Algumas coisas nunca mudam

O despertador parecia está tocando dentro da cabeça de Eluar. Ela levantou, desnorteada, olhando ao redor com dificuldade. A dor de cabeça que sentia, dava certeza que havia bebido mais do que era recomendado. Correu para vomitar assim que o download da alma foi feito. Estava se sentindo péssima, mas tinha que trabalhar. Era seu primeiro dia de estágio. Se arrumou, comeu uma torrada e correu para pegar o metrô, não poderia chegar atrasada, já tinha problemas o suficientes na vida. Não podia deixar respingar na sua carreira.

Mesmo consumida pela ressaca, chegou no antes do horário da aula, um dos diferenciais desse programa, era a estrutura do hospital-escola, além de oferecer equipamentos de primeira linha para o ensino, também dispunha dos melhores profissionais orientando e ensinando diariamente, sem contar com a parte prática do estágio. Ao entrar na sala, ela se deu conta que Rafael deveria está lá também, mas uma passada de olho foi o bastante para perceber que ele não estava ali.

— Bom dia, turma. Eu sou Thiago, chefe do programa. Hoje iniciamos o primeiro dia do programa de estágio. Vou cortar a parte do discurso motivacional e resumir. Ou vocês estudam ou estão fora do programa. Três erros e estão fora. Eu não irei repetir nada, então anotem tudo. Vamos começar que nossa função não é socializar e sim salvar vidas. — O médico era um sonho de idade, devia ter por volta dos seus 50, não parecia nada feliz em dar aula.

No meio da aula, depois do professor ter escrito algumas coisa no quadro e destruir alguns papéis com o resumo das técnicas que deveriam observar por todo dia de hoje. Quando Thiago demonstrava como era feito o atendimento emergencial e suas etapas, com auxílio de um boneco, mostrando através dele onde deveria ser prestado mais atenção no paciente, Rafael o interrompe, entrando na sala.

— Tio Thiago! Você é meu professor? Que bacana. E mãe preocupada que eu estava atrasado. — Rafael disse rindo se aproximando do professor.

— Quem é sua parceira de estágio? — Thiago perguntou olhando sério para Rafael que bocejava.

— Ahn.. Não me lembro o nome dela. Pode olhar para mim? — Rafael pediu ao Thiago que fez careta, mas foi olhar.

— Eluar Martins... Poderia erguer a sua mão? — Thiago disse olhando para a ficha dela. Eluar mesmo confusa levantou a mão, fazendo toda atenção se voltar para ela. — Aquela lá é a azarada que ficou com você. Sente lá. Agora sobe logo e fique em silêncio. E da próxima vez que o senhor chegar atrasado, vá direto para sala da diretora conversar com ela. Não entre aqui.

— Já vi que o senhor tá brigado com tia Barbara — Rafael brincou, Thiago jogou algo nele e ele subiu rindo.

Rafael sentou ao lado de Eluar ainda sem se dar conta que era a mesma mulher do jantar de ontem. Já Eluar, estava com seu coração acelerado, até o perfume que ele usava era o mesmo. Tudo estava como antes, menos as lembranças de Rafael.

— Licença, bom dia. Que horas acaba isso? Estou com sono. — Rafael perguntou para Eluar que respirou fundo tentando não bater nele de ódio.

— Quando o sinal tocar teremos que seguir o professor, observando todos os pontos que ele introduziu em sala de aula. Aqui está o papel que resume os pontos — Eluar respondeu sem olhar para ele, apenas passando o papel.

— Desculpa, acho que te incomodei. Estou ainda um pouco perdido em relação ao estágio. — Rafael estava querendo puxar conversa, Eluar conhecia bem o tom dele quanto estava entediado e querendo procurar algo para sair do tédio.

— Qualquer dúvida me pergunte após a aula. Agora preste atenção ou haverá problemas quando tivermos que fazer a ronda. — Eluar alertou sem ao menos olhar para ele.

Rafael olhou para Eluar e sorriu. Por mais absurdo e louco que pareça, ser tratado daquela forma por ela, fez ele se sentir bem. Rafael estava olhando para Eluar, quando se deu conta de quem era.

— Ah! Você é a garota que fez confusão no jantar lá de casa ontem. — Rafael gritou, chamando atenção de todos da sala.

— Fora da sala. Os dois. — Thiago gritou irritado vendo que Rafael já havia causado problemas e ainda estava levando consigo a melhor aluna da classe.

Rafael levantou rindo, estava feliz de ter sido convidado para se retirar, para não dizer expulso da sala, ele estendeu a mão para Eluar, que estava encarando para ele com ódio no olhar.

— Tenho algumas dúvidas, fora da sala você pode me responder elas? — Rafael perguntou sorrindo ainda com suas mãos estendidas para ajudar Eluar a levantar.

— Idiota! Você nunca muda. — Eluar respondeu se levantando, colocando suas coisas na bolsa e descendo as escadas do auditório envergonhada com a cena.

— Hey! Me espera! — Rafael gritou depois de se dar conta que Eluar havia descido sem ele.

— Professor, mil desculpas. Não foi a intenção. Prometo que não irá se repetir — Eluar se desculpou com o professor, o surpreendendo.

— Não se preocupe, eu sei que não foi culpa sua, foi Rafael que causou o problema. Depois converso com ele sobre isso. Desculpa o transtorno, ele é um pouco... Complicado — Thiago explicou para Eluar, mas na verdade, queria dizer que ele era o filho dos donos e não podia simplesmente expulsar ele do programa, por mais que essa fosse a vontade, Thiago gosta a bastante do seu emprego.

Eluar entendeu o recado nas entrelinhas, acontecia algo parecido na universidade, alguns professores sempre evitaram bater de frente com Rafael por ele ser filho de pessoas importantes na medicina, deixando assim, ele cada vez mais despreocupado com o impacto de suas ações.

— Hey! Vamos lanchar? Não tomei café. E quero ouvir um pouco mais sobre meu tempo na graduação que não me lembro. Minha mãe me disse que estudávamos juntos. Poderia tirar alguns minutos, por enquanto que a aula termina para me contar o que esqueci de importante? — Rafael disse puxando o braço de Eluar, no corredor do hospital, de frente a porta da sala deu aula, fazendo com que seus olhos se encontrassem.