Sabrina, meu primeiro beijo

Estou com doze anos e por mais que eu haja como as outras pessoas eu não sou igual a todo o mundo, sinto-me diferente e estranha no mundo paralelo.

Tenho as minhas limitações, dúvidas e não é fácil ser uma adolescente que chama atenção de todos devido à minha aparência e o meu jeito de ser. Nem todos se sentem confortáveis com a minha presença e muito menos gostam de que eu participe de conversas e brincadeiras. Sandra é uma delas, ela cobra o tempo todo que eu me comporte, que eu pare de falar, de dançar e até de comer perto dela. É uma adolescente chata e patricinha. Estou cansada de tudo e de todos, não posso falar a respeito com ninguém, pois não quero preocupar meus pais e meus avós com as minhas neuras. Por isso estou no meu quarto com a luz apagada.

A minha família está sempre me apoiando e se eu deixar eles irão tratar-me como um bebê o resto da minha vida, mas eu imponho-me e quero ser tratada como os meus irmãos. Eu quero se respeitada pelos meus amigos e professores, não quero ser melhor que ninguém, mas não quero que me vejam como um ser de outro planeta. Eu só quero ser eu mesma.

Depois do que aconteceu hoje a tarde na escola, eu decidi ficar um pouco sozinha, estou muito chateada por ter uma atitude tempestiva e feito algo de mau com outra pessoa, eu preciso-me controlar ou vou enlouquecer.

As palavras de ofensa que a Sofia me falou ficam soando na minha cabeça como um mantra. Sinto as lágrimas escorrendo pelo meu rosto com muita tristeza eu fico sentada no chão do quarto escuro e não quero ver ninguém.

O meu pai já bateu na porta uma dúzia de vezes, a minha mãe quer que eu desça para fazer companhia para os nossos amigos, mas eu não tenho vontade de nada.

Coloco a minha cabeça entre as pernas e fico pensando porque as pessoas me tratam desse jeito e se não sou boa o bastante para agradar a todos.

Júnior entra no quarto e senta-se ao meu lado, ele toca o meu cabelo e dou-lhe um sorriso em meio as lágrimas:

__ Eu não gosto que fique assim. Todos lá em baixo estão sentindo sua falta e perguntando por você.

__ Eu não vou descer, quero ficar sozinha e não se preocupe comigo, ficarei bem.

__ Se você precisar, me chama, eu estarei comendo a sua parte no churrasco.

Ele fala sabendo que eu adoro churrasco e comer é o meu passatempo predileto. Mas hoje eu não quero nem comer.

Ele sai tristonho e preocupado, tenho certeza que foi meu pai quem o mandou aqui.

Começo a cochilar e ouço a porta se abrindo, agora é a vovó Cida que veio me chamar para descer. Eu deito a minha cabeça no seu colo e ela canta uma canção do Elvis:

"Love Me Tender"

Love me tender, love me sweet;

Never let me go.

You have made my life complete,

And I love you so.

Love me tender, love me true;

All my dreams fulfill,

For, my darling, I love you

And I always will.

Love me tender, love me long;

Take me to your heart, ...

__ Vovó o que diz essa música? Eu não entendo.

É a canção que eu cantava quando você era bebê e dormia no meu colo. Sua mãe dizia que você ficava mais calma e até sorria dormindo. Essa canção diz assim:

"Me ame com ternura"

Me ame com ternura, me ame docemente; nunca me deixe ir. Você completou a minha vida, E eu te amo tanto. Me ame com ternura, me ame de verdade; todos os meus sonhos realizados, pois, minha querida, eu te amo E eu sempre irei. Ama-me com ternura, ama-me longamente; leve-me ao seu coração…

__ É linda! Eu também te amo, vovó!

__ Eu sei minha querida e um dia você irá lembrar de mim, ouvindo essa música e eu quero que saiba, que estarei sempre com você.

__ A senhora está doente?

__ Não! Na verdade, estou envelhecendo e a velhice em certo momento, também nos leva para o outro lado.

__ Eu não quero que a senhora vá.

__ Eu também não quero ir, mas quando precisarem de mim do outro lado eu quero que você aprenda a se defender desse mundo mau.

Sento-me na sua direção e fico a olhar o seu rosto de um anjo na minha vida, as suas bochechas estão rosadas e os seus olhos marejados. Ela sorri e me diz confiante:

__ Você não é doente, minha neta. Síndrome são sinais e sintomas, uma condição que ainda não tem uma causa bem definida.

No seu caso são sinais, você tem traços diferentes, mas é uma pessoa saudável e inteligente. Não deixe que ninguém lhe menospreze, te diminua ou te humilhe por causa disso. Seja uma mulher forte e viva tudo intensamente, e o que os outros pensam, não diz respeito a você e sim a eles.

Eu a abraço forte e ela fala baixinho ao meu ouvido, vendo Antônio entrando no quarto:

__ Você tem visita, agora eu preciso ir, o seu avô está me esperando para irmos a um jantar dançante no antigo clube da cidade. Hoje eu quero viver intensamente mais uma oportunidade.

Eu rio do jeito que ela fala e a beijo no rosto com carinho. Ela sai e Antônio se aproxima:

__ você está bem?

Ele pergunta, abaixando-se e sentando no chão ao meu lado.

__ Eu estou bem, só não consigo ficar sozinha.

__ Porquê, você quer ficar sozinha?

Ele fala e pega na minha mão e é tão comum ele fazer isso que eu não me importo e toco o seu rosto com carinho, percebendo o seu olhar de preocupação.

__ Você não precisa se preocupar, já conversei com a minha avó e ela disse que tenho que viver a minha vida sem me importar com o que as pessoas pensam ao meu respeito.

__ Ela tem razão, você é muito especial para ligar para o que essas garotas bobas pensam.

A sua mão toca o meu rosto e desliza pela minha pele eu não me importo, pois, ele sempre faz isso comigo e somos amigos.

__ Você é linda e muito especial... Eu gosto de você.

Os seus olhos estão grudados aos meus e estou achando tudo estranho, pois eu não sei o que fazer e falar. Olha que isso é raro na minha vida.

Ele segura firme o meu rosto e lentamente toca os seus lábios nos meus e o meu corpo arrepia. É um beijo suave e inocente. Ele afasta-se lentamente e diz:

__ Desculpa, eu não queria te beijar e acabei...

Ele está falando e eu estou tentando entender o que aconteceu. O vejo levantando-se e saindo às pressas do quarto.

Fiquei mais confusa do que antes e agora em dúvida a respeito da nossa amizade.

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