Sonhos Roubados

Eu já tinha meus 18 anos, eu ainda não havia vivido nada de especial, eu me sentia presa, eu sentia que era o tempo todo vigiada, supervisionada seja pelos meus pais e pelo meu patrão no lugar onde eu trabalhava, era vigiada, controlada, aprisionada. Eu não me sentia realizada nem muito satisfeita com quase nada, eu não podia estudar porque precisava trabalhar para não passar fome em casa, eu não podia comprar roupas novas, não podia passear, conhecer pessoas,eu não podia fazer absolutamente nada, eu era só uma garota pobre, amargurada e infeliz. Tinha idade para começar a viver, mas não havia o mínimo de possibilidade, não tinha tempo para lazer, não podia gastar meu dinheiro comigo mesma, tinha o sonho de entrar para faculdade, porém não tinha apoio nem estrutura familiar que me desse a oportunidade de realizar o sonho de estudar.

Conheci Rony em uma rede social, ele era bonito, me tratava bem, e eu comecei a gostar dele, a gente ficava horas conversando, mas não tinhamos nada em comum, ele não era o meu tipo, eu sonhava em conhecer um homem inteligente, intelectual, nerd, fofo, mas ele era o contrário de tudo isso, rockeiro, largado, cabelo comprido estilo Nirvana, nenhum pouco gentil, tratava as pessoas de forma rude, parecia ser do tipo machão. Ele era literalmente o contrário do que eu definia como o meu tipo ideal, ele tinha o perfil de cara malvado, bad boy. O nosso primeiro encontro não foi nada de especial, eu me encontrei com Rony em uma praça pública, ele me pagou um sorvete de casquinha sabor misto, a gente ficou conversando, nos abraçamos, nos beijamos e ele logo me disse que estava afim de ter relacionamento sério, ele já estava com seus 26 anos e queria sossegar, queria se casar, eu insisti em dizer que eu ainda estava muito nova para pensar em relacionamento e que eu gostaria de me aventurar, eu queria descobrir o mundo, queria desvendar a vida.

Algum tempo depois eu passei a mentir em casa para me encontrar com Rony, sempre nos encontramos em um barzinho, eu tomava coca cola e ele bebia a noite toda, bebia muito e fumava também enquanto eu ficava tomando refrigerante. Nós éramos o oposto um do outro, não tinha nada em comum, a gente não parecia se encaixar, mas eu havia sido tão profundamente magoada no passado, eu havia sido aprisionada, eu não tinha outra escolha, não conhecia outra possibilidade, não havia vivido nada, então quando chegou até mim a possibilidade de viver, de sair, de me relacionar com alguém, eu aceitei,aceitei o frio, o mínimo, o pouco, porque eu não conhecia qualidades em mim, eu não sabia que existia potencial em mim, eu não conhecia o amor, eu nunca havia tido atenção, carinho, ninguém nunca havia me valorizado, então eu aceitei namorar escondido com um cara desempregado que era sustentado pela mãe, eu aceitei transar com ele acreditando que ali havia amor, eu aceitei me entregar para um cara que não tinha terminado o ensino médio, um cara que se entupia de cocaína, bebia todos os dias e só me levava pra sentar com ele na mesa do bar, eu era uma garotinha que não conhecia nada da vida, e eu não sabia onde estava me metendo, eu não sabia como isso iria transformar para sempre a minha vida!

Rony era ciumento, machista, e começou apagar meu brilho, ele mandava na forma de me vestir,me fazia sentir burra e sem potencial, ele me fez ficar contra a minha família inteira, me afastou do mundo real e fez que ele se tornasse o centro do mundo, eu passei a ajudar ele com dinheiro, ele nunca conseguia arrumar um emprego, então eu passei a pagar a diária dele na República onde morava, eu comecei a me sentir sobrecarregada, esgotada e comecei a ficar desleixada, parei de me arrumar e me sentir bonita, eu me sentia inferior, me sentia frustrada, mas ao mesmo tempo eu sentia que era responsável por Rony, eu sentia que tinha que ajudar ele financeiramente e emocionante ele dependia da minha ajuda, eu me sentia péssima, parece que eu nunca seria feliz de verdade. Naquele mesmo ano Rony decidiu se mudar para São Paulo, ele prometeu que assim que conseguisse emprego ele voltaria para me buscar, eu confiei, sofri muito com sua partida, os meses foram passando e ele sempre precisava de dinheiro, dia após dia eu enviava meu salário quase inteiro para ele.

Um dia me encontrei com um amigo e ele me perguntou sobre Rony, eu disse que ele estava bem e que logo eu iria ficar com ele em São Paulo, então propositalmente este amigo me mostrou que Rony havia criado uma conta de casal junto com uma garota de 17 anos, ele estava namorando, eu vi as fotos, eu vi eles juntos, naquele dia eu estava voltando para casa depois do trabalho, eu juro, quase não consegui chegar em casa, meu coração acelerou, ouvi meus ouvidos fazerem um zunido profundo, minha respiração ficou difícil, meus olhos encharcados, visão turva, pernas bambas, pensei que fosse ter um infarto, minha garganta doía, meu peito doía, assim que cheguei em casa eu entrei no chuveiro frio, era noite, era inverno, estava frio, estava congelante, eu molhei o corpo todo, da cabeça ao pés com água fria, eu queria aliviar a tensão, queria escapar, queria fugir, eu queria me livrar da dor da traição!

Lâminas, voltei a me cortar, eu voltei a ser infeliz, na realidade eu só estava adormecida, e agora havia voltado a enfrentar os problemas, voltei encarar a realidade ao invés de fingir estar tudo bem, ao invés de tentar fugir, eu estava enfrentando tudo de novo, mais uma vez me sentia sozinha, me sentia injustiçada, abandonada, trocada.

Rony demonstrou ser cauteloso, ele mantinha dois relacionamentos, ele namorava nós duas, ele era dissimulado, ele havia partido meu coração em pedacinhos. Decidi falar a real, eu o confrontei e disse para escolher entre eu ou ela, então ele decidiu voltar, mas com uma condição, a gente iria morar juntos.

Eu paguei a passagem de Rony, naquele dia eu dei uma faxina em casa, fiz compras, me arrumei, escolhi uma roupa especial para o encontrar na rodoviária, eu estava muito feliz por ele ter escolhido ficar comigo, por ele me amar.

Quando finalmente chegou o momento de ir encontrar Rony na rodoviária eu senti um leve arrependimento, me senti enjoada, me senti menosprezada, Rony estava fedido, embriagado, poxa, eu havia me arrumado, eu vesti a melhor roupa, eu preparei um jantar, e eu estava novamente frustrada, decepcionada, eu tentei abraçar Rony, tentei conversar, mas ele cochilou no táxi e eu fiquei segurando o peso do seu corpo e quando chegamos em casa eu carreguei o peso das bagagens, Rony você foi um estúpido comigo, e eu era uma imbecil ! Eu era uma idiota, apaixonada por um lixo como você !

Eu mudei minha personalidade, eu vivia para agradar Rony, eu queria ser aceita, queria ser amada, eu o idolatrava, fazia tudo para agradar a ele, eu deixei de viver para mim, eu tive cada pedacinho meu destruído, tive meus sonhos roubados, eu não conseguiria mais ser quem eu gostaria de me tornar quando tivesse maior idade, eu não estava mais perto de ser livre, eu estava a ponto de me casar e destruir pra sempre os meus planos e sonhos.

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