A RESPOSTA DO MAGO FEZ DÁLIA piscar. Jamais imaginaria encontrar com ele naquela situação após ter sido curada. Talvez, se tivesse sorte, o veria mais uma vez durante o tratamento, mas isso era se não estivesse dormindo, guardando energia para a prova tempestuosa que ainda estava por vir.
— O mago que meu pai contratou? — indagou Bellion, e pareceu muito confuso. Talvez a presença dele ali fosse mais do que indesejada.
— Quem mais poderia ser? — replicou ele, abaixando o capuz. Nesse momento, diante do mago de cabelos longos e louros, Dália arfou. Havia algo errado. Aquele não era o mesmo homem que sua mente lembrava.
— Considerando a situação, um intrometido?
O mago sorriu ao ouvir o ódio na voz do herdeiro do Duque. Ele voltou seus olhos azuis profundos para Dália, que ainda o encarava com a boca aberta. Isso o fez arquear uma sobrancelha em questionamento.
Mas ele não poderia julgá-la. Os traços, antes tão surreais, agora pareciam comuns, simples demais. O rosto era mais redondo; a fisionomia, delicada. Até os lábios, que a mente de Dália dizia com certeza ser de uma espessura perfeita e tentadora, agora eram tão finos quanto os de Bellion.
Talvez, naquele dia, ela estivesse mesmo imaginando coisas.
— Imagino que Vossa Graça não saiba que você desrespeitou a ordem dele — falou o mago, desviando seus para o rapaz.
— Isso é uma ameaça?
— Uma sugestão. Você não gostaria que ele soubesse que está aqui, não é?
Como se estivesse sendo coagido, Bellion grunhiu e soltou Dália, a jogando na direção do mago. Ele não hesitou em envolvê-la com os braços para não deixá-la cair no chão.
— Você está bem? — o mago perguntou, olhando nos olhos verdes dela. Pelo menos, Dália pensou, a voz continuava igual.
E, de fato, parecia a mesma que ouvira. Talvez alguns tons menos marcante e aveludada, mais fina e menos grave. Mas ela era; até aquele ar artificial continuava ali, como se fosse uma parte indispensável dele.
Dália não duvidava disso.
— Você tem mesmo sorte — Bellion disse, e a garota soube que ele estava falando com ela. Sem dizer mais nada, sumiu entre as flores do jardim.
A fraca menção à sorte fez os músculos de Dália se enrijecer. Ela olhou para o mago, vendo nos olhos azuis dele uma gentileza que poderia, muito bem, ser interpretada como pena. Isso foi como um banho de água fria em suas últimas lembranças com ele.
Abrupta, soltou-se do aperto do homem, afastando-se o máximo que conseguiu. Apesar da tontura que o movimento lhe causou, em sua íris era perceptível indiferença e certo desprezo.
— Obrigada por me ajudar — disse, tentando soar cordial, mas as palavras saíram cuspidas, como ácido, de sua boca.
O mago piscou, surpreso. A confusão em seu rosto quase poderia ser taxada como engraçada.
— Não há o que agradecer — o mago respondeu, por fim. Se tinha vontade de perguntar o motivo dela estar agindo daquela forma, Dália não soube dizer.
— Então, se me der licença, voltarei para o cúbico — avisou, dando as costas para ele. O mago segurou um de seus braços, o que a incomodou, embora não houvesse força no gesto. — Senhor mago?
— Anh — disse ele, como se isso fosse mais importante. — Me chame de Anh.
Dália arqueou uma sobrancelha. Não esperava descobrir o nome dele.
— Anh — testou ela, gostando como o som soava em seus lábios. — Certo, Anh. Você gostaria de me dizer algo?
— Bem, eu esperava que você tivesse saído com o jovem mestre para fugir.
— Do cúbico? — Dália franziu a testa, não entendendo o que ele havia falado. Mas logo lembrou da história que Iluneia havia forjado e em como nela faria total sentido a fuga da garota.
— Sim. De que mais lugar você poderia ter saído?
A garota balançou a cabeça, tentando descobrir como poderia sair daquela situação sem maiores problemas.
— O que você sabe?
Ele franziu o cenho. Não estava esperando aquela pergunta.
— Que você roubou algo, foi espancada, presa naquele cúbico e…
— Tive a misericórdia deles, que, de tão bondosos, pagaram para você me curar — interrompeu ela, completando a fala dele. — Agora, Anh, me diz: como eu poderia ousar fugir após ter tido tanta… sorte?
Dália engoliu em seco. Torceu para que ele não notasse sua hesitação no final, a prova de seu ódio para com àquela palavra. Anh apenas assentiu.
— Vou acompanhá-la até lá.
A jovem não protestou. Apenas deu as costas para o mago assim que ele a soltou, e começou a andar a passos cambaleantes até o cúbico. Esperava poder descansar quando chegasse lá.
...***...
O som de uma discussão despertou Dália de um sono necessário. Da janelinha do cúbico, ela pode vislumbrar o sol alto no céu, denunciando que já passara do meio-dia.
Enquanto seus sentidos, ainda afetados pelo sono, voltavam ao normal, ela percebeu seu estômago roncar, dolorido e ávido por qualquer alimento. Mordeu os lábios e concentrou-se o máximo que conseguiu para ouvir o que diziam próximo dali. Infelizmente, nada além de vozes desconexas chegaram ao seu ouvido.
Aborrecida, Dália suspirou. Lembranças da madrugada invadiram sua mente e belos fios loiros conduziram seus pensamentos até aquele enigmático mago. Seria mentira se dissesse que o entendia. Não havia benefícios para Anh ajudar uma moribunda como ela, exceto se ele descobrira a verdade.
Isso seria muito azar da garota. Nem gostaria de imaginar o que a duquesa faria se soubesse disso. Talvez uma surra? Mais dias sem comida? Outro espetáculo de humilhação? Qualquer uma das opções poderia ser provável, se não houvesse uma ampulheta contando o tempo bem diante de seus olhos. Toda a areia já alcançava o final.
Dália forçou sua mente a enterrar aquele assunto bem no fundo da sua consciência. Quando planejou se levantar e esticar o corpo, passos ecoaram no correr. Seus músculos tencionaram e ela se pôs de pé, em posição defensiva. Não queria ser pega desprevenida.
Alguns segundos depois, a porta se abriu, e Anh — junto à serva que trouxera o chicote para de Iluneia no dia anterior — entrou sem muitas cerimônias. A garota percebeu, então, que a discussão vindo de fora era dele com a criada.
— Trouxe algo para você comer — Anh disse, fazendo sinal com uma das mãos para a serva mal-encarada colocar uma bandeja com um prato de sopa à frente da jovem.
Uma careta se formou no rosto de Dália.
— Não estou com fome.
Como se quisesse debochar de sua fala, o estômago da garota roncou, forte e decidido. Foi uma questão de segundos para ela corar.
— Estou percebendo.
Anh sorriu. Pegou a bandeja com a criada, dispensando-a com outro aceno de cabeça, e se aproximou de Dália com certa cautela. Nesse momento, a jovem percebeu que não tinha porque recusar.
— É canja — falou ele assim que Dália pegou a tigela. — Pedi que fizessem para te ajudar a se recuperar.
— Por que se incomodar? — indagou ela, erguendo a cabeça para olhar para ele. No entanto, o cheiro do alimento logo capturou sua atenção de novo.
— Um corpo forte ajuda no processo de cura. — Deu de ombros, voltando-se para observar o cúbico. Realmente não havia muito o que ver ali.
Em um movimento receoso de cabeça, Dália assentiu. Gentileza pingava de cada ato dele, gerando desconfiança, mas não havia muito o que ser feito. Era melhor lidar com tudo isso de barriga cheia.
Com esse pensamento em mente, ela levou a colher de pau — que jazia na tigela — à boca, e se sentiu maravilhada com a sensação do alimento em sua língua. Para sua surpresa, não estava tão quente assim.
— Pode não parecer, mas você não está curada ainda. Há ferimentos internos — o mago explicou, sentando-se na cama dura. Dália permaneceu em pé, comendo.
Por um segundo, lembrou-se que não poderia agir conforme a etiqueta. Comer como uma esfomeada — embora fosse o que ela era naquele momento — foi a única opção.
— Está aqui pela última sessão — constatou ela, passando a língua pelos lábios. Anh fitou-a por alguns segundos, o cabelo loiro caindo por seu rosto. Após soltar um suspiro, anuiu.
— Não tenho tempo — contou, estarrecido. — Assim que terminar de comer irei curá-la. É provável que saia daqui logo depois.
— É provável — Dália concordou, lembrando que somente sairia dali quando Anh fosse embora.
E seria para se preparar para o último dia de sua vida, nada menos animador que isso.
A garota olhou para o fundo já aparecendo da tigela, vendo o líquido grosso, gorduroso e amarelado se mover à medida que ela agitava o recipiente. De repente, seu estômago embrulhou.
— Tem para onde ir?
A voz de Anh tirou Dália do torpor que havia a envolvido, e ela ergueu a cabeça para encará-lo. Em sua íris era possível ver uma pergunta não formulada.
— Curiosidade — explicou ele, com falso desinteresse. Dália não acreditou nisso.
Após encarar o resto da canja por alguns segundos e a virar, de repente, em sua boca, a garota murmurou:
— Para qualquer lugar que não seja aqui.
E era verdade. Se aquela história de ladra presa temporariamente fosse real, com certeza, seu único desejo seria sair para um lugar distante, muito distante da mansão do Duque. Não importava se seriam as favelas da capital ou o campo; estar longe daquela família, viver por si mesma, era tudo que ela queria.
Mas, como era impossível, tentou ao máximo não pensar nisso.
O mago assentiu. Com uma graciosidade digna de um nobre, ele se levantou, ajeitou a túnica cor-de-marfim e sorriu para ela. Não havia nenhum sentimento bom impresso ali.
— Sente-se na cama. Vou começar agora — ordenou ele, sem cerimônias. Dália obedeceu, jogou a tigela no chão e se sentou. A mão fria que envolveu seu rosto em seguida a arrepiou.
Com os olhos fechados e uma sensação que beirava a um formigamento, Dália esperou pela onda de magia que logo a envolveria. Aquela não era a primeira vez que alguém a curava enquanto estava consciente. Longe disso, desde que viera morar na mansão, sua vida se resumia a alguém usando magia nela, fosse por bem ou por mal.
Até aquele dia, nunca gostara da sensação.
Mas, assim que a primeira onda de magia a envolveu, brilhante como ouro, um detalhe atraiu sua atenção: não era ruim. Não, estava bem distante disso. A magia de Anh era como o sopro de uma brisa de verão, quente e acolhedora. Ao mesmo tempo — ela percebeu —, por baixo de todo aquele sentimento, havia uma frieza idêntica aos ventos fortes de inverno, que lembrava as noites mais duras de sua vida.
Uma sombra perversa escondida no fundo do oceano; cruel, ambiciosa, maligna. Não aguentou ficar com aquele toque em seu rosto por mais um segundo.
— Você… — murmurou ele, de olhos arregalados, assim que ela se afastou. A expressão no rosto do mago era de transtorno febril.
Dália não disse nada. Nem conseguiria. Ela estava ofegante, drenada, e — apesar de não sentir mais os resquícios das dores causadas pela surra de Iluneia — parecia que ia a qualquer momento desmaiar. Talvez tivesse mesmo, se o rosto de Anh não tivesse se tornado uma carranca capaz de fazê-la se arrepiar.
— O quê? — balbuciou ela, abraçando o próprio corpo. De repente, tudo começou a escurecer, como se uma das típicas tempestades de verão estivesse se formando ao longe, pronta para despejar seus raios em quem tivesse a coragem de enfrentá-la.
— Nada. — Ele balançou a cabeça, os olhos ferais, parecendo se tornar fendas diante da garota. — Só…
Sem mais nenhuma palavra, Anh deu as costas para Dália, e sumiu pela porta aberta do cúbico. Ela não o viu novamente.
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Atualizado até capítulo 73
Comments
Vicki Hungria
É alguém já se apaixonou aqui😈🤭
2025-01-21
1
Jaquerds
homem volta aqui,o que aconteceu?
2025-01-29
2
Carolini Meneget
Nunca mais eu dormir até meio dia, deu até inveja KKKKKKKKKKK
2025-01-22
1