— EU NÃO POSSO FAZER ISSO, SENHORITA! — A voz de Ivy ecoou pelo quarto requintado, abismada, fazendo a cabeça de Dália latejar.
A garota encarou o reflexo da criada através do espelho, às suas costas, pálida e com os lábios franzidos. Ela realmente parecia muito relutante em acatar o pedido — embora suplicante — de Dália.
— Não é uma questão de poder — murmurou Dália, levando uma mão até os cantos internos dos olhos e os pressionando de leve. — É preciso, Ivy. Você precisa me ajudar.
— Mas fazer isso… Não acha que poderá voltar-se contra a senhorita? Se for desconcerto…
— Não irá, exceto se você conte ou falhe.
— Se eu acatar o pedido, não falharei. Nem planejo delatar seus movimentos, minha senhoria. Mas… Mas isso é algo… errado demais.
Realmente, era errado. Dália não podia discordar da criada, muito menos podia se dar ao luxo de tentar outra alternativa. Após pensar durante boa parte da madrugada, após acordar de um pesadelo envolvendo o dia da cerimônia de casamento — onde Arion cortava seu pescoço — ela só pôde chegar a uma conclusão: precisava fazer algo para garantir que iria sobreviver em vez de simplesmente cruzar os braços e aguardar a morte certa.
Por isso, bolou um plano às pressas, que poderia colocá-la em perigo se desse errado. Mas o que poderia fazer? Com ou sem plano, morrer já era sua realidade. Não confiava na esperança que serpenteava por seu estômago após ter uma espada apontada para si e acabar se ferindo no final — mesmo que fora ela a pressionar o pescoço contra a lâmina, em um ato de ousadia, e Arion não tivesse feito menção de realmente querer machucá-la.
No fim, a verdade era simples: ela não estava segura ali, nunca esteve e provavelmente nunca estaria. E depois dos acontecimentos da noite anterior, onde teve sua vida por um fio, ficar preocupada sobre como suas atitudes poderiam ser mal interpretadas, julgadas como inapropriadas, cruéis e sem escrúpulos… Não importava. Ela só precisava de uma chance para sobreviver.
— Eu sei, Ivy. Sei disso mais do que qualquer um, no entanto, não tenho escolha.
— Senhorita…
Ivy olhou para Dália com uma expressão pesarosa. Talvez, no fundo, ela soubesse o que sua senhorita estava passando ou havia passado. Isso era bem provável, mesmo considerando o pouco tempo que trabalhou para os Lennart. Mesmo que poucos tivessem o conhecimento do sofrimento e da verdade estampada em cada tratamento, cada sorriso falso, dado pelos membros daquela maldita família.
— As coisas são assim. Então, tente compreender.
Ivy olhou para o reflexo de Dália por alguns segundos, parecendo ainda muito indecisa. A garota já não sabia o que fazer para convencer a mulher, embora, admitia, possuía uma carta na manga, algo que poderia, muito bem, virar o jogo para seu lado.
— Eu não sei se posso.
Dessa vez, quem encarou o reflexo da outra foi Dália. Querendo ou não, Ivy era a única pessoa que ela podia pedir ajuda, podia contar. Naquele castelo, onde todos a viam como uma mera prometida, que estava ali para morrer no dia do casamento — ou antes — sabe-se lá o porquê, precisava de alguém disposto a fazer tudo por ela. De roubar, tramar e até matar por ela.
Por isso a criada era a escolha certa, ou a melhor para o momento.
Apesar de Dália não confiar cem por cento em Ivy — de ainda achar que a mulher poderia ser uma espiã de Iluneia ou até mesmo de Diord —, não podia negar que ela era competente demais em tudo que fazia. Dar a ela aquelas três tarefas, por mais arriscado que fosse, parecia ser a escolha certa. A única. A garota não tinha como discordar.
— Como dizia a você antes, eu quero que me produza o mínimo possível — Dália começou, lenta e calma, e voltou os olhos verdes para o reflexo da atadura em volta do pescoço. Foi inevitável não sentir um arrepio atravessar a espinha ao lembrar do toque gélido da lâmina de Arion contra sua pele na noite anterior. — Pegue o vestido que usei na minha saída do ducado, algumas tiras de tecidos e um sapato mais gasto. Nada além. — Fez uma pausa, cansada, incomodada. — Depois, vá até a dispensa. Procure por uma das cozinheiras chefes. Descubra os horários, quem e como fazem as comidas. E, por último, faça a última coisa que pedi.
— Eu ainda não sei, além de que aquele vestido… Ele está… Ele está muito puído graças à viagem até aqui.
— É por isso que quero ele — afirmou ela, irredutível. — Não há nada melhor para mostrar aos criados do castelo, ao Grão-Duque, que minhas palavras sobre não ter roupas eram reais. Não me importo se isso manchar a honra dos Lennart.
— Parecerá uma criada.
Dália voltou a encarar a serva pelo espelho. Talvez fosse o momento de jogar sua última cartada.
— Ivy, quer que eu lhe conte uma história?
A mulher franziu os olhos, não entendendo o que a garota queria dizer com aquilo. Mas, vendo-se sem escolha, assentiu.
— Se for algo que deseja, será uma honra.
Então, brevemente, Dália começou a relatar tudo que havia acontecido até aquele momento. Desde como era a vida na mansão de Diord até o incidente no jantar, onde quase teve a garganta cortada. Nem mesmo o quadro bizarro e o encontro com Arion na escada ficou de fora. Dália fizera questão de relatar estes com mais detalhes. Precisava ouvir uma opinião externa quanto a eles.
— E é por isso que quero que faça o que pedi. Que não me importo. Que me vista dessa forma. Que me ajude — encerrou Dália, virando-se para encarar a criada nos olhos, frente a frente.
Haviam coisas que ela não dissera, a verdade sobre seu nascimento, sobre quem era. Apenas o necessário para convencer Ivy fora falado, para fazê-la sentir pena, compaixão e empatia; apenas relatos da vida de Dália que auxiliariam a isso e coisas que eram do seu interesse a serva saber. Nada além.
— Essa história… — Ivy fez uma pausa, como se tentasse assimilar tudo. Após balançar a cabeça de um lado para o outro, em negação, encarou Dália com os olhos penetrantes. — Não foi estranho para a senhorita descobrir que Vossa Alteza havia chegado mais cedo?
Embora tivesse contado a Ivy sobre tudo referente a Arion — e até Anh — as palavras da mulher lhe pagaram desprevenida. Essa era a última coisa que ela pensava que a criada iria perguntar.
Então, como se uma nuvem — que obstruía seus pensamentos até então — se dissolvesse de repente, Dália piscou, aturdida. Tinha tanta coisa para pensar, tanto a preocupando, que nem ligara para um fato tão curioso quanto esse. Por que todos haviam omitido a chegada do Grão-Duque? Não confiavam nela? Ou o encontro que ocorreu naquela noite, por mais aleatório que pareceu, havia sido arquitetado minuciosamente?
Eram muitas perguntas sem respostas. Dúvidas e mais dúvidas recheadas de “e se's” que ninguém estaria disposto a ajudar Dália a desvendar. E ela nem queria.
Seria bobagem afirmar que se importava com esse detalhe. Para ela, não fazia diferença se Arion fingia que aquele encontro nunca existira ou se os criados não revelaram sobre a chegada dele — embora uma parte dela, bem pequena, suspeitava que nem eles sabiam. Não se considerava quem Arion era e o que ele podia fazer.
Era fácil burlar regras e esconder coisas quando se tinha poder. Além disso, no fim, tudo soava irrelevante. Dália só queria sobreviver.
— Sinceramente, nem pensei nisso — desabafou ela, depois de um tempo. — E, sendo ainda mais sincera, essa história não é do meu interesse.
— Tem certeza? Ele a enganou.
— Pode até ser verdade. Ou melhor, muito provavelmente é. Mas desconfiar, se importar ou procurar respostas não me ajudará em nada. Principalmente depois do que te pedi.
— A senhorita tem razão. Fazer isso irá atrair atenção indesejada para si — concordou Ivy, pensativa. Levou a mão até o queixo, tentando enxergar a situação por inteiro. Após alguns segundos assim, murmurou: — O melhor é jogar o jogo dele. Também fingir que aquele encontro não aconteceu.
— É o que planejo.
Ivy sorriu. Por alguns segundos, ao revisar toda a conversa mentalmente, Dália se questionou se a decisão de confiar e explicar a situação para ela havia sido a certa. Querendo ou não, Ivy soara muito maquiavélica para uma mera plebeia.
— Mas, só há algo que eu não entendo. Quer dizer, há muito que eu não entendo, no entanto… Por que decidiu contar isso para mim? Por que quer minha ajuda?
— Porque quero que saiba, Ivy, que as coisas que faço e peço não são à toa — respondeu Dália, trazendo um sorriso triste à face. — Tenho meus motivos. E preciso de você.
Aquelas palavras pareceram acertar Ivy em cheio, em algum lugar profundo que nem ela e nem Dália esperavam alcançar. A criada se emocionou, levando uma mão à boca, lágrimas acumuladas brilhando nos cantos dos olhos cor de mel. Por um segundo, a garota se sentiu mal por usar tais artimanhas e jogos mentais com ela, mas não havia muito o que fazer quanto a isso.
O que está feito, está feito, e não há como voltar, concluiu Dália, trazendo uma expressão reconfortante, nobre e imaculada para o rosto.
— Farei meu melhor, eu prometo — disse Ivy por fim, a resposta e a confirmação que a garota esperava ouvir.
— Sei que fará. — Dália sorriu, e tentou a encorajar com um semblante de gratidão.
Depois de um segundo em silêncio, ao qual a criada usou para limpar o rosto, ela murmurou:
— Vou arrumá-la e logo depois irei fazer tudo que a senhorita pediu.
Dália assentiu. Sem demora, Ivy começou a ajudá-la a vestir o vestido branco encardido, a pentear os cabelos e amarrá-los em um coque desorganizado com auxílio das tiras de tecido. Fez tudo para deixá-la da forma mais simples que conseguia, embora o ar nobre em volta da garota jamais poderia ser tirado. Não após ser tão bem incrustado em seus ossos.
Assim que Dália ficou pronta, Ivy deu as costas para ela e partiu para cumprir o segundo e o terceiro pedidos da garota, deixando-a presa em pensamentos incessantes sobre Arion, o plano que elaborara durante a madrugada, sua vida no grão-ducado e a cerimônia que aconteceria em dois dias.
Eram muitas coisas sobre as quais era obrigada a pensar. Querendo ou não, uma teia de acontecimentos e decisões, que poderiam custar mais do que aparentavam, se formava à frente, sempre deixando Dália zonza. Mistérios, intrigas… Nada parecia ser tão problemático. E isso soava apenas como mais um começo. Um que poderia cair se sua jogada não desse certo, se seu plano falhasse ou fosse descoberto.
Era mesmo coisas demais capazes de lhe perturbar a mente.
Ao não conseguir chegar a uma conclusão satisfatória em relação a tudo que a incomodava, Dália só pôde tomar uma única decisão: sair dali para olhar o céu e mostrar a quem a visse sua aparência deplorável para uma jovem e prestigiosa senhorita nobre.
Depois de tudo, de tantos problemas e decisões, ela ansiava tomar um ar fresco.
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Atualizado até capítulo 73
Comments
Brennda Germany's
por que ela gosta de ficar se lamentando, invés de contar pra quem pode resolver
2025-02-05
1
Syl Gonsalves
pq ela não tem mais ninguém
2025-01-29
1
Brennda Germany's
conseguir respirar um ar fresco é tão bom
2025-02-05
1