Uma Garota Burra

Bianca

Dante está tão furioso comigo, jogando água sobre o corte em seu lábio na pia do banheiro, mesmo inclinado e de cabeça baixa, ele não parece nem um pouco vulnerável e isso me intimida.

- Sabe como essa porra faz mal para minha imagem? Tenho dois pais para atender amanhã – ele braveja.

- Desculpe\, eu não fazia ideia que ele ia aparecer aqui.

- O que é? São amiguinhos agora? Queriam fazer ciúme pra mim?

- Sabe que não sou assim – me defendo – nós conversamos algumas vezes\, mas foi só isso.

- E o que ele queria aqui?

Não respondo, ao invés disso digo que vou pegar mais toalhas de rosto e volto para o quarto, meu celular em cima da cama parece rir da minha cara. Estive olhando para aquela tela o dia todo, desde que mandei aquelas duas mensagens para Samuel.

Desbloqueio e dou uma olhada por cima do ombro para o quarto, a fim de ver se Dante está realmente onde não pode me ver, abro a conversa com Samuel e leio.

“Não quero fazer uma besteira.”

“Me tira daqui.”

Me sinto incrivelmente culpada, me sinto como se fosse eu quem tivesse traído, meu coração aperta, dói.

Mas quando estou prestes a apagar as mensagens, noto que elas não foram visualizadas. Samuel nunca as viu, não entendo por que ele apareceu se nunca recebeu meu pedido de socorro. Então, apago as mensagens só para mim.

- Bianca – Dante urra de onde está e eu sou obrigada a me aproximar.

- Está doendo?

- Claro que está doendo\, que merda.

- Você quer chamar a polícia? – pergunto com medo e ele nega.

- Chamar a polícia para o pai de um aluno é virar manchete de jornal e a escola não pode enfrentar uma notícia dessas.

- Devemos ir ao hospital?

- Você quer parar? – ele se levanta secando a água e o sangue na toalha branca – quero que mande um Email para os pais que vou atender amanhã e peça desculpas em meu nome\, diz que estou com suspeita de algo contagioso e não vou trabalhar nos próximos dias.

Pego seu celular na bancada e ele imediatamente me olha como se fosse capaz de me matar com os olhos.

- Para mandar o Email.

- Mande do seu computador\, não faz sentido mandar uma mensagem como se fosse se eu estou doente.

Ele fala como se eu fosse um cachorrinho aprendendo um truque, mas eu entendo que ele está bravo. Pego sua agenda na maleta para consultar quem são os pais, ligo meu computador e mando o Email cancelando as reuniões. Leva só alguns minutos, mas quando volto á sala, Dante está terminando de tomar um copo grande de cerveja e começando outro.

Será que ele sabe que sua barriga também cresceu com esse hábito?

Não mandou outras mensagens para Samuel e ele faz o mesmo, no fundo, sou grata por isso. Decidi que ele apareceu na minha porta porque leu as mensagens nas notificações, estou envergonhada e preocupada.

A manhã começa como qualquer outra, pedi a secretária que informasse da doença de Dante, mas que se fosse algo urgente poderia ser tratado por telefone.

Já era o fim da manhã, a troca de aula entre turnos quando ela chega desesperada dizendo que Dante tinha uma reunião e o pai estava esperando na secretaria.

- Eu mandei um Email cancelando.

- Ele disse que não recebeu. Não pode falar com ele? É da sua turma.

Ando a passos rápidos em meus saltos baixos, subo mais dois andares até chegar na secretaria, estou cansada e ofegante então sorrio para disfarçar.

- Oi\, professora. Desculpe\, eu estou olhando o Email agora.

- É uma pena\, na próxima prometo que vou ligar – olho para o menino cabisbaixo ao lado dele e questiono – está tudo bem?

- Sim\, eu queria falar sobre as reposições de aula\, Caleb quebrou o mês passado e eu não queria que ele perdesse conteúdo.

Isso é algo que eu posso resolver, afinal a reposição é comigo.

- Vamos resolver – faço um sinal para ele me acompanhar e abro a sala de Dante\, abro as janelas e me sento na cadeira do diretor\, ela me aguenta bem\, poderia passar o dia todo sentada nela.

- É Erick? Certo? – ele confirma e eu continuo – a reposição de aula é feita após o horário do período da manhã. Entre ás onze e a uma. Ele perdeu doze dias.

- Lembra disso de cabeça? – ele se surpreende e eu sorrio dando de ombros.

- Bem\, podemos começar na semana seguinte\, eu estou com três alunos na reposição\, não fará mal algum ter o Caleb com a gente.

O menino resmunga de braços cruzados.

- Eu espero que não precise de mais reposições\, mas se precisar\, pode falar direto comigo que o coloco na lista.

- E quanto ao pagamento?

- Mensalidades é só com o Dante\, mas posso pedir para ele te ligar.

- Não\, o pagamento das reposições – Erick me olha com uma certeza que quase acredito que deve ser feito algum pagamento.

- Na verdade\, Erick. Como o Caleb tem um atestado\, as reposições não têm custo.

- Mas o seu marido disse que teria um valor adicional – Erick pega o celular no bolso e mostra as mensagens para mim\, leio um adicional de duzentos reais por cada aula extra.

- Não\, isso está errado. Dante deve ter se confundido\, se você ler o seu contrato tem todas as informações lá.

- É ele pode ter se confundido\, acho que cuidar de uma escola não é fácil – Erick riu nervosamente – ainda bem que falei com você.

- Ou teríamos um trabalho a mais para estornar o valor.

Ele sorri de volta e obriga o filho a dar tchau para mim antes de sair pela porta, eu estou em dúvida se Dante realmente se confundiu e quantas vezes cobrou errado pelas minhas reposições e das outras professoras.

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