já sabia o que eu estava usando, mas eu disse que havia parado. Eu não poderia dizer que havia voltado outra vez, então, eu disse que você pegou - Ela olhou para Lucas, o homem não levantou a cabeça em nenhum momento, como se estivesse completamente absorto pela leitura.

— Marcelo estava na escola... Ele tinha, 12? 13 anos? Eu não me lembro bem, mas lembro de você. Você mal tinha se recuperado da noite anterior. Gregório mal ficava em casa, e eu não cuidava nem de mim mesmo. Além de Marcelo, quem olharia para você?

— Mas não queríamos nos livrar de você, recebíamos R$:400 do governo, todos os meses..."

— Mas isso não impediu de Gregório espanca-lo a ponto de quebrar um braço e quase morrer"

Adriana parou por um segundo, finalmente vendo as veias latejando nas têmporas de Lucas. Seus lábios se curvaram levemente, mas havia um sentimento indescritível em seus olhos, enquanto suas unhas cravavam imperceptívelmente em sua carne.

— Seu pai era um homem su-...

Uma voz fria masculina cortou o ar, não era alta ou zangada. Mas carregava um tom gélido quase palpável. "Seu marido".

Adriana enrijeceu, antes de relaxar os músculos lentamente. Ela sorriu.

— sim, meu marido era um homem sujo.

— Quando ele notou que o dinheiro havia sido perdido, e não havia mais nada que pudesse fazer para recupera-lo, ele teve uma ideia.

Nesse momento, Adriana franziu levemente a testa.

— No casarão, o antro obsceno onde ele corria todas as noites, jogando e fazendo coisas indescritíveis, havia um homem com uma fama indiscreta, mas que tinha muito dinheiro.

Antes mesmo de Adriana terminar sua frase, Lucas se levantou. Comparado a sua calma anterior, esse movimento fora brusco o suficiente para Adriana erguer as sobrancelhas. Apesar de sua expressão impassível, o homem tinha olhos vermelhos pesados, suas sombrancelhas profundamente franzidas.

Ele deu uma risada fria.

— Eu não sei como sua cabeça estúpida pensa, mas você pode parar por aí.

Adriana baixou os cílios e desviou o olhar para a Janela, um longo tempo havia passado, e uma brisa suave balançava as cortinhas de fundo branco.

— Eu sei que você se lembra, ele tinha uma má fama com crianças...

  Lucas sentiu um fio se romper dentro de sua cabeça. Um leve tremor o tomou por dentro do peito, um frio avassalador preenchia seu estômago, arrepiando todos os poros de seu corpo.

— Dá para você calar a porra da sua boca!?

Seu interior estava inquieto, ele não queria sentar ou ficar em pé. A presença daquela mulher parecia lançar uma corda em seu pescoço, apertando-o lentamente. Ele não entendia seu objetivo, não havia ódio em suas palavras, mas também não havia culpa, não havia gentileza, muito menos pena. Como se estivesse falando da vida de outra pessoa, não da criança que ela criou com as próprias mãos.

   Toda essa conversa estava destinada a ser levada pela brisa amena que entrava pela janela. Mas quando Marcelo abriu a porta, a única coisa que ele ouviu foram as palavras duras de Lucas.

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Comments

Mira_bel

Mira_bel

mano... eu tô assim : /Toasted//Toasted/

2023-11-09

2

Valentino (elle/eso)

Valentino (elle/eso)

Parabéns pela criação de uma trama envolvente e inesquecível!

2023-10-19

2

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