Parte 20

• Momento presente •

— Você fez o quê — Caitlyn mal conseguia acreditar no que acabava de ouvir, mas no fundo não estava surpresa — Está me dizendo que minha terapeuta nesse momento está amordaçada e amarrada na própria casa, depois de você a ameaçar de morte pra colocar em prática esse seu plano maluco de me fazer lembrar de tudo? Você não fez isso!

— Nós já fizemos coisas muito piores, você fala como se fosse uma santa — a mais nova revirou os olhos, colocando o braço por cima do encosto do sofá, enquanto ainda segurava a pistola.

— No passado, quando ainda era totalmente inconsequente, como você! Isso faz... Muito tempo e não é essa a questão. Jinx, você tinha parado com toda essa...

— Essa o quê — a de cabelos claros levantou, parando na frente da outra mulher e se inclinando em sua direção com um olhar desafiador, colocando uma mão de cada lado da poltrona, como se quisesse impedir sua saída — Essa loucura? Você acha que eu sou maluca? DIZ, CAITLYN! O QUE VOCÊ ACHA QUE EU SOU?

O semblante da xerife era sério pela primeira vez desde que o diálogo havia iniciado, como se só naquele momento, estivesse em alerta. Foi Jinx quem continuou falando.

— VOCÊ ESQUECEU DE COMO NOS CONHECEMOS? EU IA MATAR VOCÊ SEM NEM HESITAR!

Com o cano gelado de metal por baixo de seu queixo, a caçadora deu apenas um sutil sorriso de canto, encarando os olhos violeta ainda mais brilhantes bem perto. Usando as costas da mão, empurrou a arma para longe, ignorando o quão letal ela podia ser nas mãos da mais nova e se levantou, empurrando a garota por um dos ombros para que ficasse de pé também.

— Você me salvou quando eu estava com um ferro atravessado na coxa, eu salvei você de um prédio em chamas desmoronando, voltei por você. Você me salvou de uma prisão, eu resgatei você de uma prisão em um maldito navio blindado. Acha que eu vejo mais insanidade em você do que vejo em mim, só por que sua criatividade e coragem ultrapassam as minhas em níveis absurdos — a mais alta questionou, enquanto caminhava devagar pra frente, obrigando Jinx a dar alguns curtos passos pra trás com desconfiança — Me deixa dizer uma coisa importante e eu só vou dizer uma vez — com as sobrancelhas juntas em completa dúvida, a garota de Zaun apenas esperou com uma expectativa muito bem disfarçada, até ter a mão da xerife segurando seu rosto com certa força e até raiva — Você é a porra de uma mente genial e consegue tudo o que quer, por mais que seja impossível pra qualquer outra pessoa. Colocar marcas no próprio corpo pra me provocar ciúme e fazer a droga de um joguinho psicológico? Você me enlouquece, mas isso me dá um puta tesão — a última fala deixou a garota com a sobrancelha arqueada, mesmo com tantas revelações e seu corpo, que antes estava inclinado pra trás na tentativa de fugir da fúria da policial, permaneceu inerte ao ter a língua molhada de Caitlyn deslizando por seu queixo e lábios.

— Ei, eu é que estava enfrentando você! Como a gente chega nisso?

— Hahahahaha... Como é — o sussurro veio contra os lábios de Jinx em uma provocação —  Você não gosta?

— Não — a voz da mais nova era carregada de indignação, junto com um rosnado que demonstrava sua raiva encenada — Eu odeio você — deixando o braço cair, junto com a arma que foi parar no chão, provocando um barulho de metal pesado contra o piso, Jinx suspirou baixo, encostando as costas na parede, como se estivesse sem forças — Eu odeio tudo isso que faz comigo... E a forma inexplicável que você tem um manual da minha cabeça, quando nem eu tenho, como se eu fosse só mais um dos casos que investiga na delegacia!

Caitlyn não teve tempo de responder, quando o barulho alto do motor de seu carro acelerando junto com a luz dos faróis entrando pela janela despertaram ambas as mulheres de seu quase transe de excitação.

— Visita essa hora — Jinx reclamou, tentando ver alguma coisa mesmo com a luz ofuscante.

A xerife saiu depressa pela porta de entrada, confirmando que se tratava de seu próprio carro, mas viu pelo vidro apenas um chapéu preto adornado com detalhes em verde azulado.

— Diana — questionou retoricamente, sem esperar uma resposta e andou ainda mais depressa em direção ao carro — Sai logo daí!

A voz da policial foi abafada no interior do carro pelos vidros fechados e a menina tentou não dar atenção, engatou a marcha ré, fazendo o carro dar um salto e bater contra o poste que iluminava o jardim.

Do outro lado, bastou um único golpe no vidro pra que Jinx conseguisse agarrar as chaves e desligar o veículo, pegando sua filha de surpresa.

— Você tá roubando o nosso carro? É sério isso? Na sua idade eu mal conseguia roubar uma bolsa!

Apesar da brincadeira de Jinx e seu tom bem humorado, Diana estava realmente irritada.

— Será que dá pra me deixar em paz?

— Claro que não, você tem nove anos — pontuou Caitlyn com os braços cruzados.

— Quase dez! Eu decidi que vou ser pirata! Estava indo pra Águas de Sentina!

— Quer ser pirata — Jinx não resistiu em soltar uma gargalhada — Então por que não vai roubar um navio em vez do meu carro?

— Bom, isso tava nos meus planos também, mas preciso do carro pra chegar até o navio — a criança cruzou os braços, expressando seu tédio ao revirar os olhos, como se o que dizia fosse óbvio.

Jinx e Caitlyn se encararam por cima da lataria do veículo por um instante, como se estivessem dentro da mente uma da outra na total surpresa de ter que passar por algo assim tão cedo.

— Tai e Fortune, nós temos que... — Caitlyn não teve tempo de terminar sua fala.

— Sim, eu concordo totalmente!

Roubando o espaço que ainda restava no banco do motorista, a policial entrou no carro e fechou a porta, esperando que Jinx fizesse o mesmo no lado do carona para só então começar a falar.

— Ok, o que aconteceu pra você querer ser uma pirata em Águas de Sentina, especificamente longe de nós?

Por mais que a de cabelos claros entendesse o comportamento rebelde e concordasse que deveria mesmo ser muito legal ser pirata, o principal sentimento era de estar sendo abandonada por Diana por um motivo ainda desconhecido e isso era nítido em um semblante mais sério, enquanto arranhava o tecido da própria calça involuntariamente, enquanto refletia sobre isso.

— E não é óbvio — Diana ainda mantinha seu tom rude, sem conseguir controlar a raiva, como se tivesse explodido depois de muito tempo guardando suas emoções — Vocês enlouqueceram! Brigam sem motivo nenhum e tudo tá confuso demais! É como se eu nem existisse pra você, Caitlyn.

As palavras da pequena provocaram na xerife uma espécie de dor aguda no peito, como se os sentimentos pudessem ser tangíveis e imensamente doloridos fisicamente, mas sua expressão permaneceu a mesma, como se não pudesse obrigatoriamente fazer parte da vida adulta desabar em choro diante de uma criança.

“EEEEEEI, NÃO FALE ASSIM COM ELA, SUA IMBECIL! SE NÃO FOSSE PELA XERIFE, VOCÊ TERIA LEVADO UM BELO TIRO BEM NO MEIO DA TESTA LOGO QUE NASCEU! GRRRR..”

Apesar do descontrole de seus pensamentos cruéis, Jinx continuou em silêncio e apenas fechou o punho disfarçadamente, alternando seu olhar entre as duas. Ela própria sabia que não estava em um bom momento pra dizer qualquer coisa.

— Tem razão, você não existia pra mim quando perdi a memória — os olhos azuis se desviaram para frente quando a mais velha sentiu que precisava evitar ao menos por um instante encarar Diana, mas logo colocou a mão em seu ombro e voltou seu olhar firme para ela — Mas você é melhor do que uma pirata e nós vamos treinar de novo amanhã cedo, por isso acho melhor ir dormir! A minha filha é inteligente demais pra roubar navios, talentosa demais pra precisar tomar algo de alguém e genial demais com engenharia, como a sua mãe — por um momento, Caitlyn encarou a outra mulher — Pra viver em um lugar sujo e cheio de homens.

Diana desviou o olhar para baixo, sem saber bem o que devia responder, mas principalmente também refletindo sobre o que ouvia.

— Treino às 6:00, café às 7:00 e vamos estar na floresta antes das 8:00 — pontuou a xerife em um tom mais sério do que antes — Você precisa aprender sobre as decisões difíceis que vai ter que tomar em combate, sendo policial ou criminosa, todo mundo precisa fazer escolhas!

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