Como Boneca

NA MANHÃ DO DIA SEGUINTE, Dália deixou o cômodo abafado e escuro. Anh havia partido, ou fora o que Penélope veio lhe contar assim que os primeiros raios de sol atravessaram as nuvens.

A filha do Duque dissera com bastante desleixo que o mago exigiu o pagamento, de uma forma bem grosseira, e sumiu antes do início da madrugada. Um imprevisto, uma pressa sem justificativa; Diord pareceu reprovar muito esta ação.

Agora, no entanto, isso não importava. Todos da mansão estavam ansiosos para o evento que aconteceria no dia seguinte: a partida de Dália. A garota nem conseguia acreditar que o tempo voara tão rápido. Parecia ser ontem quando entrou no escritório e soube de seu destino trágico. E o pior era saber que, embora agitados à sua maneira, aqueles dias tinham sido os mais calmos de sua vida. Nem pôde aproveitá-los com a tranquilidade que gostaria.

Ela soltou um resmungo baixo quando uma das criadas apertou demais o espartilho em seu corpo. Em frente a um grande espelho, de corpo inteiro, via sua imagem totalmente diferente do dia anterior.

Seu rosto estava pintado com a melhor maquiagem que uma nobre poderia comprar; no corpo, um vestido branco e dourado, de linho, manga curta e caída — e todo bordado com ramos de flores —, jazia tranquilo, recebendo os últimos reparos pelas três servas que a rodeava. Para seu alívio, eram as mesmas de antes de seu confinamento.

Em seu cabelo castanho, tranças caíam — junto dos fios lisos e perfeitamente cuidados — sobre o colo com delicadeza.

No pescoço e orelhas, joias de lápis-lazúli adornadas a ouro.

Nos pés, um par de sapatilhas douradas de couro.

Na face, a máscara de uma mulher aristocrata.

Ao ver tudo isso sendo refletido ali, de uma maneira tão… inofensiva, foi impossível para Dália não se sentir uma boneca sendo enfeitada.

Um som de pigarro atraiu a atenção da garota para a porta, e lá pôde ver Penélope de braços cruzados. Em seu rosto, um sorriso gentil e caloroso, a imagem perfeita que sempre tentava passar diante de qualquer criado.

— Está tão bela hoje, Dália — saudou Penélope, de uma forma tão radiante que todas as servas suspiraram.

— É tudo pelos presentes que me deu — respondeu Dália, da forma mais majestosa que conseguiu. Seu tom cordial trouxe a todas as criadas um sentimento de dever comprido.

— Oh, claro que não — negou a filha do Duque, avançando em frente até alcançar o rosto de Dália com as mãos. Com um toque firme, forçou a garota a encarar o espelho. — Olhe para você, tão… fina. Tenho certeza que mamãe ficará orgulhosa.

— Não é para tanto.

Involuntariamente, os olhos verdes de Dália recaiam em sua imagem refletida ali. Agora não mais observava como vestia, mas, sim, sua aparência deslumbrante — embora um pouco desnutrida. Suas sobrancelhas eram finas e arqueadas; seus lábios carnudos, mas não de um jeito exagerado. A face lisa, sem maçãs prominentes, e o nariz reto, perfeito ajustado ao rosto oval, tornava tudo uma visão encantadora.

E, de fato, Dália era. Tão mais que a senhorita que a observava com olhos de víbora.

— Eu já disse a papai — Penélope começou, soltando o rosto da garota —, que você é como uma esmeralda bruta. Mesmo sobre terra, nada muda suas origens.

As criadas assentiram, interpretando aquela fala como um elogio. Mas Dália sabia; aquilo dito pela princesa do ducado estava muito longe de ser um.

— A senhorita tem razão. Nada muda — Dália concordou, sem energias para um jogo de palavras perigoso como o que a filha do Duque lhe chamara para participar.

Desapontada, Penélope franziu os lábios. Sem muita vontade ou sem demostrar emoção, falou:

— Desça para o almoço em quinze minutos.

E sem falar mais nada, a senhorita deu as costas para as outras mulheres presentes ali e sumiu corredor adentro. Dália soube naquele momento que o dia ia ser muito longo.

...***...

O vestido de Dália farfalhava à medida que ela descia as escadas que levavam para o andar de baixo da mansão. Dali era possível ver Bellion ao lado de Diord, sussurrando segredos que nunca chegariam aos ouvidos da garota. Ou assim ela pensava.

— Teremos uma única chance — falou Bellion, um pouco mais alto do que antes. Dália parou e aguçou seus sentidos para escutar melhor.

— Sei disso — Diord murmurou, igualmente mais alto do que o pretendido. — Mas não acho que ele irá negar. Não depois do que temos a oferecer.

— É justo para ambos os lados? — questionou o filho, franzindo a testa.

— O mínimo para ter a confiança dele.

Dália arqueou uma sobrancelha, curiosa. Não tinha ideia de quem seria o “ele” da conversa, mas, fosse quem fosse, estava na mira do Duque, e isso significava má sorte. Ninguém que fizera um acordo com aquele homem, em todos aqueles anos que a garota viveu ali, terminara bem.

Ela sacudiu a cabeça, tentando afastar a sensação ruim que dominara seu corpo. Quis ficar ali um pouquinho mais, ouvindo até onde Diord e Bellion deixariam seus segredos escaparem por seus lábios, mas, assim que o tom deles se tornou mais baixo e cauteloso, Dália teve certeza que era melhor desistir.

Continuou, então, sua descida, o vestido fazendo barulho a cada passo. Quando alcançou o hall, os olhos dos dois homens voltaram para si. Ambos, por motivos distintos, não ficaram felizes ao vê-la.

— Está minimamente apresentável — constatou o Duque, olhando-a de cima a baixo. — Ótimo.

— Que bom que é do seu agrado, Vossa Graça — disse Dália, tentando soar calma e casual. Diord a encarou nos olhos, procurando qualquer sinal de deslize, de medo, mas não encontrou nada mais que um vazio esplendoroso e abissal.

— Claro que ela estaria — Bellion garantiu, presunçoso. Dália voltou sua atenção para ele. — Fui eu que ajudei Penélope a escolher as joias.

— Sim, meu filho tem bom gosto.

Diord assentiu, satisfeito. Olhou mais uma vez para Dália, fitando-a com uma intensidade que não lhe era costumeiro, e voltou-se para Bellion. Um sinal de cabeça bastou para fazer ambos saírem rumo à sala de jantar.

Quando a garota alcançou o batente da porta, somente a grande mesa, organizada com uma toalha branca e rendada, atraiu sua atenção. Mas, ao desviar os olhos para as duas mulheres presentes ali — em pé, aguardando a chegada do Duque — teve certeza que seria um almoço tenso.

A cara da duquesa, frente à beleza — ainda adoentada — de Dália, se tornou gélida e irritadiça. Penélope também enrijeceu o corpo, como se a mudança de humor da mãe fosse suficiente para lhe roubar o ar.

Dália, no entanto, manteve seus sentimentos controlados. Medo para com Iluneia, ódio contra Bellion, inveja contra Penélope e remorso contra o Duque; tudo isso se afogou no fundo do seu peito. Ali, durante aquele último “teste”, não poderia fraquejar. Jamais.

— Vejo que a cura daquele mago realmente fez milagres — Iluneia cantarolou, decidida a jogar todo seu veneno sobre a garota.

— Ele era muito competente — Dália se limitou a dizer, sentando-se assim que todos tivessem selecionado seus lugares. Ela ao lado de Penélope. Bellion diante dela. O Duque à frente da esposa, na cabeceira da grande mesa de jantar.

— E seus ferimentos? Sem sequelas?

— Nenhuma aparente, madame.

— Dores? — quis saber a duquesa, arqueando a sobrancelha de leve.

— Nada. — Dália sorriu para a mulher, pegando um guardanapo e colocando-o sobre o colo. Enquanto tentava ao máximo manter o rosto imutável, os lacaios e as servas distribuíam cada refeição a seu respectivo senhor.

No prato de Dália, apenas um pouco de sopa de lentilha — com cenouras e especiarias —, enquanto os demais comiam peito de vitela, com molho de nozes e folhas viçosas das melhores hortaliças. Apesar do certo incômodo com a diferença, agradeceu esse ato costumeiro dos criados: seu estômago ainda não parecia propenso a alimentos mais fortes.

— Que pena. Eu gostaria que tivesse ficado pelo menos uma marca de nossa brincadeira para você não se esquecer tão cedo de mim.

Dália parou com a mão próxima dos talheres sobre a mesa, processando as palavras ditas pela duquesa. Forçou-se a continuar como se nada tivesse acontecido, pegando a colher de prata, mergulhando-a na sopa e levando calmamente à boca. No entanto, um simples tremor de lábios foi o suficiente para denunciar o embrulho no estômago que aquela ideia lhe trazia.

Ao ver isso, Iluneia sorriu. Parecia satisfeita.

— As novidades? — perguntou Bellion de repente, olhando para Penélope. Todos os olhares voltaram-se para a princesa do ducado, inclusive o de Dália.

— Apenas organizando os preparativos para a comemoração do meu noivado — respondeu ela, com o peito estufado. Lançou um olhar para Dália, assim que notou a confusão brilhar nas íris verdes dela.

— Penélope! — raiou Diord, lançando um olhar reprovador para a garota.

— Tudo bem, Vossa Graça. Ela não vai durar muito para contar nada mesmo — interviu Iluneia, se deliciando com cada palavra. 

Dália encarou sua sopa. Aquela fala era para ela.

— Mesmo assim, nossa filha precisa ser discreta — continuou o Duque levando um pouco de carne aos lábios. — Além de que, o noivado ainda não está confirmado.

— Mas falta pouco, não é, papai?

— Uma única conversa e teremos tudo que precisamos — contou, deixando que um sorriso ambicioso brilhasse em seu rosto. Dália quase não conseguiu disfarçar o incômodo que aquele gesto lhe causou.

— Então, temos que comemorar! — disse Bellion, com uma empolgação muito maior do que o necessário para o momento. — Uma festa só para nosso círculo íntimo e talvez para alguns nomes imponente. Daqui a três dias. O que acham?

Todos os Lennart assentiram, satisfeitos pela sugestão. Dália, no entanto, apenas piscou. Agora que havia parado para pensar sobre isso. Sobre como a vida — a deles — continuaria depois de sua partida. Nada mudaria, pensou ela. Seria apenas uma mancha recém-apagada, somente tendo rastros sutis de que um dia existiu.

Isso não poderia ter deixado-a mais infeliz.

Após essa conversa, o almoço seguiu repleto de alfinetadas de cada um dos presentes contra Dália, roubando, pouco a pouco, o apetite da garota. De seu prato, a sopa jazia quase intacta. Nem parecia a mesma mulher que comera uma canja tão avidamente.

Quando sua presença não era mais requisitada, partiu rumo ao jardim. Agora, de dia e com o peso de seu último dia naquela casa sobre seus ombros, a dor da indiferença ferira seus pulmões. Como agulhas, perfurando sua carne lentamente. Era amargo demais.

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Comments

Carolini Meneget

Carolini Meneget

Dalia mulher tu aí é só pra eles usarem como fantoche e saco de porrada, acordaa mulher, Pleaseeeeee

2025-01-22

1

Flor De Liz Soares Souza

Flor De Liz Soares Souza

É minha fia mais trágico do que isso que vc vive nessa família só a morte nesmo,quanto sofrimento misericórdia

2025-02-05

1

Tatah Oliveira

Tatah Oliveira

acredito que ela vai casar com um príncipe que vai se apaixonar por ela.

2025-01-26

1

Ver todos
Capítulos
1 Parabéns, Dália
2 O Passado
3 Dália Não Vive
4 Por Uma Lágrima
5 No Breu
6 Um Mago Andarilho
7 Sopro
8 Como Boneca
9 Desejo & Pesadelo
10 Viagem Para A Morte
11 Chegada Ao Grão-Ducado
12 De Costas Para A Escada
13 Um Café Da Manhã Esclarecedor
14 O Sorriso Gélido de Arion
15 Um Jantar, Uma Data E Um Toque Afiado
16 Uma Conversa Com A Criada
17 Um Encontro No Jardim
18 Aceita Chá? - Parte 1
19 Aceita Chá? - Parte 2
20 A Costureira Sabe-Tudo - Parte 1
21 A Costureira Sabe-Tudo - Parte 2
22 A Noite Antes Da Cerimônia
23 Antecipar
24 Avisos e Explicações
25 Véu, Grinalda E Tons De Sangue - Parte 1
26 Véu, Grinalda E Tons De Sangue - Parte 2
27 Proposta Irrecusável
28 Conversa No Escritório
29 No Quarto De Dália
30 Assinando Os Papéis
31 Um Confronto & Um Encontro
32 Uma Conversa Com Anh
33 No Escuro
34 No Campo De Treino
35 Lições Ao Amanhecer
36 Embate E Dúvidas
37 Uma Conversa Reveladora
38 Promessa
39 O Peso das Decisões
40 Uma Pista
41 O Confronto Nos Estábulos
42 Uma Jogada Arriscada
43 Selando Um Acordo
44 Caminhos Reais
45 Treinando A Magia
46 Equilíbrio Na Tempestade
47 Uma Recordação Prateada
48 Um Reflexo Selvagem
49 Obrigações
50 Segredos À Mesa
51 No Jardim Ao Amanhecer
52 A Perda De Controle
53 A Dor Da Revelação
54 Origens
55 Reunião E Descobertas
56 O Segredo de Ivy
57 O Plano De Arion
58 Juramento
59 Três dias E Um Beijo
60 Sentimentos
61 Sob A Luz Da Lareira
62 Uma Âncora No Caos
63 O Banquete Começa
64 Tensão Sob A Superfície
65 O Fardo Da Grã-Duquesa
66 O Fim Da Mentira
67 O Confronto Final
68 O Desfecho Da Batalha
69 Desespero E Poder
70 Eco Da Justiça
71 Uma Semana Depois
72 Epílogo - Sob O Sol De Vespehlla
73 Notas Finais
Capítulos

Atualizado até capítulo 73

1
Parabéns, Dália
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O Passado
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Dália Não Vive
4
Por Uma Lágrima
5
No Breu
6
Um Mago Andarilho
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8
Como Boneca
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Chegada Ao Grão-Ducado
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De Costas Para A Escada
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Um Café Da Manhã Esclarecedor
14
O Sorriso Gélido de Arion
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Um Jantar, Uma Data E Um Toque Afiado
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Uma Conversa Com A Criada
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Um Encontro No Jardim
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Aceita Chá? - Parte 2
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Véu, Grinalda E Tons De Sangue - Parte 1
26
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Um Confronto & Um Encontro
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Uma Conversa Com Anh
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36
Embate E Dúvidas
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Uma Conversa Reveladora
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O Peso das Decisões
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No Jardim Ao Amanhecer
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