NAQUELA NOITE, DÁLIA SONHOU que estava correndo.
Seus pés descalços deslizavam pelo chão da floresta, enquanto seu coração batia forte no peito. Ela não ousava olhar para trás, embora a sombra de uma silhueta se estendia à frente, denunciando que seu perseguidor estava em seu encalço.
Ela agarrou os trapos que vestia. Suas pernas ardiam a cada passo; os pulmões pareciam prestes a explodir pelo esforço. Um zumbido alto tomava conta de seus ouvidos e o tempo parecia desacelerar à medida que ela se aproximava de uma construção exuberante à frente, como se cada segundo fosse importante demais para ser vivido com desleixo.
E era.
Quando alcançou o batente da construção, imponente como um castelo à beira-mar, Dália se jogou contra a porta, batendo e gritando pedidos de socorro enquanto observava pelo canto do olho a silhueta se tornar cada vez mais visível. Era um homem alto, forte, esbelto — embora o rosto parecesse mais um borrachão manchado de vermelho do que qualquer outra coisa.
Com um baque surdo, a porta se abriu. Dália deu alguns passos cambaleantes para dentro, e em um instante suas roupas mudaram: não mais eram frangalhos; agora ela vestia um lindo e imponente vestido branco, banhado com as jóias e o ouro mais reluzente que a garota já vira.
Algo estava muito errado. Dália voltou sua atenção para o chão, temendo cair de joelhos pela fraqueza que invadiu seus ossos de repente. Ela então ergueu a cabeça, e, quando piscou, estava diante do altar, tendo seu braço segurado pela mesma figura enigmática que a perseguia pela floresta.
Assustada, ela olhou para trás; e lá estavam eles: Diord, ao lado de Iluneia, sentava na primeira fileira à direita. À esquerda, Bellion e Penélope. Eles a encaravam com o olhar de desprezo e expectativa, como se desejasse mais do que nunca sua queda.
Os demais convidados eram rostos conhecidos, desde senhoritas da nobreza aos criados da mansão. Até mesmo Anh estava ali, com seu lindo cabelo loiro comprido, amarrado em um rapo de cavalo e posto delicadamente sobre o ombro esquerdo.
Mesmo que fossem pessoas diferentes, que a trataram de maneiras diferentes durante toda a sua vida, a expressão em seus rostos era a mesma; pareciam ansiar pelo momento que o homem ao seu lado pegaria uma espada e perfuraria seu coração sem nenhum pingo de misericórdia.
Dália estremeceu. Pouco a pouco seu sangue foi gelando, uma palidez anormal consumindo o rosto e os lábios. Trêmula, cansada, com medo. Muitas coisas poderiam ser ditas sobre ela ali, sobre como aparentava e o que sentia, mas nada chegara perto da sensação amarga e horripilante de quando a figura — que ela presumiu ser o Grão-Duque — inclinou-se em direção ao seu ouvido e sussurrou:
—Você já partiu, não vê?
As palavras cortaram como facas afiadas. Dentes de uma criatura sangrenta.
A garota fechou os olhos com força por alguns segundos, mas uma força invisível a obrigou a abri-los e encarar seu próprio corpo. Agora o tecido branco e bonito estava coberto de um líquido rubro e viscoso. Era sangue. Ela não precisou de muito tempo para perceber.
Um grito esganiçado saiu de sua garganta. Suas mãos foram automaticamente levadas à boca. Virou-se mais uma vez para trás, procurando ajuda entre as pessoas presentes ali. Mas a imagem que viu lhe assombrou: cada pessoa — que não fosse a família do Duque — estavam com os pescoços cortados, as cabeças tombadas para o lado e um sorriso gélido e diabólico preso à face.
Uma aura vermelha tomou conta do recinto — que agora Dália tinha certeza ser uma capela. Sangue começou a escorrer dos cadáveres, formando uma poça no centro. Diord e os outros a jogaram ali.
Em um segundo, tudo ficou escuro. No outro, carmesim. Dália agora se afogava no sangue dos convidados, em seu próprio sangue. Sua agonia cessou apenas quando a espada de Arion cortou sua cabeça e ela finalmente acordou.
...***...
Depois daquele pesadelo, Dália não voltou a dormir.
Embora seu corpo clamasse por descanso, mal fechara os olhos. Toda vez que o fazia, a imagem de sua cabeça sendo arrancada por um homem com rosto disforme povoava seus pensamentos, obrigando-a correr e vomitar. E o pior era a sensação de se ver machadada de sangue, olhando para a família feliz que ficaria intacta após sua partida.
Não era justo. Dália não conseguia parar de repetir essas palavras, enquanto apertava a barra de seu vestido, de linho e branco como a neve — muito parecido com o do sonho —, embora soubesse que este não seria aquele que ela usaria no casamento.
Querendo ou não, todos os gastos matrimoniais sairiam do grão-ducado. Até a cerimônia, que seria realizada por um sacerdote, aconteceria na principal capela de Vespehlla, onde somente os nobres subordinados do Grão-Duque teriam a chance de prestigiar.
A garota não sabia o motivo disso. Talvez fosse uma forma de conter os rumores da forma mais eficaz possível, mesmo sabendo que — cedo ou tarde — eles chegariam aos ouvidos de sua “querida” família.
Família. Essa palavra não poderia ser usada para se referir a qualquer um do ducado. Mesmo assim, uma parte mínima de Dália, que não havia morrido depois de tantos maus tratos, permanecia agarrada a ideia, quase como se isso pudesse mudar alguma coisa. Não podia.
As marcas já haviam sido feitas. Os anos, passados. O medo, herdado. Era bobagem acreditar que, no último segundo — ou após este —, alguém ali iria chorar por ela. Se arrepender de tudo que havia feito a ela.
Isso, sim, era um sonho ainda mais utópico do que o desejo de liberdade que Dália ainda cultivava em seu coração.
O som de um pigarro atraiu a atenção da garota, fazendo-a erguer a cabeça. Estava parada diante da saída, com não mais que uma pequena mala segurada por um criado da mansão. Era tudo que levaria, tudo que eles permitiram ela levar. Mas isso não importava. No fim, ela não iria precisar de nada disso. Nunca mais.
Uma pontada atingiu o peito de Dália, mas ela fez de tudo para disfarçar. Encarou a pessoa que atraiu sua atenção, esperando que ele dissesse logo o que quisesse falar antes dela sair por aquela porta e nunca mais voltar.
— Você está ótima. — Diord encarou-a de cima a baixo, avaliando o vestido branco, de manga comprida e com alguns bordados de ouro. — Mas não se esqueça: não cometa nenhum erro.
— Me lembrarei disso — respondeu ela, engolindo o bolo que se formou em sua garganta. Virou-se de costas assim que viu o Duque começar a subir as escadas, tranquilo e sem remorso, ponto para seguir com sua deslumbrante vida.
Mas, antes que o criado abrisse a porta, a voz de Diord novamente se fez presente.
— Dália — chamou ele, de pé sobre a escada. Ela piscou, um pouco surpresa. Se virou para olhá-lo. Os olhos verdes vibrantes, cheios de expectativas. — Você sabe, não sabe?
Ela franziu a testa. Do que ele estaria falando? Por um segundo o pesadelo da noite passada voltou com tudo a assombrar sua mente, o momento em que a voz do Grão-Duque sussurrara: “Você já partiu, não vê?”
Ao não obter resposta, Diord continuou:
— Mesmo aqui dentro, diante de todo esse luxo, você sempre pareceu morta. Não é como se sacrificar agora fizesse qualquer diferença.
Ah, era isso. Uma justificava fútil. Um meio para aliviar qualquer pingo de culpa que ele possuía, se possuía.
Os olhos de Dália ficaram vazios, sem brilho. Era como encarar uma floresta profunda, perigosa — talvez a mesma de seu sonho —; cheia de feras assustadoras prontas para rasgar a garganta de qualquer infeliz que ousasse atravessá-la.
Mesmo assim, ela sorriu quando disse:
— Eu sei.
Diord apenas assentiu. Naquele momento, Dália fez uma promessa.
Se, por alguma sorte do destino, sobrevivesse àquilo tudo ou tivesse a chance de nascer de novo, com certeza os faria pagar.
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Atualizado até capítulo 73
Comments
Aí, eu vou sonhar com isso
2025-01-22
1
Brennda Germany's
o pesadelo é que tem que fugir de mim, porque nem isso para tirar meu sono
2025-01-22
1
Brennda Germany's
e caiu na lama! kk
2025-01-22
2