Mentiras

Bianca

Dante está no escritório há duas horas e eu já passei em frente a porta mil vezes, ensaiando o que dizer quando entrar, minhas mãos suam, nunca sei como resolver problemas difíceis, ainda mais um que envolve meu marido e fraudes.

- Quer alguma coisa? – ele pergunta com a voz vazia depois da terceira vez que olha para mim passando no corredor.

- Nada demais – respondo entrando na sala – só queria mesmo saber se você decidiu sobre o presente de Dia dos Pais.

- Ah\, achei que ia querer saber disso – ele levanta o rosto para mim e sorri orgulhoso – sabe aquela caneta que você queria comprar? Achei uma bem parecida por treze e noventa e com a quantidade que pedi ainda temos desconto.

- Temos um fundo para isso\, certo? Tipo – estou olhando para os meus pés ao invés de encará-lo – uma parte da mensalidade é direcionada a eventos.

- Sim\, está no projeto. Por que quer saber?

- Nada\, só quero garantir que não vamos ficar no prejuízo.

- Não se preocupe\, Bianca. Eu tenho tudo sob controle.

Não é preciso ser um gênio para entender o que estava acontecendo. Uma vez pode ser um erro, uma confusão e apesar de errado é compreensível, mas duas cobranças indevidas só podiam significar que Dante estava fazendo algo errado.

- Acha que posso entrar no grupo do WhatsApp da direção?

- Nenhuma professora está nesse grupo\, por que você quer estar?

- Eu sou sua sócia e pensei em ter mais responsabilidades na escola que ser apenas uma professora.

Dante me olha por alguns segundos e me sinto nua. Sei que eu não devia estar me sentindo desconfortável na presença do meu esposo, mas me sinto e não consigo evitar.

- Bem\, foi só uma ideia – me afasto até estar fora do escritório.

Não pego o celular perto de Dante, ultimamente ele tem ficado em cima de mim e a última coisa que eu quero é que ele veja Samuel nas minhas conversas arquivadas. Mas ele está tão intretido no escritório que tenho certeza de que não vai ver nada, me sento de frente para o corredor e abro a conversa, a mais de uma mensagem perguntando sobre hoje a noite.

Eu não devia ter medo, ele era um vizinho querendo conversar e nada a mais que isso e mesmo assim eu me sentia traindo Dante.

Ouço passos no corredor e escondo o celular dentro da blusa. Dante aparece mas para no aparador, arruma o cabelo e pega as chaves do carro.

- Vai sair?

- Vou\, alguns pais marcaram um jantar e pediram para que eu fosse.

- Só os pais?

Dante me olha pelo espelho e balança a cabeça, parece desolado. Ele sabe o que quero dizer com a minha pergunta e não responde.

Me levanto indo até ele, paro a um passo de alcança-lo.

- Dante\, me responde.

- São só homens\, Bianca. Está sendo paranoica. Sabe que eu saio para resolver as coisas da escola a todo momento.

- Sim\, mas aproveitava isso para ficar com ela.

Ele fecha os olhos e respira profundamente.

- Se não está escondendo nada\, me deixa ir com você.

- Eu já disse que são apenas pais – ele veste o relógio com calma.

- Eu me sento em outra mesa\, também preciso jantar.

- Isso é ridículo – ele se vira para mim e agarra meus braços\, fazendo mais força que o necessário e sabe disso\, sinto seus dedos afundando na minha pele e tenho certeza que vai ficar roxo\, mas não consigo me mexer\, Dante nunca foi agressivo comigo\, eu estou paralisada – você não vai.

Concordo e ele me solta, chamo pelo seu nome, mas é inútil. Dante abre a porta e passa por ela sem olhar para mim.

Volto para o sofá e me afundo na almofada aos prantos, depois do que parecem horas ligo a tv e escolho uma comédia romântica, então me lembro do celular e abro mais uma mensagem de Samuel.

“Uma pena que tenha me deixado sem resposta, podia ser divertido”.

Sorrio para a tela e digito de volta.

“Desculpe, foi um dia cheio, não foi ao encontro de pais?”

“Se teve um encontro me deixaram de fora.”

No fundo, eu sabia que era mentira de Dante, mas aquela era só mais uma comprovação.

“E você? O que está fazendo?” – ele pergunta.

“No sofá, vendo um filme”

Mas não estou satisfeita com minha mensagem e enquanto vejo os três pontinhos, mando a palavra “sozinha” para que ele entenda que Dante saiu.

“Eu tô no prédio, na academia. Vem me encontrar?”

“Malhando a essa hora?”

“Aqui é melhor do que no hotel e eu acabei de deixar Yuri no apartamento.”

Respondo com emojis rindo, mesmo que não tenha sido uma piada e dois minutos depois ele manda: