*Bônus* |•Capítulo 13•|

...|•Alicia•|...

"A sagacidade na maioria das vezes nos torna aproveitadores de oportunidades. Mas quando usada junto a inteligência nos torna temidos e aos de fora, invulneráveis."

Saio do quarto de Giulia fechando a porta e desço as escadas em direção a sala de estar sem muita pressa. Encarar a mulher que fez Giu sofrer por tantos anos…não sei o que eu poderia fazer ao vê-la. Giu fez uma loucura — a maior de todas até hoje — e isso me deixou muito irritada e acredito que ela pôde muito bem ver isso ao eu deixar estampado na minha cara a frustração. Eu me preocupo com ela. Não só como amiga, como colega de trabalho, mas como uma irmã. A irmã que nunca tive e com a qual sempre sonhei.

E vê-la daquela forma quando adentrei a boate — tão desesperada, desnorteada fazendo qualquer coisa como se mais nada importasse — não foi algo plausível. Mas depois que ela me contou o por quê de tanta atrocidade, quando vi a dor em seus olhos, o medo, o desgosto, eu não pude deixar de concordar que no fundo se fosse eu na mesma situação, eu teria feito igual. De qualquer forma, também me senti um pouco culpada pela forma que a tratei e para ajudá-la, só tive a opção de morar com ela em seu apartamento.

Não era necessário largar meu apartamento por conta de ser alugado, afinal, eu enfim estava tentando negociar a compra dele. Com meu salário eu poderia muito bem pagar o aluguel daquele ap o resto da vida. Eu largaria meu cantinho — tão enorme que ao menos deveria ter ¼ do tamanho da mansão do pai de Giu — para viver com ela. Talvez não fosse necessário muito tempo, e depois eu poderia voltar para meu lar. Mas eu ainda teria de avisar meus pais caso eles fossem lá me procurar e não me encontrassem. Tudo bem, isso pode ficar de lado ainda por algum tempo.

Tenho de preparar tudo para Giulia, para que amanhã quando provavelmente for conversar com seu pai, seja tudo mais fácil. E um pedido de desculpas por ela não ter se juntado a eles naquela noite seria um bom começo em minha opinião, para tentar consertar o mau começo desde que eles compreendam. Posso ver nos olhos sem esperanças de Giu que nada disto está sendo fácil, mas como haveria de ser? O amor de sua vida, a sua paixão, a pessoa que mais ama no mundo ser sua irmã?

Isto para mim não faz sentido. Coincidência demais. Agora posso acreditar nas voltas cruéis que o destino dá e concordar que nada é por acaso. Acaso talvez nem exista. Só espero que minha florzinha possa superar isso também e viver em paz e quem sabe com um novo grande amor. Um amor verdadeiro. Depois de tudo acredito que isso é o mínimo que ela merece.

O que devo dizer a Edgar? Me dirijo à sala de estar onde todos estavam quando eu e Giulia chegamos, tomara que não tenham se retirado ainda, pois já está bem tarde. Ainda preciso dar um empurrãozinho para Giulia. Quando atravesso as portas duplas, constato que para minha sorte eterna Edgar ainda estava ali. Edgar e mais três pessoas. Respiro fundo, tentando manter meu autocontrole intacto. Ao percorrer o olhar pelo cômodo, pelas pessoas, pude reconhecer imediatamente a mulher que estava a um canto conversando com um homem — devo admitir que bonito —, Sofya.

Pigarreio a fim de chamar a atenção de Edgar que estava na mulher a sua frente para mim, mas infelizmente acabo chamando a atenção de todos. Dirijo meu olhar diretamente para a garota — Sofya — e uma raiva muito grande toma conta de mim, corroendo-me os ossos. Se não fosse por meu autocontrole, eu já teria voado no malditø pescoço dessa lacraia traidora que fez Giu sofrer por tanto tempo para no fim das contas descobrir que são irmãs. Certo, acalme-se. Sei quando devo manter minha postura para manter tudo de acordo com o planejado. Mas confesso que é tentador ter de ficar perto dessa egocêntrica e não fazer nada. Me aproximo de onde está Edgar, tentando manter minha expressão neutra.

— Boa noite! — digo como cumprimento enquanto faço uma reverência mais rápida que o normal, forçando um sorriso.

— Boa noite Alicia! — Edgar diz repousando o copo de algo semelhante a whisky na mesa de centro e sorrindo gentilmente.

— Bem o senhor já deve imaginar o que vim fazer como sempre — solto uma risada baixa, contida, mas falsa. — Vim me desculpar por Giulia. Ela não pôde comparecer esta noite por conta de alguns contra-tempos. Um jantar com um cliente que já havia sido adiado na semana passada. Ela acabou bebendo um pouco demais e se sente muito cansada. Então eu disse a ela para se banhar e descansar. Como sua responsável, venho esclarecer o ocorrido.

— Tudo bem Alicia — ele fala em um tom de dispensa pelas desculpas. — Diga a ela para descansar e não se preocupar com isto, sei como a agenda anda apertada por conta das negociações que ela está tentando fechar com a família de Melody.

— Certo — falo pronta para me retirar, virando-me em direção a porta.

— Espere Alicia! — Edgar exclama quando estou a meio caminho da saída. Mėrda. — Quero que você conheça os novos membros da família.

Que no caso só trouxeram tristeza a minha querida Giu. Reviro os olhos e me viro para ele novamente, me aproximando com um sorriso gentil tão falso quanto o rubor em minhas bochechas causado por beliscões antes de eu entrar nesta sala.

— Ah…claro! — respondo, parando no mesmo lugar de antes, bem acima do limite imaginário que eu havia demarcado ali. As mãos atrás do corpo.

— Esta é Vanessa, minha mulher — ele diz se referindo a mulher madura a seu lado. — Nessa, esta é Alicia, secretária, melhor amiga e digamos que responsável pela minha primogênita.

Vanessa se levanta, me abraçando.

— É um prazer conhecê-la — ela fala gentilmente com um sorriso caloroso no rosto. — Mas o que Edgar quis dizer com responsável por Giulia? — o futuro marido da mulher solta uma risada baixa, bebendo do copo.

— O prazer é todo meu — retribuo quando nos separamos. — Acredito que ele quis dizer que sou eu quem cuida de Giulia como uma babá quando ela se empanturra de trabalho e esquece da própria saúde e me certifico de não a deixar com a aparência de um zumbi ambulante.

— Devo agradecê-la de joelhos por isso — Edgar comenta num tom brincalhão. — Bom, os dois ao canto são Sofya e Bernardo. Minha filha e meu genro respectivamente.

A garota acena em reconhecimento me avaliando com desconfiança, olhos aguçados. A vontade de fazê-la engolir aquele olhar não faltou. Bernardo apenas sorriu, algo que retribui sem hesitar. Se a vadïa achasse ruim o problema seria totalmente dela. Dom para provocar não me falta.

— Irei preparar um lanche para Giulia para que ela possa dormir, com licença! — falo e Edgar acena em concordância, então me retiro.

Quando finalmente saio da sala, ando por um tempo em um corredor e paro, encostando-me na parede e soltando o ar aliviada. Pelo menos consegui manter minha postura e não voar no pescoço daquela lacraia. Pelo menos isso. Vou para a cozinha e preparo um lanche para Giu, enfim voltando ao quarto.

[ … ]

O plano estava formado e eu não me incomodo nem um pouco de ser a distração da manhã. Contando que isso ajude Giulia a não ter de olhar para a cara de Sofya e o namorado, para mim pouco importa o método ou o meu papel no plano. Importa que Giu ficaria bem e eu faria de tudo para isso. Minha amiga, minha irmã.

Dez horas da manhã e os novos membros da família Paliwal e Edgar tomavam café da manhã. Um a zero para a perspicácia minha e de Giulia juntas. Nosso plano sagaz foi muito bem formado ao descobrirmos que a família ainda dormia. Adentro a sala de jantar iluminada pelo sol da manhã já alto vestida em roupas formais que comumente uso na empresa, as mãos entrelaçadas na frente do corpo. Apenas ergo o queixo um pouco mais ao ver a garota me encarando.

— Bom dia Alicia — Edgar cantarola quando eu paro na outra ponta da mesa de frente para ele, sorrio.

— Bom dia senhor Edgar, espero que tenha tido uma ótima noite.

— A tempos que não tinha uma noite tão boa — ele responde olhando para Vanessa que sorri tímida enquanto o meu se alarga um pouco mais.

— Que bom.

— Sente-se Alicia e tome café conosco — Edgar diz indicando um na cadeira vazia ao lado de Sofya.

— Muito obrigada, mas já tomei café com Giulia.

— Não fará mal tomar outro, acho — Vanessa insiste.

— Muito obrigada mesmo, mas estou com pressa. Quando eu e Giu saímos o senhor ainda estava dormindo, acredito — me dirijo a Edgar — então preferimos não incomodá-lo.

— Giulia já foi para a empresa? — ele levanta as sobrancelhas com surpresa.

— Ah, sim — respondo deixando transparecer algo como desculpas no olhar e ele acena em dispensa. — Por causa do jantar inesperado de ontem acabou que alguns documentos ficaram sem ser lidos ou assinados. Bem — me endireito — mas não vim aqui para explicar isso. Giulia quer almoçar com o senhor novamente. A sós — acrescento ao Sofya erguer o olhar esperançosa. — Quer uma conversa particular e adiará o almoço de hoje outra vez para isso. Quer encontrá-lo por volta das uma da tarde no mesmo restaurante.

— Tudo bem. Esperarei por ela no horário marcado — Edgar diz com um pouco de seriedade e apenas faço uma pequena reverência com a cabeça.

Mentira. Mentira. Tudo mentira. Giulia não estava acordada nem a uma hora sequer. Sorrio comigo mesma. Enquanto eu entretia a todos naquela sala de jantar, Giulia atravessava a porta do fundos sem ser vista e então o jardim e me esperava em meu carro. O carro de Giu eu havia mandado que um homem de minha confiança levasse até a garagem da empresa, fazendo com que ao sair da mansão, os servos pensassem que era Giulia e não pudessem dizer que era mentira. Giulia havia saído logo de manhã.

Viro em um corredor em direção a entrada da mansão onde meu carro estava estacionado quando ouço passos apressados logo atrás de mim. Paro e me encosto na parede, cruzando os braços. Era imaginável que ela viria atrás de mim. Em segundos minhas suspeitas estavam confirmadas, Sofya parada a minha frente, os olhos fervilhando. Sorrio com deboche, arqueando uma sobrancelha.

— O que quer? — pergunto com indiferença em parte verdadeira.

— Quem é você para Giulia? —ela me envia da cabeça aos pés, voltado aos meus olhos.

— Prazer, Alicia. Secretária, melhor amiga e como seu pai disse, responsável — respondo com deboche.

— É mais que isso — Sofya sibila. — É uma namoradinha secreta, não é? — indaga semicerrando os olhos.

Solto uma risada e volto a encará-la.

— Seria uma honra, mas não. A diferença é que se eu fosse eu não teria quebrado minha promessa.

— Mentirosa! Ela quebrou primeiro ao estar contigo — acusa.

— Acredite se quiser — dou de ombros. — Giu é como uma irmã para mim e nós duas sabemos disso e isso é o bastante. Ao menos não sou eu quem estou agindo como uma criança inconformada e se depender mesmo de mim você nunca mais se aproximará dela de novo para machucá-la Sofya.

— Você não sabe o que está falando — ela retruca entre dentes.

— Ah, sei sim querida — me desencosto da parede e me aproximo dela, nossos rostos a menos de um palmo. — Sei porque fui eu quem vi Giulia sofrer por quatro anos seguidos e fui eu quem estive lá para apoiá-la. Se ela não quiser ver você, farei o possível e o impossível para fazer sua vontade. Negar que Giu esteve com outras pessoas? Não, não vou. Quatro anos não é? — sorrio. — Mas diferente de você, foi só diversão. Mas pensando bem — me afasto, de costas para o corredor o qual seguiria — talvez agora ela veja que não valeu a pena e assuma a pessoa com quem está de vez.

Sem esperar resposta, me viro de costas para Sofya, seguindo pelo corredor. Quando finalmente saio da mansão e entro no carro e encontro uma Giulia entediada de tanto esperar, com um olhar para minha amiga, resolvo que aquele não seria o momento adequado para revelar a conversa que tive com Sofya.

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