TARDE DEMAIS

Assim que Raul puxou o freio de mão,  pegou seus óculos escuros para esconder a emoção de vê-la novamente.

À noite anterior não dormira direito, imaginando que ela estava bem longe da região.

Agora, ao saber que estava em Monte Serra, remexeu novamente os seus sentimentos. Com sua simples volta, deveria se afastar o máximo possível dela, mas não podia deixar de dar suas condolências.

Não seria educado da sua parte, mesmo sabendo que não devia se envolver. Viera mais por impulso. Pelo menos era o que tentava se convencer durante o caminho até o cemitério.

Tentando manter-se no controle,  saiu do carro em sua direção.

De longe, notava que ela o encarava, surpresa. Um pensamento relâmpago fez lembrar de como se amavam e teve o desejo de abracá-la e dizer que sentia a sua falta. Refreou, porém, seus impulsos e disse:

— Desculpe, Melissa, eu saí bem cedo e não sabia o que tinha acontecido... Por isso só agora pude chegar aqui. — Ele a mirava por trás dos óculos escuros que a impedia de ver suas reações. — Então... Meus pêsames.

Ela o observou, com olhos ainda avermelhados por ter chorado pelo pai. 

— Bem, Raul... Já terminou tudo por aqui, mas mesmo assim,  obrigada por ter vindo.

Um incômodo silêncio se seguiu, até que Raul tornou a falar:

— E o seu primo?

— Ah... Ele está muito triste... Mas agora pode voltar para sua esposa e filho. Nesse momento, já deve ter pego a van de volta para Formosa.

— Certo. Depois falo com ele pra dar minhas condolências.

— Tudo bem.

Raul cruzou os braços e passou a vista ao redor do lugar. Era a hora de ele se despedir e cair fora. Acontece que algo o impeliu a continuar mais tempo perto dela, então se ouviu falando:

— Você está de carro?

— Não...— Ela mostrou o celular.— Eu ia chamar um táxi, no momento que você chegou.

— Você está hospedada em algum hotel da cidade? —Ele não queria admitir para si mesmo, mas ouvir mais aquela  voz  adocicada e calma dela era uma tentação.

— Não...Vou ficar por enquanto na antiga casa do meu pai.

— Bem, estou indo para casa! Se você quiser... Posso te dar uma carona, é o meu caminho, não custa nada.

Ela suspirou. Seria ótimo falar com ele sobre o que a tia lhe dissera antes de morrer, então respondeu:

— Tá certo.  Eu aceito.

— Ok, venha, por favor!

Mel o acompanhou e entrou no carro. Ele pegou a estrada. Os dois ficaram por alguns metros em silêncio. Cada um em dúvida de como começariam uma conversa. Depois de um tempo, sem se conter mais, Mel disse:

—  Raul, sei que esse não é  o momento, mas assim que você tiver um tempo, gostaria de conversar com você...

Ele continuou dirigindo. Mel notou uma certa rigidez em seu corpo e aguardou que ele falasse algo.

— Sobre o quê mesmo?

—Sobre nós dois.

Rapidamente ele lembrou das longas noites esperando por Mel, de como sofreu sem notícias suas e de como ela fez questão de se afastar dele, através da maldita carta.

O ressentimento estava ali bem forte, dominando o seu coração como um vírus que se alastrava terrivelmente.

— Sobre nós ? — Ele a fitou rapidamente e voltou a atenção para o volante.  Meneou levemente a cabeça. — Não me leve a mal, Melissa,  mas não temos nada o que conversar sobre o passado.

Ela suspirou, tentando ser cautelosa. Com o coração palpitando,  sentiu a voz sair tremida.

— Não concordo.  Somos adultos e podemos resolver nossas diferenças com diálogo. Ontem, tive receio de falar isso, pois eu estava de partida, mas como vê, os planos mudaram.

— Aí está o problema... Já se passou tanto tempo! Não creio que isso vai fazer alguma diferença para mim.

Ele encerrou a conversa, meio irritado. Mel notou que o carro se aproximava da casa de seu pai. Chegando lá,  Raul freiou bruscamente. 

— Pronto,  já pode ir.

Ignorando a reação grosseira que ele manifestava naquele momento, Mel não fez menção de sair.

—Raul...Ouça-me! Antes de falecer,  minha tia revelou que você não recebeu minhas cartas, assim como não recebi as suas. Ela me pediu perdão e que queria que você a perdoasse por ter nos afastado...Essas cartas podem desfazer todo o mal entendido do passado. Pena que ela morreu antes de dizer onde estão...

Ele se virou para ela e retirou os óculos escuros, olhando-a com desprezo.

— Cartas? Mais cartas? A única carta sua que recebi não foi algo que eu esteja à fim de ficar lembrando...

Mais chocada com o olhar dele , do que com as palavras, Mel explicou:

— Ela também falou sobre isso ... A carta que você recebeu foi escrita  por minha tia...não  por mim. Na verdade, eu nem sabia da existência dela.

Ele silenciou por um instante.  Ela só podia estar blefando, não era possível . Mostrando falsa indiferença, disse:

— Sabe,  Melissa, não estou a fim de revirar o passado. Estou muito bem assim. Tenho outra pessoa e isso demonstra que resolvi seguir outro rumo.

Ela sentiu uma dor incalculável ao ouvir suas palavras, mas precisava insistir:

— Acontece que não me sinto bem por você achar que nunca me importei.

— E depois de sete anos, você chega aqui para me dizer que se importa? Bem, acho que você chegou tarde demais!

— Não estou mentindo para você ... Continua sendo muito importante para mim durante todo esse tempo.

— Não é isso que todos dizem aqui. — Ele a deixou de encarar, fixando o olhar no vazio.— Você sabe o escândalo que se envolveu com aquele dançarino famoso uns seis meses depois que você foi embora daqui?

Mel arregalou os olhos, surpresa.

— O quê? Não houve nada...

Ele ignorou o que ela falava e continuou:

— Até hoje o povo comenta! Fui alvo de muita chacota, Mel!

— Isso não foi verdade... Não tive caso com ele. Tudo aquilo foi boato para sujar a imagem dele diante da esposa. Éramos apenas amigos...

— Não preciso das suas explicações.  Foi difícil, você não imagina...Como me senti na época. Agora, isso não me interessa. Pouco me importa se você fica com homens casados ou não. 

Sentindo-se ofendida, ela teve vontade de levantar a mão na cara dele.

— Como se atreve?

— Como eu disse antes...Não revire o passado. Estou muito bem assim e obrigado.

Ela o olhou com raiva dos pés a cabeça,  depois, sarcasticamente,  agradeceu pela carona e saiu do carro.

Ela só queria ter uma conversa amigável com ele. Era tolice sua ter acreditado que seria fácil demais. A pergunta que ela se fazia agora era: Como domar aquela fera sem coração?

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Comments

Jane Cleide

Jane Cleide

Esse gato selvagem não vai dá moleza pra Mel kkkkk

2024-12-14

1

Elizabeth Fernandes

Elizabeth Fernandes

Ele está magoado por achar que ela não o queria foram muitas mentiras contadas a ele

2024-11-13

1

Jeneci Nunes

Jeneci Nunes

Raul tá muito magoado,encheram a cabeça dele com mentiras 😔😔

2024-06-03

6

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