— SENHOR, SENHORITA, acabaram de sair do forno — disse, pondo a bandeja sobre a mesinha. — Gostariam de mais chá?
Dália negou com um balançar de cabeça. Ainda sentia sua pele quente e o coração acelerado, tentando lidar com o que acabara de acontecer, o que iria acontecer. Não sabia se sentia ódio da criada por tê-los interrompidos ou a agradecia por isso.
Arion encarou a bandeja por alguns segundos, pensativo. Um cheiro gostoso — porém intenso — exalava dos bolinhos, e isso fez o estômago de Dália roncar. Ela abaixou a cabeça, rubor tomando à face, e se amaldiçoou por não comer quase nada durante o dia todo.
Arion, no entanto, pareceu ignorar isso — fosse por cortesia ou apenas por não ligar. Em vez de questionar a garota ou fazer um comentário maldoso, voltou-se para Juella, que a encarava com uma expressão de incredulidade não contida. Fora nesse momento que Dália percebeu que ainda estava vestida com o vestido gasto, e Arion nem comentara nada. Ela não soube o que sentir em relação a isso.
— Juella, o que é isso? — perguntou Arion, ignorando a expressão das duas mulheres. A empregada franziu o cenho, meio receosa do que responder ao Grão-Duque.
Dália aproveitou que a atenção não estava focada nela para pegar um dos bolinhos e levar à boca. Conteve um suspiro de satisfação ao sentir o gosto contra sua língua.
— São bolinhos — respondeu a criada, e suor começou a escorrer por seu rosto ao notar a expressão azeda e reprovadora que dominou o rosto de Arion após ouvir sua resposta.
— Isso eu sei — disse ele, carrancudo. — Quero saber do que são feitos.
— Bem, eu…
— São de caranguejo — disse Dália, se intrometendo na conversa. Arion voltou os olhos azuis para ela, penetrantes, e ergueu uma sobrancelha.
— Como você sabe?
— Simples. Sou uma apreciadora da culinária marítima. E esse sabor é inconfundível.
Como para reforçar o que falou, Dália pegou outro bolinho e levou à boca, mordendo-o com calma. Deixou um pequeno gemido de satisfação sair por seus lábios enquanto mastigava devagar, sem deixar de notar os olhos fixos do Grão-Duque sobre ela, atentos a cada movimento e som. Em algum momento, ele pareceu perturbado.
— Deve ser mesmo.
Um sorriso brilhante tomou a face da garota ao ouvir aquilo.
— Sim, é. Aceita um?
Arion apenas balançou a mão de um lado para o outro, e voltou sua atenção para a criada — bastante nervosa pela situação.
— Prefiro coisas doces — disse, de um jeito calmo, porém afiado. — Me traga uma torta de geleia de morango, Juella.
A criada assentiu. Sem esperar por mais nenhum segundo, saiu a passos rápidos dali. Por dentro, Dália comemorava. Aquela pequena interação era uma resposta — mesmo que não tão certeira — para o que queria saber antes daquele encontro começar.
— Acho que devemos retornar a conversa, certo? — sugeriu Dália ao ver que o Grão-Duque ficara em silêncio depois da saída de Juella.
Arion levou uma mão até o cabelo preto, bagunçando os fios já desgrenhados. Dália ficou encantada com o gesto, os olhos fixos no movimento que deixou o Grão-Duque mais belo do que ele já era.
E, então, ela percebeu — pela primeira vez naquele dia — que ele estava vestido de um jeito bastante informal. Calças de algodão grosso tingidas de preto e uma blusa de manga longa, feita de cetim e cor de caramelo, bem fina. A espada presa à cintura e botas confortáveis nos pés. Ele parecia estar indo para um treino de espadas quando parou ali, decidindo que ia vê-la ao invés disso.
Uma sensação de euforia dominou Dália ao pensar nisso, mesmo tendo ela a afogado logo após. Não podia cultivar tais sentimentos, não por ele.
— Claro — falou ele, a voz rouca e perfurante. — Mas, antes de tudo, queria me desculpar por ontem, no jantar. Você se feriu por minha imprudência e incapacidade de controlar meus acessos de ira.
— Não, Vossa Alteza. Fui imprudente e contra uma decisão sua. Além disso, você não tentou me ferir. Eu me feri.
— Mesmo assim, a culpa continua sendo minha por tê-la posto em tal situação — admitiu ele, parecendo realmente arrependido e envergonhado, o que a surpreendeu.
Dália não sabia se isso fazia parte de uma encenação que Arion estava arquitetando contra ela ou se ele falava a verdade. Fosse o que fosse, aquilo a perturbou.
— Eu não quero sua piedade — replicou ela, cerrando os punhos. Arion a encarou por alguns segundos, o olhar impassível.
— Não é piedade. É capricho.
O capricho de um nobre.
Dália não duvidou nem acreditou nas palavras dele, mas assentiu mesmo assim.
— Eu aceito as desculpas de Vossa Alteza.
— Fico grato ao ouvir isso. — Um pequeno sorriso brilhou no rosto de Arion, e ele pareceu descartar a formalidade ao falar: — Agora, bela incógnita, irei te informar sobre os preparativos de amanhã.
Ao ouvir o apelido, Dália estremeceu. Era estranho, mas gostoso de ouvi-lo dizê-lo, e isso era muito, muito ruim.
— O que há para ser dito? — perguntou ela, engolindo em seco. Arion seguiu o movimento, os olhos tão intensos que a fez se arrepiar.
— Nada muito complicado — disse, por fim. — A costureira chegará após o almoço, na melhor das hipóteses, e Callice irá ajudá-la em tudo que precisar. O vestido será apresentado a você assim que tudo estiver pronto.
O vestido. Dália se perguntou se ele seria o mesmo que as outras prometidas usaram — aquelas que tiveram a chance de chegar até o altar. Se sim, estaria ele manchado? De vermelho? De sangue? Ela quis acreditar que não.
— A marquesa está encarregada dos preparativos?
— Sim, está.
— E falta muito para tudo ficar pronto? — perguntou ela, não escondendo a curiosa que brilhava em seus olhos verdes.
— Apenas os retoques no vestido e a decoração da capela seguem em andamento. O resto, desde a lista de convidados ao bufê, já foi decidido previamente. Não há o que se preocupar — explicou ele, pegando mais uma vez a xícara. Dália não ousou dizer nada enquanto Arion despejava mais líquido quente nela e o bebia.
— Então, devo apenas aguardar?
— Normalmente, todas as prometidas ajudam nestes processos, mas, como você pediu que a cerimônia acontecesse o mais rápido possível, aguardar é o que restou.
Dália assentiu, já imaginando que isso era um ponto fora em relação à “avaliação” que todos do grão-ducado estavam fazendo. Entretanto, não havia o que ser feito. Ela precisava que fosse rápido, mesmo que isso só significasse que todos continuariam chamando-a de prometida ou senhorita após o casamento — se este ocorresse sem nenhum problema.
— Entendo — murmurou Dália, pensativa. Arion devolveu a xícara para a mesa, pondo as mãos sobre o móvel de madeira em seguida. No gesto cópia, ela fez o mesmo.
— Como eu disse, não se preocupe. Tudo dará certo.
Para você, não é?, Dália sentiu-se tentada a dizer. Não queria desafiar Arion, não depois de ontem e dele ter pedido desculpas — por mais que essas parecessem uma piada do que qualquer outra coisa.
Ela cerrou os punhos sobre a mesa e mordeu o lábio inferior, apreciando a dor que a consumiu ao arranhar com os dentes o ferimento que havia feito antes.
Vendo a expressão ressentida e amarga dominar a face de Dália — o ódio e o medo que haviam por baixo —, Arion tocou a mão dela, a dele tão grande e áspera que não dava para notar a da garota ali. O gesto a deixou inquieta, com uma sensação esquisita se remexendo em suas entranhas; como se um fogo quisesse surgir na superfície e devorar tudo ao redor.
O Grão-Duque pareceu notar isso. Ele ergueu uma sobrancelha, em um misto de curiosidade e apreensão. Abriu a boca para perguntar, para dizer algo, mas se calou. Um brilho doentio dominou as íris dele, e Dália percebeu que alguma coisa ruim estava prestes a acontecer, para sua infelicidade.
De repente, o semblante de Arion ficou ainda mais sombrio e uma névoa pareceu consumir seus belos olhos azuis. Era algo muito próximo à transformação que Dália vira acontecer na escada e até mesmo com Anh quando o viu no jardim e no cubículo pela última vez. E isso assustou a garota, que começou a tremer involuntariamente.
Devagar, como um felino, ele se inclinou em direção à mulher; as íris, brilhando como a de um sádico demônio. Dália prendeu a respiração e recuou, afastando-se dele tão rápido quanto possível, mas sem desviar os olhos por um segundo sequer. Sem deixar de admirar a beleza mortal que estava à sua frente.
— G-Grão-Duque? — A voz dela falhou, uma sensação de mau presságio dominando o corpo aos poucos, e sentiu o coração disparar no peito.
Ao ver isso, como ela se encolhera diante dele, de como ele estava naquele momento, Arion piscou, atordoado. Ele levou uma mão até o rosto, parecendo perdido, e, de súbito, se ergueu da poltrona. Dália fez o mesmo, temerosa, enquanto via o semblante do homem se tornar algo próximo de uma besta feroz e louca.
Ela estremeceu. A expressão do Grão-Duque se transformou em dor, mas, antes que alguma coisa terrível acontecesse, Arion balbuciou:
— Preciso ir.
Antes que Dália respondesse ou perguntasse algo, ele disparou pela porta da biblioteca. Na porta, encontrou-se com Juella, que trazia a torta de geleia de morango em uma bandeja prateada. A mulher assustou-se quando viu seu senhor naquele estado tão caótico, deixando que a torta caísse no chão em um baque ruidoso.
Arion não ligou para isso; ele apenas saiu dali tão rápido que não pareceu normal, muito menos humano. Dália encarou a comida estraçalhada no piso de cerâmica — como ela pareciam vísceras manchadas de sangue —, e enfim pôde respirar. Mesmo depois de um tempo, quando voltou a se sentar na poltrona e colocou uma mão sobre o peito apertado, ela não conseguiu entender o que acabara de acontecer.
Por mais que quisesse.
Por mais que desejasse.
Por mais que ansiasse.
E, talvez, jamais conseguiria.
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Atualizado até capítulo 73
Comments
Ruby
não seeeiii ein, eles são muito parecidos, talvez o Airon fingiu ser um mago andarilho pra ver como era a sua prometida, tanto que ele sabia que ela tinha olhos cinzas, kkk não sei, não sei ein
2025-02-18
2
Ruby
ódio com certeza!!!
2025-02-18
1
Syl Gonsalves
está ficando interessante 😃
2025-02-04
1