Uma chance

Depois do almoço levo as crianças para a escola, volto e coloco as roupas no varal e começo a lavar a varanda que fica a frente da casa e aproveito para lavar a calçada da rua. Mexer com água me relaxa e esqueço um pouco os problemas.

Tem um carro parado do outro lado da rua desde cedo, quando eu cheguei do colégio não o tinha visto ali, pensei ter ido embora e agora voltou. A questão de morar por muitos anos na mesma rua, faz com que a gente conheça os movimentos e a vizinhança.

Estou de short e camiseta e toda molhada, a bendita da mangueira soltou e me molhou toda, deixando a minha roupa grudada no corpo.

Prendo meus cabelos em um coque louco e bagunçado, retiro o excesso de água do meu rosto e termino de lavar. Daniel passa no portão e pergunta se preciso de ajuda:

__ Não, eu já terminei, vou tomar um banho e tirar essa roupa molhada, daqui a pouco é hora de buscar as crianças no colégio.

__ Pode ir descansar, eu pego eles para você e vou aproveitar para levá-los para tomarem um sorvete.

__ Obrigada querido! Você não existe.

Eu o agradeço e entro para um banho tranquilo. Estou terminando e ouço a campainha. Não acredito que já chegaram, pelo visto foi um sorvete rápido.

Saio do quarto, com um moletom e uma camiseta branca, não deu tempo nem de secar meus cabelos. Calço um chinelo velho e saio igual uma adolescente. Abro a porta e levo um susto enorme...

__ O senhor aqui?

__ Me chame de Henrique, sou muito novo para ser chamado de senhor, fora da empresa.

__ Tudo bem, Henrique! O que faz aqui?

__ Posso entrar?

Dou por mim, que estamos nós dois debaixo do batente da porta em um espaço minúsculo e sinto esse perfume afrodisíaco e forte, estou envergonhada por usar uma roupa inapropriada para receber um estranho.

__ Entra!

Lhe dou passagem e espero que diga alguma coisa:

__ O que te trouxe aqui?

__ Seu currículo, eu o li e achei interessante.

__ Não sei o que foi de interessante que você encontrou, mas, me parece que precisava ter certeza que eu não estava mentindo a respeito da nossa situação.

Ele olha a sua volta e percebi a casa simples de classe média com pouco conforto e nada valioso para quem ganhava quantias exorbitantes.

__ Você é esperta, tem perguntas e respostas diretas para tudo. Gosto do modo como fala e como reage as situações.

Ele fala pegando o porta-retrato das crianças no aparador.

__ São seus filhos?

__ Sim, filhos do Laerte.

__ Não se parecem com o pai, já sei a quem puxaram. São lindos.

Sinto um arrepio na coluna e um frio no estômago, ele é uma incógnita.

__ O senhor pode ser breve, eu tenho que preparar o jantar das crianças.

Falo com a mesma frieza com que ele me tratou.

__ Eu quero você na empresa amanhã as oito em ponto na minha sala. Não gosto de atrasos e coloque uma roupa melhor. Você é a mais nova corretora contratada. Vamos ver se será tão boa quanto seu ex marido.

Eu fico assustada e meu coração dispara, ele me encara com seu olhar frio e dominante e estando a um palmo do meu rosto me entrega o envelope:

A relação de documentos necessários estão aqui dentro. Não se atrase e não esqueça nada para trás.

Ele sai da mesma maneira que entrou e eu não sou nem a poeira do que eu era a minutos atrás. Minhas pernas estão bambas e uma euforia explode dentro de mim. Há muito tempo eu não ficava desse jeito, acho que a última vez foi quando ganhei uma geladeira nova.

__ O que o Henrique estava fazendo aqui?

Assusto-me com a voz grossa e séria de Daniel chegando com as crianças. Elas me beijam enquanto ele faz alguns questionamentos.

Daniel fala como se não gostasse da presença dele aqui em casa e como se eu tivesse cometido um crime.

__ Ele veio me oferecer um emprego. Você o conhece tão bem ao ponto de chamá-lo pelo nome?

__ Sim, eu o conheço há muitos anos. Ele sempre foi assim arrogante e prepotente. Laerte sempre reclamou comigo que ele não sabe tratar as pessoas e se acha mais capacitado por ser o CEO da empresa.

__ Engraçado, Laerte nunca reclamou do trabalho e nem das pessoas que trabalhavam com ele, pelo contrário, estava sempre feliz e otimista. Eu só não entendo por quê ele reclamava com você?

__ Nós éramos amigos, jogávamos futebol e depois íamos tomar uma cerveja. Homens falam coisas de trabalho, família e futebol.

__ O engraçado é que eu descobri que ele não falava da família para as pessoas, somos inexistentes para os amigos dele e eu não conheço seus amigos.

Ele fica sem graça e desconversa, desconfio que ele sabe bem mais do que aparenta.

As crianças entram para o banho e eu continuo a conversa com Daniel.

__ Você está certo, ele falava com você acerca de trabalho, então você deve saber que projeto é esse que ele estava envolvido?

__ Eu não sei de nada, não era tudo que conversávamos, de repente Henrique possa te explicar.

__ Eu aceitei o emprego, e começo a trabalhar amanhã, essa madrugada será meu último dia na padaria.

__ Sério? Você não quer pensar melhor?

__ Eu já pensei, vou arrumar alguém para ficar com as crianças e levá-las ao colégio e na saída do trabalho eu as pego.

__ Se você quiser, até você arrumar alguém eu fico com elas.

Já está tarde e eu não tenho como arrumar uma pessoa agora, serei obrigada a aceitar.

__ Tudo bem! Eu deixo o almoço pronto e é só aquecer. Vou ficar te devendo mais essa.

Estou sentindo que minha dívida com ele está ficando cada vez maior. Tenho que resolver isso o mais rápido possível, não quero saber de confusão na minha cabeça e muito menos ficar em dívida moral com alguém.

Enquanto eu faço o jantar, as crianças fazem os deveres de casa, Carol chega do serviço cansada e vai tomar um banho.

Ela foi a tarde no hospital e nossa mãe receberá alta em dois dias.

Conto a ela que eu consegui o emprego na construtora e que já começo amanhã. Agora é ver o que descubro a respeito do Laerte.

Antes de dormir fico mexendo no celular dele e vendo as mensagens. São vários clientes em potencial, pessoas que querem comprar apartamentos prontos ou na planta. Estou com uma ideia, pego a agenda dele e o celular. Vou usar as suas coisas ao meu favor e trabalhando com afinco eu pretendo dar um futuro melhor para meus filhos. Quanto ao que tenho que descobrir o tempo me trará as respostas.

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