Homem moribundo

Segundo Arco: Condessa.

 Uma sensação desconhecida, como se estivesse lentamente flutuando e, ao mesmo tempo submerso, tomou conta de seus sentidos. Era como se milhares de penas macias deslizassem, perpassando intimamente pelo seu corpo, a ponto de fazê-lo acreditar que sua alma estava sendo acariciada.

    Sua consciência compartilhava o mesmo sentimento. Não conseguindo sequer distinguir a noção de tempo e espaço, como se sua mente estivesse à deriva, lentamente se deslocando rumo a um destino que não tinha fim.

     Seus cílios tremularam por um instante, antes que seus olhos se abrissem, seu olhar desfocado. A leve luminosidade atingiu seus olhos como um raio em chamas, fazendo com que se fechassem novamente, lágrimas fisiológicas escorrendo. Sua mente, que carregava nada além de um vazio profundo, como quando se permanece em um sonho estranho e perde-se todas as memórias, observou de um lado para o outro as copas verdejantes das árvores que cobria o céu azul lá em cima.

Ele estava em uma floresta densa.

— ...Porra...

Até mesmo mover os dedos causava uma dor terrivelmente dilacerante, como se lâminas estivessem pressionadas contra sua carne, e quando ele se movesse, inevitavelmente afundasse um pouco mais em seu corpo. Além disso, suas pernas formigavam como se estivesse sendo mordidas por um enxame de formigas, todo o seu corpo parecia não responder aos comandos, não fazendo nada além de tremer inconscientemente pela dor cortante que permanecia.

Seus olhos semicerrados observaram a passagem do tempo, desde a manhã até a chegada da tarde. Logo, toda essa floresta se tornaria escura como o breu, e o único pensamento espremido pelo instinto natural de seu corpo o alertou, em meio a névoa vazia que preenchia seu cérebro, que isso não era de forma alguma uma coisa boa.

No interior da floresta, quando não se podia fazer nada além de deitar contra o chão duro e úmido, coberto de folhas mortas e galhos podres, sendo pisoteado e cutucato por pequenos mosquitos e insetos, a melodia que a permeava era como uma ópera de vários integrantes que, separados, ainda se conectavam ritmicamente. Como uma sincronia silenciosa, ecoando por toda a extensão do vazio, com apenas um expectador frio para observar.

Mas Lucas não conseguia apreciar.

Quando ele conseguiu se levantar, gradualmente percebeu algumas coisas estranhas. Ao erguer a cabeça, fios longos e negros como tinta penderam na frente de seus olhos, cercando toda sua cabeça como as folhas de um Coqueiro. Quando ele ergueu dolorosamente a mão para o topo da cabeça, deslizando lentamente pelos fios que se estendiam, o sentimento de estranhamento em seu corpo se intensificou.

Recostado-se contra uma árvore próxima, ele finalmente conseguiu recordar-se dos eventos da noite anterior. Entretanto, além de uma vermelhidão anormal em seus olhos, sua expressão não mudou.

Olhando para seu corpo, ele notou que estava em um estado lamentável. Tirando o caso sobrenatural de em uma noite, seu cabelo crescer em um comprimento de no mínimo uns cinco anos, roupas estranhas o envolviam. Ele usava apenas uma túnica fina, suja a ponto de não ser possível de reconhecer sua cor original.

Em sua mão fechada, algo que o fez mudar vagamente os olhos de surpresa pendia pacificamente...

Era o seu relicário, não tinha erro.

Mas na mão em que o relicário estava envolvido como contas de oração, havia um curativo apertado dolorosamente em seu punho. Como se ele não quisesse tratar de uma ferida, mas sim de impedir os movimentos de sua mão.

Vendo que o Relicário estava preso firmemente em seu punho, ele se levantou lentamente, suas unhas quase se cravaram na casca da árvore grossa, a fim de tentar se equilibrar e ignorar a dor que se intensificou pelo movimento. Ficando em pé, ele finalmente sentiu um leve sentimento de urgência, sua visão embaçando um segundo antes de ele colocar todo o peso do corpo contra a árvore, antes que percebesse, ele havia tossido um bocado se sangue, e sua túnica já irreconhecível, também manchada por um líquido vermelho escuro denso.

Ele limpou a boca com as costas das mãos, antes de sair, oscilante, entre a densa floresta. Em um momento, ele se arrependeu de não ser como aqueles protagonistas inteligentes dos filmes, que apenas olhando para as árvores e o movimento do vento descobririam rapidamente a direção certa para andar.

Se ele tivesse sorte e continuasse andando, talvez encontrasse algum sinal de vida. Onde estavam aqueles aventureiros que cortavam selva a dentro quando alguém precisava? Ele realmente estava cansado, pensando o quão patético seria se, quando visse ao menos uma criança, seu corpo se relaxasse pela visão de outro de sua espécie e ele pudesse finalmente descansar os nervos agitados, finalmente caindo como uma pedra e desmaiando por três dias.

Entretanto, suas esperanças foram envão. Quanto mais ele andava, mais as cordas do seu coração se apertavam. Ele suspeitava que não haveria movimentação humana a pelo menos horas ou dias de caminhada de onde ele estava. Mas sequer horas, ele imaginou que se andasse mais alguns metros de distância, lentamente, ferido e curvado, caísse de encontro a morte certa, seu corpo devorado pelas feras da floresta.

Todo o lugar era desconhecido. Quando ele caiu noite passada, provavelmente foi arrastado pela correnteza em direção a uma parte mais intocada da floresta. Entretanto, ele não queria pensar sobre o motivo de não ter acordado nas margens do rio ou enroscado em algum galho no meio dele, ou ainda por quê ele usava roupas que não eram dele, e principalmente... O motivo de ter uma peruca que parecia tão realista em sua cabeça, como se realmente fossem seus próprios fios.

Seus pés estavam nus, junte isso a dor que o fazia andar lento e curvado, a velocidade de sua caminhada era como a de um idoso com problema na coluna que resolveu lentamente se deslocar de um cômodo para o outro. Entretanto, Lucas não tinha esse privilégio. Ele não sabia que tipo de animais exóticos e selvagens espalhavam-se pelas redondezas, e se ele fosse descuidado, perder a vida depois do golpe de sorte não era um pensamento infundado.

Ele continuou andando, resignado. Seus passos eram instáveis, mas firmes. Olhando para o caminho a sua frente, ele não se tocou de quantas bolhas surgiram em seus pés, enquanto estouravam rapidamente pelo impacto do chão áspero, coberto de pedras e outros objetos cortantes, deixando um rastro de vermelho para trás.

Seu corpo estava coberto de sangue da cabeça aos pés, seu olhar vazio como um demônio que rastejou do submundo para o mundo humano.

Em um determinado momento, seus passos pararam. Ele olhou para um determinado ponto, seu foco era firme a ponto de tudo que existia em sua visão periférica ser descartada.

Era uma pessoa, um homem.

Ele estava deitado de bruços no chão, imóvel. De repente, ele pensou em algo, apesar da dor em seus pés, ele se forçou a andar rapidamente, se ajoelhando ao lado do homem e virando o corpo com certo esforço. Um pensamento se repetia incessantemente em sua cabeça "Marcelo, era Marcelo..."

Mas não era. Um rosto desconhecido o saudou. O homem estava com os olhos bem fechados, apenas seu peito subindo e descendo o distinguia de uma pessoa morta, com toda a força que restava em seu corpo, ele o arrastou, colocando-o em uma posição meio sentada em uma árvore, sua postura irregular e a cabeça do homem inclinava-se fracamente.

Olhando para o homem, seu olhar esfriou, sentando-se lentamente contra o chão frio. O céu já havia se tornado escuro. Logo, ele não iria poder ver seus dedos na frente dos olhos. Se isso continuasse, sequer ajudar o homem moribundo em estado de quase morte a sua frente, ele não iria sobreviver.

Ele queria continuar. Se ele tivesse forças, ele acreditava que todo o egoísmo de seu coração seria usado para deixar esse homem encontrar a morte sozinho.

Mas seu corpo estava tão cansado, que ele não conseguia mais dar um passo. Quando ele se sentou, todo o esforço da longa caminhada mostrou resultados, a dor que anteriormente era insuportável o fez ranger os dentes, fechando os olhos e se encolhendo em posição fetal. O tremor em seu corpo era perceptível.

Usando apenas uma túnica fina, ele segurou firmemente o camafeu entre os dedos que ainda mantinham movimento, tentando encontrar calor no objeto metálico frio. O frio era cortante, como se quisesse congelar sua carne e sangue e penetrar em seus ossos.

Depois de um longo tempo, a única coisa que o distraia da dor agonizante era a respiração estável do homem inconsciente.

Antes que percebesse, ele já havia adormecido.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!