Conversa Franca

Vou para casa cansada, o trabalho é tranquilo mas foi um dia de muito desgaste psicológico. Passo na escola das crianças e depois no mercado. As tarefas simples que antes eram divididas para nós dois, agora estão todas sobre mim. Até mesmo seu trabalho no escritório.

Em casa coloco as crianças para o banho enquanto preparo o jantar. Carol chega avisando que a mãe sairá do hospital amanhã e que ela está melhor. Pergunto se ela conversou com Daniel hoje, ela nem o viu. Sinto que ele pode estar fugindo de mim para não termos a nossa conversa.

Tomo meu banho e fico um pouco na sala com Antônio e o José, eles contam as novidades da escola e de como estão fazendo novas amizades, Carol dá boas risadas e vejo a alegria voltando aos poucos para dentro de casa. A ausência do pai ainda é grande e traz uma saudade muito grande, mas a dor está diminuindo.

Ouço a campainha, quem será há uma hora dessas? Penso em voz alta para não perder o costume.

Abro a porta e me deparo com um homem suado, transpirando e com roupa de futebol.

__ Desculpa a demora! Ficamos de conversarmos mais tarde, mas hoje é quarta, dia de futebol.

__ Tudo bem! Eu havia me esquecido que quarta-feira vocês jogam na quadra do clube.

Eu o olho com a respiração ofegante e me lembro de que três dias antes de morrer Laerte jogou futebol na quadra e estava bem, é inexplicável como uma pessoa passa mal e morre de repente, sendo saudável e tão novo.

__ Você quer que eu volte depois?

Ele me pergunta percebendo que estou aérea e o deixando em pé na porta.

__ Não, precisamos conversa hoje, eu estou muito curiosa para entender tudo isso.

Fomos para a cozinha, somente nós dois, Carol foi colocar as crianças para dormir. Ele se senta a mesa enquanto eu preparo um lanche com um suco.

Sento-me a sua frente e agora sua respiração já normalizou, ele me olha de uma maneira carinhosa e gentil.

__ Por onde você quer que eu comece?

__ Por quê você não me contou a respeito do seu parentesco com doutor Henrique?

__ Eu e ele não conversamos, desde um mês antes da morte da minha noiva. Ele gosta de ser muito franco e fala o que pensa a respeito de tudo e eu estava trabalhando com ele na construtora e ele tentou me abrir os olhos a respeito da Valentina, eu achei que ele só sentia inveja por eu ter um relacionamento lindo e amar uma pessoa que também me amava. Quando na verdade ele estava certo, ela sofreu um acidente vindo de uma balada no meio da semana com um outro homem.

__ Mas por quê vocês não voltaram a conversar?

__ Henrique não é como as outras pessoas, ele não é nada social e para chegar nele é preciso esperar ele se aproximar e fazer o primeiro contato, ele não o fez e o tempo foi passando. Eu fiquei desempregado e sem a mulher que eu amava.

Tive um período depressivo, comecei a beber e cheguei ao fundo do poço. Laerte me ajudou muito e conversávamos bastante.

Eu não sabia que ele era casado, soube quando vocês mudaram aqui para a rua. Mesmo assim, como vizinhos nunca fizemos um churrasco juntos. Poucas vezes ele foi na minha casa e eu nunca tinha vindo aqui até o dia em que ele morreu.

__ Verdade, eu não me lembro de você vir aqui, sempre os via indo jogar bola, mas ele não gostava que eu fosse, nem mesmo as crianças. Dizia que era seu momento e que precisava desse tempo.

__ Eu conheci Laerte na empresa, Bianca nos apresentou. Ela era muito amiga dele, eles estavam sempre muito juntos e...

Ele faz uma pausa e não termina a frase. Eu pergunto o que foi e ele desconversa.

__ Termina o que você estava falando.

__ Eu acho que você deve tomar cuidado, eu trabalhei muitos anos com Henrique, ele tem o jeitão dele mas não faz mal a ninguém, você vai ter que se acostumar ao seu jeito sincero, direto e às vezes arrogante. Agora cuidado com a corrida pelo ouro. O setor que você trabalha é visando apenas o lucro, é o que move o império e todo mundo quer uma fatia do enorme bolo. Eu estive lá dentro e quanto mais ganham, mais eles querem ganhar.

__ Se corre tanto dinheiro assim, como vocês falam, onde está o dinheiro que Laerte ganhou em dez anos trabalhando na empresa?

__ Eu não sei, na minha época em que trabalhávamos juntos ele vendia uma média de uns três a quatro apartamentos por mês, mas fiquei sabendo que no último ano ele vendeu um condomínio inteiro e duas coberturas.

No meu entendimento isso foi bem mais de um milhão, só de comissão.

__ Não pode ser! Não tem como, eu sei que ele não tinha dinheiro, estávamos pagando essa casa às prestações, o carro também e dificilmente sobrava para comprarmos roupas e calçados para as crianças. Não passávamos dificuldades mas era tudo em favas contadas.

__ Eu posso te dizer que a princípio ele não ganhava muito mas nos últimos dois anos, com certeza ele ganhou.

__ Você realmente não sabe de nada, onde possa estar esse dinheiro?

__ Eu não sei, mas eu tenho certeza que você vai descobrir. Você é esperta e está lá dentro. Quando você me disse que trabalharia lá, a princípio eu pensei ser uma má escolha, mas agora eu entendi que para você descobrir o que estava acontecendo, você precisa ir bem fundo. Eu estarei aqui para te ajudar no que você precisar.

Ele fala e coloca suas mãos por cima das minhas, eu sinto um arrepio estranho e tiro as mãos da mesa. Ele percebe o que fez e eu me levanto.

Ele se coloca atrás de mim e passa suas mãos por toda extensão dos meus braços. Eu sinto meu corpo reagindo e minha cabeça em dúvidas.

__ Eu quero te pedir para não confundir as coisas, você é meu amigo e eu preciso de você, mas não posso nada além disso.

__ Eu sei, está tudo muito recente e vejo que você ama muito o seu marido. Eu respeito o seu luto, estou aqui para te apoiar.

Falo sem me virar em sua direção e sinto ele se afastando, olho para trás e ele está na porta me olhando.

__ Eu venho ficar com as crianças amanhã, não se preocupe, eu os deixo na escola.

__ Obrigada!

Ele sai e sinto um enorme vazio. Tudo é triste, nada é fácil nessa etapa da vida.

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