Saio duas e meia da manhã para poder pegar serviço na padaria às três, meu vizinho disse que está sem carro e me pediu uma carona, eu não posso negar pois foi ele quem me indicou o serviço e sua mãe fica sempre com as crianças quando eu preciso.
Ele se chama Daniel, é uma boa pessoa e era amigo do Laerte. Eu fico com medo das pessoas falarem mal de mim por causa de sair de madrugada com um homem sendo que tem apenas um mês que eu estou viúva. Mas eu não posso negar uma carona a quem me estendeu a mão na hora em que precisei.
Não deu outra, a vizinha da última casa, no final do quarteirão simplesmente sai na janela para ver quem está saindo de casa e justo na hora em que paro o carro para Daniel entrar.
__ Bom dia dona Josefa! Vamos trabalhar?
Ela não responde e fecha a cara.
__ Desculpa te incomodar e ainda te coloquei em uma situação difícil, afinal às pessoas jugam muito pelas aparências.
__ Não se desculpe, eu não me importo com o que os outros pensam, já passei dessa fase. O que eles pensam ao meu respeito só interessam a eles, não vou me estressar por causa disso e sempre que você precisar meu carro está às ordens.
Ele me olha com admiração pois não esperava de mim essa resposta.
__ Você está gostando de trabalhar na padaria?
__ Sim, é um horário que posso ficar fora de casa e alguém cuida dos meus filhos.
__ Quando você chega dá para descansar.
__ Não! Eu chego, sirvo o café, arrumo a casa, preparo o almoço e levo as crianças no colégio, quando volto eu durmo um sono e já está na hora de buscá-los. Chegamos e vamos fazer as tarefas, o jantar e já estou cansada. Custo a dormir, é o momento que mais me dói e a saudade me sufoca.
Meus olhos estão vermelhos e começo a fungar, pois todas as vezes que me lembro eu choro.
__ Desculpa! Eu não queria te fazer chorar.
__ É inevitável, eu estou uma corrente de águas, qualquer coisa me faz lembrá-lo, está muito recente e ainda dói muito.
__ Eu fiquei assim quando perdi minha noiva num acidente, era uma dor sem tamanho e uma angústia que não passa. Até uma bala nos faz lembrar da pessoa.
__ Eu me lembro quando ela morreu, nós fomos no velório, Antônio estava pequeno e eu o deixei com minha mãe para irmos.
__ Eu não me lembro de ninguém que foi no dia, eu estava em choque e parecia não ver nada a minha frente.
__ Eu também fiquei assim durante o velório. Não sei quem foi e muito menos quantas pessoas foram.
__ Tinha muitas pessoas, a turma do futebol foram todos. Da empresa eu só vi o CEO e uma mulher muito bonita que o acompanhava.
__ Você conhece o pessoal da empresa onde Laerte trabalhava?
__ Sim, eu comprei um apartamento nas mãos de Laerte, fui lá assinar o contrato. Eles vão entregar daqui a noventa dias.
__ Então você vai se mudar da nossa rua?
__ Vou, eu quero passar um tempo morando sozinho. Estou preparando o espírito de dona Helena que acha que tenho que morar com ela para ter roupa lavada e comida na hora certa.
__ Isso é coisas de mãe.
Mas você está certo, vai ter sua privacidade e quem sabe não arruma uma esposa.
__ Pode ser! Estou na pista.
Ele me olha de um jeito estranho e me sinto incomodada.
__ Eu não quero saber de mais ninguém na minha vida, quero cuidar dos meus filhos e lutar para dar o melhor a eles.
__ Mas você é muito jovem, é bonita e pode reconstruir uma nova história.
Paula, trinta e cinco anos
__ Eu amo meu marido, ele era meu tudo, meu amigo e meu companheiro. Não me vejo ao lado de outro homem.
Chegamos no trabalho que parecia quilômetros com essa conversa que não terminava, mas foi bom conversarmos, a tanto tempo sem ter alguém para falar o que estou sentindo que me senti mais leve.
Entramos para o trabalho e nossos setores são diferentes.
Eu faço biscoitos e bolos e ele faz pães e massas.
Não o vi durante o tempo de trabalho, quando estou saindo o vejo encostado no carro conversando com uma das meninas que trabalham no mesmo setor que ele.
__ Paula, essa é Luíza, ela mora na nossa rua e eu sempre a deixo em casa, você se importa de dar carona a mais uma?
__ Claro que não, sempre que precisar podem contar comigo.
Senti-me aliviada, assim dona Josefa não vai falar que estou andando com o Daniel para baixo para cima sozinha e é bom cercarmos de amigos, estou me sentindo sozinha e as poucas amizades que eu tinha parece que se afastaram para que eu não peça nenhum favor.
Preparo a mesa do café e coloco algumas roupas na máquina enquanto as crianças acordam, minha irmã toma o café e sai para o serviço.
Encontro no sexto de roupas sujas uma bermuda do Laerte, acho estranho pois a tempos que eu não a via e quantas vezes lavei roupas esse mês e não vi essa bermuda suja. Acontece que ela sumiu bem antes dele morrer. Olho os bolsos antes de colocar na máquina, é uma mania que eu tenho. Encontro uma nota de cinquenta e um papel com dois números anotados. Um número de telefone e uma sequência de oito dígitos. Não sei do que se trata mas vou colocar junto com sua agenda.
__ Tem muita coisa sua aqui, meu amor! Vou tirar um tempo para limpar isso essa semana.
Falo em voz alta, comigo mesma.
Essa nota que encontrei vai virar combustível para o carro, ele está andando só no cheiro. Vou receber meu primeiro pagamento e estou cheia de despesas para cobrir.
A tarde busco as crianças no colégio e pergunto se foram eles que acharam a tal bermuda, eles não souberam de nada.
Carolina chega para dormir e eu pergunto a respeito:
__ Foi você quem encontrou a bermuda do Laerte?
__ Sim, ela estava jogada no lavabo, da área da churrasqueira. Eu fui limpar lá e a encontrei.
__ Estranho, como isso foi parar lá? Ele a me fez procurar por dias, parecia ter perdido uma fortuna por causa da bermuda.
Fiz o jantar e coloquei as crianças para dormir. Como minha insônia está grande eu peguei sua carteira e comecei a olhar as coisas que tinha dentro, alguns documentos, uma pequena chave parecendo da caixa postal, canhotos de cheque. Eu nem sabia que ele trabalhava com cheque. Uma coisa obsoleta que quase ninguém usa. Por curiosidade começo a ver o que ele pagava com cheque e eram quantias enormes nominais a seu irmão. Eu começo a me preocupar, eles não gostam de mim, achavam que eu não era o suficiente para Laerte.
__ Por quê o Laerte arrumava tanto dinheiro para seu irmão?
Tenho a mania de falar alto o que penso. Carol entra no quarto e me vê espantada e pergunta o que eu estou falando sozinha. Mostro a ela os canhotos de cheque e ela fica horrorizada.
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Atualizado até capítulo 77
Comments
Ivelise Rodrigues
Desconfio que ele não era um mero empregado.
Deve ter dinheiro escondido e muito segredo por parte da família dele.
2025-02-01
3
Dora Silva
será que esse homem era tão honesto assim 🤔
2024-12-12
0
Sandra Maria de Oliveira Costa
rs sei bem como é passei por isso 😔 e é uma realidade nua e crua
2024-11-24
1