A TENSÃO EXALAVA NO AR. Apenas o som de garfos e facas contra porcelana ecoava pela sala de jantar, enquanto Dália tentava comer o bife de cordeiro que havia sido servido em seu prato — mesmo contra sua vontade —, e não surtar com a falta de sons vinda de seu companheiro.
Companheiro…
Poderia chamá-lo assim? Não, não podia, mas ela gostava do jeito que aquelas palavras soavam em sua mente, em como pensar em alguém sendo algo além de um desconhecido — ou um carrasco — em sua vida soava tão tentador. Mas, admitia, isso não combinava com o homem elegante e ameaçador que estava ali, do outro lado da mesa de madeira. Não quando ele parecia — e era — o completo oposto do que conhecera na escada e no escritório: alguém gracioso e requintado. A imagem de um aristocrata egoísta e cruel.
Ela soltou um suspiro, pequeno demais para sequer ser notado. Olhou para a taça de prata à frente, não conseguindo evitar reparar em como o seu reflexo nela informava o quão estava bela, em como parecia combinar com o Grão-Duque e o papel que deveria exercer ali.
Os cabelos de Dália estavam trançados sobre o ombro direito; presilhas de prata com pequenas safiras terminavam de compor o penteado. O vestido — com um decote mostrando o colo —, era de um azul-marinho próximo a cor dos olhos de Arion, algo que fora uma escolha de Ivy. A serva tinha quase obrigado a garota a vestir roupas que combinasse com aquele que seria seu futuro marido, mesmo isso sendo ainda muito incerto. Ela não sabia se teria a chance de chegar a essa parte.
O mais engraçado nisso tudo, no entanto, era que aquele vestido — o mais luxuoso de seu guarda-roupa e o mais belo — fosse o último que ela ainda não usara. Devido à pequena mala, ao qual nem cabia suas roupas direito, não pôde trazer mais que seis peças. Uma usava para dormir durante a noite; outra, que se tornara mais simples e gasta, usara por toda viagem até ali.
O resto, ela sabia, já tinha sido mostrado no pouco tempo que ficara nas dependências do castelo. O primeiro vestido, roxo e belo, na chegada; o segundo, cinza deprimente, no café da manhã com Callice e Korrana; e o terceiro era aquele negro que usara poucas horas antes. O último era o azul, belo e marcante, que estava em seu corpo. A peça que mais amava, que mais apreciava; fora um presente, mas, de quem, ela nunca soube.
Dália fechou os olhos devagar. A imagem de seu corpo em frente ao espelho minutos antes lhe assombrou a mente. Ela não era muito alta, tinha uma altura mediana e um corpo esbelto — se tirasse os detalhes que denunciavam seus piores dias no ducado. O vestido azul, tão lindo, era todo bordado com detalhes em prata. Por isso, das joias que usava — desde as presilhas no cabelo ao colar no pescoço —, também eram uma mistura das duas tonalidades. Safira e metal. Não negava que achava lindo.
Talvez, o fato de gostar e ter tantas coisas em azul, fosse pelo seu grande amor por observar o céu límpido ou encarar as águas profundas do mar — algo que vira apenas três vezes em toda a sua vida. Pela sensação, a plenitude, que a inundava durante esse momento; a certeza que era apenas um pontinho ínfimo diante de tanta grandeza. Era bom sentir se assim, tão livre, tão leve.
Dália deixou que um pequeno sorriso lhe brilhasse a face, apenas para depois abrir os olhos e notar o olhar de Arion sobre si. A intensidade que havia naquelas íris profundas fez a garota enrubescer, mas não foi o suficiente para que ela abaixasse a cabeça — mesmo que uma parte dela, bem grande, ordenasse para o fazer.
Ela sustentou aquele olhar, por tempo suficiente para ver o canto dos lábios do Grão-Duque se erguerem sutilmente. Por um segundo, até pensou estar imaginando. Porém, como se fosse uma certeza diante da dúvida e um passe de mágica, a expressão dele retornou — se é que havia mudado — para a frieza e apatia habitual. Dália tentou não tremer ao ver isso.
Durante aqueles segundos de tensão, a garota aproveitou para observar o quão lindo Arion estava — uma forma tola de distrair a mente. Ele vestia algo próximo a um terno; uma camisa preta com sobretudo da mesma cor, fechado a botões. Um boche, que parecia ouro líquido, destacava-se um pouco abaixo da linha do pescoço e da gola alta do sobretudo — ressaltando o bordado dourado que havia naquela região.
Os cabelos negros do Grão-Duque estavam bagunçados, rebeldes — única característica que parecia se manter firme diante da postura e roupa nobre. Ela não vira a calça, mas imaginou também ser escura como a noite; quase como uma armadura vestida para a batalha que ele pretendia travar com ela ali, mesmo sabendo que as chances de ganhar eram altas demais para sequer se importar com isso.
Dália conteve um arquejo quando Arion desviou os olhos dos dela e voltou-se para o prato à frente da garota. Pouco havia sido comido, talvez por tudo que ela sentia diante da situação. Não importava se seu corpo gritasse por comida, a tensão sempre fazia seu estômago embrulhar e o apetite sumir como fumaça diante de uma tempestade.
— A comida não é do seu agrado? — perguntou Arion, voltando a encarar Dália.
Ela sorriu de leve, meio trêmula, e murmurou:
— Está perfeita. Eu apenas… Não estou com fome.
— Eu ouvi que você não jantou ontem. Que quase não tocou em nada no café e no almoço de hoje. Ficará doente se continuar assim.
Dália franziu as sobrancelhas. Ele estava preocupado? Com ela? Não, isso era impossível. Talvez Arion tivesse medo que a garota adoecesse antes do casamento, antes de matá-la. Seria realmente um problema.
— Estou bem, Vossa Alteza. — Ela sorriu. Nunca se sentiu tão mentirosa.
— Se diz, não direi mais nada.
— Agradeço — Dália anuiu. Alívio e pesar ressoaram em seu peito, mas ela fez de tudo para não transparecer nenhum dos dois.
Arion esticou sua mão até pegar uma taça, também de prata, e bebericou por alguns segundos o vinho que havia ali. Nenhum movimento passou despercebido por Dália, que estava mais consciente de cada coisa que o Grão-Duque fazia do que nunca.
Depois de alguns minutos em silêncio, Arion murmurou:
— A senhorita deve estar se perguntando o motivo de tê-la pedido para se encontrar comigo agora, mesmo depois do nosso breve encontro no escritório — começou ele, e bebeu mais um pouco de vinho antes de devolver a taça para a mesa.
— É um fato, Vossa Alteza, que estou muito curiosa. Imagino que o assunto seja algo que não possa ficar para amanhã, estou certa? — Dália ousou perguntar. Era inegável o quão seu coração batia rápido, embora sua expressão parecesse neutra.
— A senhorita está certa.
Dália piscou. Ela não estava gostando daquilo, daquele tom formal, tão distinto do da escada e do escritório. Era como se ele estivesse se preparando para jogar uma notícia horrível sobre os ombros da garota, sem nenhum remorso ou hesitação.
— Então, o senhor deseja?
Um brilho estranho, distinto, iluminou os olhos de Arion por um segundo. Dália sentiu um arrepio atravessar a espinha, um diferente de todos que ela já tinha sentido na presença dele. Mas, tão rápido quanto apareceu, ele sumiu.
— Presumo que a senhorita saiba que a cerimônia acontece na capela daqui, estou certo? — Dália concordou com um balançar de cabeça. Embaixo da mesa, ela estragava suas mãos uma na outra. — No entanto, acho que há algo que a senhorita desconhece sobre isso.
— O que seria?
— Normalmente — continuou ele —, todas prometidas sempre tem uma semana para se preparar até a cerimônia. Não mais, não menos. Isto, é claro, se não houver nenhum inconveniente.
Uma semana…
Dália entrou em desespero. Uma semana era tempo demais. Ela não podia esperar. Não podia se dar ao luxo de permanecer ali, sabe-se lá fazendo o que, enquanto Arion poderia muito bem começar a investigá-la; descobrir dos poucos que a conhecia que ela não era filha de Diord — que, na visão deles, Dália era uma prima distante, alguém que não se encaixava no acordo, não se encaixava ali.
Sete dias, sete dias, eram o suficiente para o mundo desmoronar sobre suas cabeças mais uma vez. Para acabar morta muito antes de ter a chance de sobreviver, de viver. Não queria isso, não, nem podia se dar ao luxo de permitir.
Tendo isso em mente, mesmo sabendo que as palavras do Grão-Duque haviam sido firmes demais, Dália pediu:
— Teria como adiantar a cerimônia?
A pergunta pareceu pegar Arion de surpresa. Ele a encarou por alguns segundos, uma sobrancelha levemente arqueada.
— Pensei que fui bem claro quanto a isso.
— Eu sei, Vossa Alteza, mas… Mas não é impossível, é? Não acho que haja necessidade de ter uma semana inteira para tal coisa. Um dia é o suficiente.
— Um dia? Está tentando brincar comigo, senhorita Lennart? — A voz rouca e firme de Arion ecoou na sala como um lampejo. Ela estremeceu diante das palavras, da ameaça velada que havia ali, mas, mesmo assim, se manteve irredutível.
— Não é uma brincadeira. É o que desejo, o que acho melhor.
— Seu senso de humor realmente me surpreende — disse ele, se erguendo, imponente, da cadeira. Antes que Dália fizesse o mesmo, uma espada estava sendo apontada para seu pescoço. — Me dê um motivo, apenas um, e eu não irei cortar sua garganta agora.
Diante da ameaça, Dália estremeceu. O toque gélido da lâmina em sua pele trazia arrepios por toda sua espinha. Ela nunca tinha se sentido assim, tão indefesa, tão trêmula. Mas não podia desistir, não quando sua vida estava em risco. Por isso, manteve o olhar firme no Grão-Duque — mesmo que fosse evidente as pupilas dilatadas, o tremor e o medo que parecia exalar de cada poro seu.
— Eu não tenho mais vestidos que ainda não foram usados — balbuciou ela, controlando sua voz para não gaguejar. Arion arregalou os olhos de leve e pareceu, mais uma vez, um pouco surpreso, principalmente quando Dália pressionou o pescoço contra a lâmina da espada. Uma gota de sangue escorreu pelo ferimento. — Então, Grão-Duque, pode me culpar por ser uma aristocrata bastante vaidosa.
— Você… Você realmente é uma incógnita. — Ele abaixou a espada, a embainhando em seguida. — Gosto disso.
E deu as costas para Dália, saindo dali sem dizer mais nada.
A garota permaneceu atônita por alguns segundos, sem saber o que fazer, o que dizer. Ela havia o convencido?
A pergunta ecoou por sua mente, sem resposta, até Dália ser obrigada a se levantar. As pernas fraquejaram, o corpo suou frio. Só conseguiu se acalmar quando Marllis apareceu diante dela, com uma expressão impassível e indiferente no rosto, e murmurou:
— O mestre mandou avisá-la. A cerimônia acontecerá em dois dias.
O mordomo saiu, sem esperar respostas.
Dália gargalhou; estrondosa, histérica.
Ela havia conseguido.
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Atualizado até capítulo 73
Comments
Ingrid Ferreira Rodrigues
essa parece não ter amor a vida!
ao invés de aproveitar mais uma semana e já que iria morrer, que fosse de bucho cheio
sinceramente teria dado meu grito de gurra e falado tudo o que viesse na telha e mais já que eles dependiam de mim, sabe quantas vezes teria levado aquela surra de chicote nenhuma e já que ia apanha de um jeito ou de outro teria no mínimo dado uns tapas na Penélope e na mocreia da mãe dela.
2025-03-12
2
Ahaa meu coração não aguenta, socorro deuuss
2025-01-08
1
@autora_marise
Lembrei da música 🎶 Companheiro é companheiro!! FDP é FDP/Joyful/
2025-02-05
1