|•Capítulo 11•|

Gatilho: este capítulo pode conter cenas de violência física e/ou mental e inapropiações para menores de idade.

..."Tentar fugir de fatos ao invés de os encarar somente trará mais dor e sofrimento a todos, mesmo que estes mesmos fatos sejam difíceis para você."...

Já devem ser cerca de seis horas da tarde. Estou no meu escritório olhando algumas coisas pelo notebook — somente trabalho e mais trabalho. Acredito que hoje não vai dar para eu ir para casa mais cedo como meu pai deseja, terei de deixar isto para outro dia. Não sei como devo me sentir quando se trata de uma "nova família". É estranha a perspectiva de ter outra mulher no lugar por tanto tempo ocupado por minha mãe e ainda mais: a abertura de uma vaga de irmã mais nova de supetão. Sequer eu poderia imaginar uma coisa dessas.

Será mesmo que estou preparada para uma mudança tão grande quanto essa? Será que vale a pena tentar consertar o passado como meu pai quer fazer? Mas e se…e se no final das contas não der certo, se somente trazer mais dor e sofrimento? Já superei as dores do passado, mas viver uma réplica disso tudo uma segunda vez? Avassalador. Repentinamente, sinto o celular vibrar acima da mesa me tirando de meus devaneios. Pego o mesmo e olho o que é.

...|•Mensagem on•|...

— Filha, as duas já chegaram em casa. Espero que você possa vir logo. Daqui a pouco mandarei uma foto nossa para você. 😉😘

^^^Fico feliz por você pai. Tentarei terminar meu trabalho, mas talvez eu ainda assim chegue tarde em casa hoje. Vai depender da agenda que Alicia programou, não tenho certeza se ainda tenho um jantar de negócios marcado esta noite.^^^

^^^Estou esperando pela foto! 🤓^^^

^^^Se divirta ~^^^

— Tudo bem filha, se não der para vir hoje, deixaremos para outra hora. Já já te mando a foto.

...|•Mensagem off•|...

Uma foto das duas — minha futura madrasta e minha irmã. Quer dizer que elas já chegaram. Suspiro, voltando-me para uma pilha de papéis. O silêncio não dura muito tempo como desejado. Somente alguns minutos depois o celular vibra novamente e lá estava a foto de duas mulheres ao lado de meu pai e mais um homem ao lado de uma delas. Quem é esse outro cara?! Edgar não me falou nada sobre haver um homem no meio de toda essa…bagunça.

Abro a imagem para poder ver mais de perto e…não posso acreditar no que estou vendo. Não, não é possível! Deve ser uma alucinação das fortes, estou ficando louca! Ali estava Sofya, sua mãe, meu pai e um cara que desconheço…não, espera! O conheço sim, como poderia me esquecer? É o cara do restaurante, aquele garçom que ficou encarando Sofya no dia em que ela me contou sobre o que Edgar havia feito. C-como assim Sofya minha irmã? Não, não, não pode ser! Isso não pode estar acontecendo. Só posso estar vendo demais, deve haver algum engano! Meus olhos ardem, estão marejados, eu não sei o que faço, estou confusa…confusa até demais. Como pode isso? A mulher que eu amo ser minha irmã?

Alucinação e pesadelo e…e…dor. Devastação.

Me levanto da cadeira, os olhos embaçados de lágrimas e taco o celular na parede somente ouvindo o barulho estrondoso na sala silenciosa. Por sorte — ou talvez azar — Alicia não está aqui, com certeza está em alguma outra área do edifício supervisionando o trabalho. Melhor assim. Como isso pôde acontecer? Sofya?! Não, eu não estou entendendo. Nada agora faz sentido. Pego minha bolsa, a chave de meu carro e sigo em direção a porta, mas antes que eu a alcance, ela se abre, revelando uma esguia mulher de cabelos longos e dourados. Não, não, não! Agora não! Beatriz. Cara, essa mulher é uma mäldição só pode. Paro onde estou enquanto a loira fecha a porta por trás de si.

— Giu! — ela cantarola sorrindo, mas parando subitamente. Mäldição de mulher! — Você está bem querida?

Respiro fundo. Certo, mantenha a calma Giulia, mantenha a calma! Beatriz se aproxima tentando entrelaçar os braços em volta de meu pescoço para beijar-me, me desvencilho.

— O que foi Giulia? — há uma leve irritação na voz. E o que eu tenho com isso?

— Nada Beatriz, apenas tenho mais o que fazer, pode me dar licença? — falo tentando passar pela barreira que o corpo da loira forma em meu caminho.

— Pelo que sei de sua agenda de hoje, nesse horário você permanece no escritório Giu…

— E se eu não quiser ficar no escritório? — arqueio uma sobrancelha. — O que você tem com isso?

— O que você tem querida? — ela fala cruzando os braços e me olhando de cima a baixo. — Está se comportando de forma estranha…

— Primeiro Beatriz, não me chame de querida, está me dando repulsa — começo abrindo e fechando a mão em punho, na tentativa de controlar a ansiedade. — Segundo, cuide de sua vida e me deixe em paz e terceiro estou saindo e não se atreva a me seguir, não estou com paciência para nada agora — finalmente consigo passar por ela e sigo para a porta, abrindo-a. — Me deixe em paz e passe a cuidar de sua vida e se não souber, aprenda — bato a porta por trás de mim deixando Beatriz do lado de dentro da sala e sigo enfim para o elevador.

Quando chego à garagem saio em rumo ignorado com o carro pela cidade em alta velocidade como sempre, isso me relaxa, desestressa um pouco. Depois de longos minutos dirigindo, paro no primeiro lugar que encontro e que espero que possa me confortar — uma boate é capaz de confortar alguém? Não importa — eu preciso esquecer isto. Esquecer tudo se possível. Adentro a boate — sei que está cedo ainda, não há quase ninguém, mas quer saber? Que se føda!

Noite adentro encho a cara até não saber mais meu nome. Não estou por mim. Meu corpo me controla como se eu fosse um mero fantoche. Eu não consigo controlar-me, quer dizer, talvez seja a bebida que esteja me controlando — ou as drøgas que ousei aceitar pela primeira vez na minha vida sem limite nenhum — mas não estou bem aí, me fazendo esquecer é o que basta, pode vir qualquer coisa. Drøgas, bebida, curtição, sexø. Tudo que se pode me imaginar.

Sim, resolvi dar uma de louca hoje — posso entender meu pai agora pelo que ele fez quatro anos atrás — , pouca importa se for parar nos jornais, nas notícias mais quentes dos tópicos. Estou føda-se para a vida neste exato momento. Se Sofya está a curtir com seu novo amor, por que eu não poderia curtir também? Com uma pitada de desejo, uma pitada de loucura… "A nova CEO do maior grupo e família mais rica do mundo é vista bêbada e drøgada em uma boate afastada de Nova York". Seria uma notícia legal, não?

Eu me sinto feliz, com o coração despedaçado. Colérico, atordoado. Dilacerado em mil e um pedaços, sangrando. Isto é normal? Pois se não for, que continue a ser estranho, não estou nem aí. O que vão achar de mim pouco me importa agora. Só me deixem esquecer…esquecer aquele amor que um dia tive, que um dia foi recíproco e hoje não passa de esquecido e superado por uma das partes. Não passa de migalhas. Sim, sim, todos temos agruras, seja no amor, na família e até em nós mesmos. Mas elas acabam conosco quando atingem um certo ponto, quando cruzam a linha de chegada final e dói…dói demais, chega a ser insuportável. E talvez a bebida seja um remédio temporário para isto.

Pelo menos agora posso curtir e esquecer, mas sei que depois a conta vai chegar e que não vai ter adiantado de nada tudo isso, que vou ter de encarar os fatos uma hora ou outra, mas ainda sim pode ser em outro momento. Bem, se sou alcoólatra? Não, não! Eu só bebo para esquecer, só bebo quando me sinto vulnerável, quando estou cansada do mundo e da vida e de mim mesma. Ela me faz sorrir temporariamente, mesmo que depois suas consequências sejam horríveis porém são suportáveis.

Não me julguem, eu sou assim, esta sou eu. Nos momentos mais difíceis tento fugir do mundo e de sua realidade, mas eu sou humana como todos, vulnerável assim como você e também tenho sentimentos. Então apenas por enquanto, não me julguem por tal fato, se você já amou e o perdeu em um estalar de dedos. Se você entende como isso dói, não, não me julgue por agora.

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