ERA MANHÃ QUANDO DÁLIA FOI acordada por Ivy e mais duas criadas. O sol atravessava as pesadas cortinas de linho com lentidão, trazendo uma sensação de familiaridade que não deveria ser costumeiro dali. Lá fora, os pássaros cantavam, anunciando o início de mais um dia.
Dália se espreguiçou, relembrando devagar os acontecimentos da noite anterior. Em sua cabeça, imagens relacionadas à pintura, o belo desconhecido e a própria escada pareciam rondar sua mente sem calma, trazendo um desconforto para seu estômago.
Após voltar para seu quarto, quase não conseguiu pegar no sono. Era difícil, pois sempre que fechava os olhos, imagens do belo homem voltava à mente, ora sendo tão encantador que a fazia suspirar, ora a deixando alarmada ao ponto de fazê-la querer gritar.
Dália não conseguia imaginar quem ele era. De todos os presentes naquele castelo, no Grão-ducado, só tinha a possibilidade de ser um nobre de alto escalão que servia à corte de Arion. Se não fosse, então, seria um cavaleiro — considerando o esplêndido porte físico — ou, em última opção, um renomado mago.
Ela realmente não sabia, e seria mentira afirmar que não sentia curiosidade sobre isso. Embora uma parte dela sentisse medo dele, outra — a que Dália taxava de irracional e idiota — desejava o encontrar de novo e saber seu nome. Seria pedir muito? Ela, com certeza, achava que sim.
Além disso, havia outra coisa que incomodara Dália durante a noite: o quadro. Querendo ou não, a pintura lhe trouxera uma série de pesadelos relacionados ao belo nobre retrato nela — que Dália começava a achar se tratar do Grão-Duque ou de um dos seus ancestrais —, a mulher e ao garotinho com suas marcas assombrosas.
Quando não era o desconhecido que roubava seu sono, esses três, pálidos como fantasmas, invadiam a mente adormecida da garota e a deixava ao ponto de querer chorar. Em algum momento, antes do amanhecer, Dália até cogitou voltar para os Lennart de tão assustada que estava.
E isso poderia ser considerado, facilmente, sua maior demonstração de desespero.
Dália balançou a cabeça, e voltou sua atenção para Ivy. A criada começava a abrir as cortinas, deixando que a luz intensa do sol preenchesse o quarto requintado, cheio de móveis lustrosos de carvalho e mogno. Foi impossível para a garota não estranhar a invasão das três servas; muito menos como ainda parecia cedo demais para seu desjejum.
Dália se pôs de pé, dando passos rápidos em direção à penteadeira, onde um recipiente de cobre — semelhante a uma pequena tina —, aguardava cheio de água morna para que ela pudesse lavar o rosto. Após fazer isso, voltou-se para as duas criadas do castelo.
— Seu senhor, o Grão-Duque, já voltou?
— Não que sabemos, senhorita — respondeu uma das criadas, a mais velha.
— Então, por que me acordaram tão cedo? Há algum compromisso importante?
— A conselheira de Vossa Alteza deseja vê-la e apresentá-la a quem será sua escolta durante sua estadia no grão-ducado — informou a criada mais jovem, com seus olhos castanho-escuros inexpressivos.
Conselheira?, Dália franziu o cenho, confusa. Uma mulher?
— Se não for indelicadeza minha perguntar, quem é a conselheira?
As duas criadas trocaram olhares apreensivos, meio relutantes se deveriam ou não contar à garota sobre a mulher mencionada. No entanto, antes que pudessem negar, Ivy respondeu:
— Pelo que ouvi do mordomo, é a marquesa de Lizinpoe.
— A jovem viúva?
Ivy assentiu. Um incômodo estranho se instalou no peito de Dália e ela mordeu os lábios com força. Algo nessa história toda não parecia certo.
— Preparem o banho e uma roupa digna.
As três criadas concordaram, e se apressaram para fazer o que havia sido solicitado.
Enquanto via as três servas indo de um lado para o outro, foi inevitável para Dália pensar na pequena conversa que havia acabado de ter. Em Glerios, era algo raro ter mulheres exercendo alguma função importante; poucas tinham o direito a isso — como viúvas ricas e influentes ou renomadas cavaleiras, que haviam lutado e trazido grandes conquistas para o império.
A marquesa de Lizinpoe se encaixava na primeira opção. Ainda jovem, na casa dos vinte anos, perdera o marido — um nobre rico, influente e velho — para uma doença desconhecida, e, desde então, era um dos assuntos mais comentados nos círculos sociais.
Parte disso devia-se ao fato dela permanecer solteira após cinco anos da morte de seu marido, mesmo sem ter tido um filho para herdar o título que ela ganhou ao se casar com o marquês.
Muitos se falavam de sua falta de senso e tato, principalmente por — muitas vezes — ela exercer tarefas administrativas que muitas mulheres nobres deixavam apenas para seus maridos. A marquesa era um ícone de força para as moças rebeldes, uma desonra para as conservadoras e o “pote de ouro” para muitos solteiros difamados, que desejavam o dinheiro e o título dela acima de tudo.
Mas, mesmo assim, a marquesa se mantinha alheia ao assunto casamento. Boatos corriam sobre ela ter vários amantes ou até mesmo um prometido que não poderia nunca assumir; Dália jamais levara isso a sério, pouco se importara, mas, agora, diante da situação que estava preste a enfrentar, uma parte dela lhe dizia que, talvez, houvesse um pingo de verdade nessa história toda.
E se o Grão-Duque for…?
Ela mordeu o lábio com força, quase o fazendo sangrar, e tentou ao máximo evitar ser consumida pelos pensamentos incessantes e problemáticos de sua mente inquieta.
Era normal para os aristocratas ter vários amantes, mesmo durante o casamento ou já tendo uma prometida. Não seria estranho para a garota que o Grão-Duque, o monstro que assassinava suas futuras esposas a sangue-frio, não se importasse de se relacionar com uma mulher viúva. Muito menos, ter um relacionamento mais íntimo — e, quem sabe, até romântico com ela.
Dália não conseguia duvidar disso.
Ela fechou os olhos com força, aturdida, e tentou pensar no outro detalhe que atraiu sua atenção naquela história toda: que teria uma escolta nas dependências do castelo.
Isso era estranho, para não dizer incomum. De tudo que ela estudara e sabia, nada informara que seria necessário ter alguém sempre ao seu lado — para protegê-la — enquanto estivesse ali. E esse detalhe, pequeno e quase insignificante, fazia Dália ter uma certeza: a desculpa da escolta apenas servia para ter alguém disposto a vigiá-la.
Mas quem seria e o porquê faria isso, ela não conseguia saber.
Dália soltou um resmungo, acompanhado de um longo suspiro. Olhou mais uma vez para Ivy, que já terminava de escolher as opções de vestidos para ela usar. Naquele momento, com o peso de tais pensamentos rondando sua cabeça, a cor que Dália decidiu usar era exatamente a expressão de seu humor para com a nova informação: cinzento.
...***...
A saia do vestido de Dália farfalhou quando ela elaborou uma pequena mensura — em cumprimento — a marquesa de Lizinpoe. Alguns fios de seu cabelo castanho-claro, desprendidos do coque trançado no alto de sua cabeça, roçou seu rosto frio e rígido como uma pedra: a máscara de uma nobre arrogante e perfeita.
Ela ergueu os olhos para a mulher alta, de pele negra como ébano e cabelos longos tão escuros quanto, trançados com pequenos retalhos de cetim branco. Um vestido vermelho brilhante ressaltava os detalhes do corpo curvilíneo, enquanto brincos e um colar de pérola atraia a atenção para seu busto reto e orelhas.
Ela era linda; Dália não conseguiu esconder o encanto que brilhou em seus olhos verdes. Muito menos, a surpresa ao encarar as íris de duas cores: uma azul como o céu; a outra, vermelha como sangue.
Em toda sua vida, a garota nunca vira ninguém com aquele detalhe tão… único. Poucos no império nasciam com tal condição, o que era considerado fruto de uma magia forte e uma bênção do Deus do Dia — divindade ao qual todos de Glerios devotavam seus templos e orações.
— É um prazer conhecê-la pessoalmente, senhorita Lennart — cumprimentou a marquesa, ao ver que Dália não iria dizer nada.
A garota piscou, aturdida. Forçou um sorriso e respondeu com pouca convicção:
— O prazer é meu, marquesa.
— Oh, não! Não me chame de marquesa — negou a mulher, fazendo um gesto negativo com a mão. — Me chame de Callice. Madame Callice, se isso for mais confortável para você.
Dália franziu a testa. Não esperava por esse pedido.
— Como preferir, madame Callice.
A mulher sorriu, os dentes tão brancos quanto o marfim.
— Bom, sente-se. O café já está servido.
Dália prontamente obedeceu. Mas, antes de se sentar, notou seu reflexo no vidro da janela, diante da grande mesa de madeira, e percebeu o quão melancólico era o vestido que usava. O cinza-escuro — com a frente branca e detalhes bordados no mesmo tom no busto — parecia destacar a palidez de sua pele, a clavícula saltada e algumas das sequelas dos dias passados trancadas naquele cubículo escuro, sem comer.
Ela fechou os olhos, afastando qualquer lembrança que tentou dominar sua mente, e sentou-se. Quando ergueu a cabeça, quase soltou um pequeno grito. Não havia notado a mulher, de cabelo raspado, com uma cicatriz vertical horrível cortando o olho esquerdo — esbranquiçado e provavelmente cego — e outra em formato de “X” marcando a pele negra da testa.
Embora a aparência fosse, no mínimo, assustadora, não foi isso que deixou Dália alarmada: era a semelhança, não, o fato de ser idêntica a Callice que a fez quase gritar.
— Essa é minha irmã gêmea, a condessa Nordin, Korrana — apresentou Callice, sentando-se ao lado da irmã. Dália olhou para a mulher, abismada, e engoliu em seco.
— É… um prazer — murmurou.
Korrana ergueu os olhos, um branco — que provavelmente fora azul um dia — e o outro carmesim, até alcançar os olhos verdes vibrantes de Dália. Em seu rosto, era impossível definir uma emoção.
— O prazer é meu, prometida.
A garota piscou. Mas uma vez alguém a chamando assim; não de noiva, não de futura Grã-Duquesa. Isso a incomodou.
— Korrana será sua escolta no tempo que ficará aqui — contou Callice, com um pequeno sorriso brilhando no rosto.
Dália franziu a testa, e olhou para a condessa com certa apreensão. Foi nesse momento que notou a vestimenta da mulher: uma armadura completa de metal.
— Ela é… uma cavaleira?
— Sim, é — Callice concordou, altiva. — Minha irmã serviu as tropas do Imperador na última luta contra os rebeldes, alguns anos atrás. Agora, ela serve a Arion.
— Entendo — murmurou Dália, não deixando de notar o fato da marquesa chamar o Grão-Duque pelo nome.
O incômodo da garota diante do fato — acompanhado de sua conclusão anterior — não passou despercebido por Callice, que sorriu divertida.
— Oh, não, eu não tenho esse tipo de relacionamento que você deve estar imaginando com o Grão-Duque. Ele até que é interessante, mas você faz mais meu tipo. Com certeza.
Ao ouvir aquelas palavras, Dália corou.
Do que ela estaria falando?
Korrana pigarreou ao notar o constrangimento da garota.
— Não ligue para Callice. Ela diz coisas… estranhas, às vezes.
— Não é estranho, é a verdade — retrucou a marquesa, recebendo um olhar de reprovação de Korrana. No entanto, antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Dália murmurou:
— Eu… eu não fiquei incomodada.
— Viu?
A condessa suspirou, voltando sua atenção para a mesa do café. Dália acompanhou o movimento, aproveitando a chance para elogiar a qualidade — e quantidade — dos alimentos dispostos ali.
Tinha de tudo; desde variados tipos de pães, bolos e frutas, a pratos mais sofisticados, como sopas de cogumelos e carne de cervo assada com molhos agridoces de nozes.
A garota nunca vira tanta variedade para um simples café da manhã de três pessoas. Mesmo morando com os Lennart por anos, eles nunca esbanjavam tanto poder e riqueza em uma única refeição — mesmo sendo considerados extravagantes.
E isso era porque o dono do castelo nem estava ali. Se o Grão-Duque estivesse, como seria então? Dália nem quis saber.
— Enquanto aproveitamos a refeição, gostaria de informar uma coisa para a senhorita — disse Korrana, servindo-se com a carne do servo. Dália, por sua vez, contentou-se em comer sopa de cogumelos com algumas fatias de pão.
— É importante dizer isso agora? — questionou Callice, bebericando de um suco vermelho como um de seus olhos.
— Quanto mais rápido, melhor.
— O que seria? — interveio Dália, e tentou suprimir a curiosidade que começava a aflorar em seu peito.
— A senhorita deve saber, já de antemão, que ninguém aqui irá se referir a você como algo além de prometida ou senhorita — explicou Korrana. — Você precisa merecer se quiser ser chamada por algo que não seja isso.
Dália franziu o cenho. Mexeu a sopa com a colher entre seus dedos e, após pensar por alguns segundos, concluiu:
— Em outras palavras, enquanto não for reconhecida como noiva ou Grã-Duquesa, vocês não vão me chamar por tal.
— Exato — concordou a condessa.
Agora tudo fazia sentido. Era por isso que Lieen não a chamara assim, nem Korrana ou Callice quando a viu pela primeira vez. Não pôde negar que essa informação deixou-a inquieta.
— Houve… houve alguma prometida que teve esse privilégio?
— De ser chamada de noiva, sim — contou Callice, e Dália relembrou da última prometida do Grão-Duque.
— A última…
— Sim. Ela, sim — afirmou a marquesa.
Dália olhou para Korrana, que agora estava em silêncio. O que ela disse depois, ao notar o olhar da garota sobre si, fez o estômago de Dália revirar.
— E, mesmo assim, ela não permaneceu aqui por muito tempo.
Ou seja, isso não é uma garantia, concluiu Dália. O pensamento a fez tremer.
— Bem, isso são detalhes — disse Callice, como se tivesse a intenção de encerrar a conversa por ali e torná-la insignificante.
O resto da refeição seguiu em silêncio.
Dália não conseguiu mais comer.
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Atualizado até capítulo 73
Comments
Ruby
mas capaz !!! eu ia preferir morrer pro bonitão, que aguentar aquela família asquerosa!!
2025-02-18
2
_Aoi_ sama
Será que é só eu que preferia morrer ao lado do Deus grego do que ter que aturar a cara nojenta e repugnante daquela família de merda?
2025-04-01
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Jocilene Santos
tô gostando espero que ela não baixe a cabeça pra mas ninguém e que se vingue daquela família de urubus kkk
2025-01-22
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