UMA GAROA FINA CAÍA DO CÉU nublado quando a costumeira, baronesa Grey, atravessou o hall da entrada. Seus passos ecoavam no piso de mármore, trazendo arrepios para a pele de Dália. A garota estava parada de costas para as escadas, mãos à frente do corpo e uma expressão de serenidade — como uma perfeita anfitriã. Ao seu lado, Callice parecia reluzente.
A marquesa vestia um belo vestido bege, justo na parte superior do corpo — estilo sereia. Não possuía mangas, apenas duas tiras caídas pelos ombros servindo como alça de sustentação. O decote — em V e parcialmente coberto por uma fina camada de tule — trazia um toque ousado à peça. Era lindo, o tipo de roupa que Dália almejava um dia vestir.
Parte do cabelo longo e cacheado de Callice estava amarrado no alto da cabeça, formando um coque. A outra, caía até a altura das costas, trançado e perfeitamente aliado de um jeito que só a fazia brilhar ainda mais.
Um sorriso hospitaleiro surgiu nos lábios de Dália assim que a baronesa parou à frente das duas. Era uma mulher baixa, de sorriso amplo e cabelos cacheados, crespos. Os olhos eram de um violeta quase irreal, enquanto a pele era morena como gotas de chocolate ao leite.
A garota não precisou de muito tempo para perceber que ela pertencia ao norte, muito provavelmente de algum reino subordinado. Isso não era incomum no império; muitas pessoas — trabalhadores e até nobres —, viam de longe para morar em Glerios por sua ampla demanda por mão de obra especializada. No entanto, Dália admitia, costureiras com um título era algo bem incomum.
— É um prazer conhecê-la, senhorita Lennart — disse a costureira, fazendo uma mesura para a jovem. Dália retribuiu, embora, antes que dissesse algo, a baronesa voltou-se para a marquesa com um sorriso ainda mais amplo. — Callice, que bom vê-la depois de tanto tempo. Como anda Korrana? Ela já decidiu que fará um belo vestido comigo para usar no próximo baile imperial?
— Harid, é bom vê-la também. — Callice sorriu, cumprimentando a costureira com mais intimidade do que o esperado por Dália. — E você sabe como minha irmã é. Nada fará aquela cabeça dura por um vestido na vida. Nem em seu casamento ela o fez.
A informação atraiu a atenção de Dália, que encarou Callice com a testa franzida. Korrana era casada? Com quem?, ela se perguntou, mas sem coragem de expressar suas dúvidas em voz alta.
— É mesmo uma pena. Pensei em um modelo que ficaria tão lindo nela.
— De fato, quem sabe um dia?
As duas trocaram sorrisos cúmplices, o que fez Dália se inquietar por ter sido ignorada.
— Baronesa — chamou a garota, atraindo a atenção de Harid para si. — A viagem deve ter sido longa. Gostaria de acompanhar, eu e a madame Callice, até meus aposentos? Lá poderemos discutir melhor sobre o vestido que usarei na cerimônia.
— Claro, querida. Mas, por favor, me chame apenas de madame ou milady.
Dália assentiu, e as três se dirigiram até o quarto provisório da garota. Lá Ivy terminava de organizar uma mesa com chá e bolo para servi-las.
— Sua criada pessoal é bem prestativa — Callice comentou, abrindo um leque e bloqueando parte da visão de seu rosto quando Ivy as cumprimentou.
— Ela é perfeita e competente. A melhor — elogiou Dália, muito convicta de suas palavras. Ivy sorriu, agradecida, com os olhos levemente arregalados. Talvez não esperasse ouvir aquilo de sua senhoria.
— E bonita — acrescentou Callice, fechando o leque para o sorriso malicioso presente em seus lábios ficasse óbvio para todas as três. — Com certeza, o meu tipo de mulher.
Um risinho agudo saiu dos lábios da marquesa, fazendo o rosto moreno de Ivy esquentar. A criada desviou os olhos, as pontas das orelhas levemente vermelhas.
— Tímida também, pelo visto — Harid observou, um sorriso viperino preso à face.
— Diante de um elogio de alguém como a madame, quem não é? — retrucou Dália, com um tom bajulador que não passou despercebido por nenhuma delas.
— Verdade, senhorita. Quem não é — concordou Harid, agora olhando a garota de cima a baixo, como se, pela primeira vez desde que entrara no castelo, a observasse direito.
E Dália fez o máximo para sustentar aquele olhar, que vagava por seu vestido roxo — o mesmo que usara na chegada no grão-ducado —, e pelo cabelo castanho-claro, trançado no alto da cabeça em um coque apertado.
Era inegável que a garota sentiu-se muito intimidada. Por dentro, uma parte dela criara mil e uma possibilidades sobre o que a baronesa pensava, se ela não era uma mulher adéqua de elogios e bajulações ou apenas estava curiosa sobre a futura esposa do Grão-Duque — se Dália sobrevivesse a cerimônia do dia seguinte para realmente poder ser.
Em toda sua vida, a garota havia aprendido que precisava dar tudo de si para conquistar aqueles ao redor, embora não achasse certo. Não conseguia contar quantas vezes fizera elogios vazios ou bajulava pessoas que nem mereciam tê-la em suas presenças. Era chato, sofrível, errado. Mas em um mundo onde ninguém estava disposto a lhe ajudar, a lhe estender a mão, a única opção era ser e dizer aquilo que eles queriam. Mesmo que isso a fizesse querer vomitar.
Após sua avaliação, Harid curvou o canto de seus lábios para cima, parecendo satisfeita com o que quer que tenha notado. Dália não ousou dizer nada, apenas desviou sua atenção para a marquesa, que encarava as duas com uma expressão impassível.
Batidas na porta fizeram as três virar-se em direção ao som. Ivy, prontamente, correu para abri-la, deparando-se com alguns criados, manequins e itens de costura. Era certo que aqueles eram os empregados da baronesa.
— Que bom que vocês chegaram! — Harid abriu um sorriso amplo para os servos, que o retribuíram com um acesso sútil. — Venham, entrem e coloquem tudo aqui dentro. Começarei os reparos agora mesmo.
Dália observou tudo em silêncio, desde a agilidade dos criados à quantidade de manequins, com vestidos brancos e reluzentes, a serem testados. Ela não entendeu o porquê disso tudo.
— Por que há tantos vestidos? — perguntou ela, franzindo a testa diante da situação inesperada. Callice voltou os olhos para ela, como se percebesse algo muito importante de súbito.
— São para você testar. Harid usará os moldes destes para fazer o ajuste no vestido de casamento. — Ela fez uma pausa, como se esperasse que Dália se negasse ou dissesse algo. Quando a garota não o fez, completou: — O vestido da cerimônia é delicado. Não queremos que um imprevisto aconteça por tirar as primeiras medidas já nele, certo?
Dália assentiu. Ela não queria estragar algo que, pelo jeito, fazia parte da cerimônia há muito tempo.
— Não fique preocupada — disse Harid, ao notar o morder de lábios que Dália deu em resposta às preocupações que povoaram sua mente por uma fração de segundos. — Sou ótima naquilo que faço. E isso é só uma… garantia.
— Entendo — anuiu Dália, e voltou sua atenção para os vestidos brancos, de seda e cetim, belos, mas sem detalhes.
— Então, vamos começar? — perguntou Callice, abrindo o leque mais uma vez. Dália soltou um suspiro, mas assentiu em resposta. O dia ainda prometia ser longo.
...***...
Dália olhava pela janela de seu quarto, sentada em uma poltrona — diante de uma mesinha de centro repleta de desenhos de vestidos —, vendo a chuva tocar o chão com mais intensidade. Próximo a ela, Callice e Harid discutiam se o vestido final teria ou não um decote, ou gola alta.
A garota estava alheia a isso. Embora achasse meio incômodo a adição de um decote a um vestido de casamento — e com certeza preferia a segunda opção —, ela não queria, e nem conseguia, se intrometer no meio das duas madames.
Elas pareciam fixadas em escolher o que melhor se adequava à garota, fosse em seu corpo magro ou em contraste com sua pele clara. Rendas, tules, mangas bufantes e detalhes bordados; tudo isso fora discutido, tendo, uma hora ou outra, a opinião de Dália considerada.
A garota odiava isso. Detestava não ser perguntada do que gostaria, do que achava melhor ou gostava mais. Aquele dia era como um balde de água fria sendo jogado sobre sua cabeça, fazendo-a se recordar dos piores momentos no ducado.
Era como se Dália fosse a boneca perfeita que todos diziam que ela deveria ser.
— Acho que deveriam adicionar um bordado de rosas às mangas. Ou talvez algumas fitas de cetim para realçar a delicadeza do momento — sugeriu Harid, olhando para o último modelo que Dália testara a menos de um dez minutos. Em suas mãos, uma folha de papel refletia um modelo com detalhes parecido com o que ela mencionara.
— Penso de forma diferente — retrucou Callice, apontando o leque fechado para o vestido e depois para um desenho sobre a mesinha de centro. — É uma cerimônia de casamento, e isso merece elegância e encanto. Por que não bordados em dourado e um decote que salientem as “qualidades” da senhorita?
— Por qualidades quer dizer atributos físicos? — questionou a baronesa. — Isso é um ultraje! A pureza e o magnetismo deveriam ser ressaltados. E tenho certeza que não há necessidade de algo exagerado ou extravagante para conseguirmos isso — afirmou ela, irredutível. — Não acha, senhorita?
Ao ouvir a pergunta de Harid, Dália piscou. Nem prestara atenção na conversa, muito menos tinha vontade de pegar um lado naquela briga. Preferia permanecer encarando a janela, imaginando se a chuva impediria o casamento e seus planos. Esperava que não.
— Eu… Bem… — murmurou ela, meio constrangida. Olhou para as duas mulheres, impacientes por uma resposta, e soltou um longo suspiro ao voltar seus olhos para os desenhos. — Sinceramente, não estava prestando atenção à conversa. Mil perdões.
O semblante de Harid suavizou ao ver a sinceridade estampada no rosto de Dália. Ela olhou para a janela, para a chuva e as nuvens escuras que a garota observava antes, e pareceu entender parte da preocupação dela.
— Amanhã será um dia ensolarado — afirmou, muito convicta. — Fiz questão de ir até alguns magos que preveem o clima para saber disso. Não teria vindo aqui se a resposta fosse contrária, acredite.
— Então, essa chuva parará antes da noite? — perguntou Dália, subitamente curiosa. Harid balançou a cabeça, em uma negativa que fez a garota murchar como uma flor diante de um dia de sol escaldante.
— Há uma tempestade se aproximando, que pendurará pela maior parte da madrugada. No entanto, assim que os primeiros raios de sol despontarem no horizonte, não haverá rastro dela no céu, apenas no chão — explicou a baronesa. — Pelo menos, foram o que me disseram.
— Provavelmente Harid está certa — disse Callice, o que fez Dália se virar para ela. — Ela nunca errou antes. Jamais. Então, posso afirmar que sua previsão e daqueles que ela busca são muito confiáveis.
— Então amanhã será um dia lindo… — balbuciou Dália, a voz sumindo ao final à medida que um aperto crescia em seu peito.
— É o que prevejo. Mas, como tudo nessa vida, é possível que eu esteja errada também. Quem sabe, não é?
Dália assentiu. Querendo ou não, amanhã seria um mistério que só os deuses tinham o conhecimento prévio. Não importava a fala de qualquer mortal, tudo poderia mudar — inclusive um destino pré-definido. Ou era isso que ela desejava acreditar.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 73
Comments
Syl Gonsalves
pois é
2025-02-05
1
Syl Gonsalves
e como é
2025-02-04
1
Suzi Ozorio
😍😍😍😍😍😍
2023-06-24
2