Deveria contar tudo em ordem, começar pela infância, adolescência e por fim a vida adulta, mas não, estou passando por um processo de cura, um momento de reflexão, tem muitos detalhes para mencionar, tem muita história para contar, eu vou enfatizar que comecei a notar que sempre, desde o início tive problemas com pessoas que me apaixono, eu passo a mudar a minha personalidade, talvez por isso nunca dei certo com ninguém, primeiro o homem mais velho, cujo nome não irei citar, não gosto nem de me lembrar daquele verme, ele era fã de cosplay, era gamer, eu passei a querer agradar ele na época, eu fazia de tudo com medo da rejeição, eu mudei até o cabelo porque ele disse que gostava de cabelo colorido, eu mudei tantas vezes minha personalidade, todas as vezes que estava apaixonada, eu me envolvia, eu me entregava, me doava, dava o sangue, eu fazia tudo o que podia por medo de ser abandonada, porque eu queria ser aceita, queria que a outra pessoa fosse tão intensa quanto eu, queria ser correspondida e sofria muito quando era ignorada, rejeitada, trocada, abandonada.
Quando estava com 17 anos comecei a trabalhar meio período, fazia curso, estudava a noite, minha vida era produtiva, eu ouvia música, eu tinha um cachorro, eu assistia filmes, apesar da vida insalubre, de toda vulnerabilidade, eu estava tendo progresso na vida, mas não sentia autoestima, não sentia confiança, eu me sentia amargurada ainda, eu só não estava mais tendo tanto tempo disponível para facilitar para minhas vozes virem me tirar o sossego, somente a noite antes de dormir eu tinha excesso de pensamentos, culpa, rejeição, vazio, o medo, a vergonha de não estar conseguindo seguir as coisas da forma que alinhava dentro da minha cabeça, então passei a ter sonhos, foi nesta época que passei a sonhar que eu estava fugindo, sempre correndo, eu corria na avenida próxima da casa onde fui criada pela minha vó maior parte do tempo na minha infância, e até hoje tenho estes mesmos sonhos, eu corro, fujo do meu pai, me escondendo em meio as gramas altas do pasto, e vou em direção a montanha, no sonho eu começo a escalar a montanha, me escondendo do meu pai, vez ou outra sonho que sou criança, e estou andando em cima dos telhados da casa onde morei na infância, eu fico em cima do telhado enquanto vejo meu pai me procurando, então eu corro, e vou pra muito longe.
Finalmente meus 18 anos, eu poderia enfatizar sobre a formatura da escola, mas não foi nada interessante, eu estava bonita, mas não participei da festa, fui somente pegar o diploma, vestido preto, sandália azul, bem maquiada, eu estava bonita, não tinha amigos na escola, queria ir comemorar em uma pizzaria com minha mãe e irmãos, mas minha vó decidiu por mim que era melhor "não gastar dinheiro atoa", então comemos cachorro quente em uma barraquinha barata, e fui para casa, me sentindo péssima, me sentindo nenhum pouco especial, queria ter outra vida, eu era muito infeliz, algumas coisas aconteciam e me faziam sair do meu alinhamento de paz interior, eu me sentia injustiçada,e quando vinham o peso dos pensamentos eu me dava punição, castigava a mim mesma, sentia o abalo emocional a flor da pele, então eu puxava e arrancava muitos fios de cabelo, batia a cabeça contra a parede, me mordia, e quando não era suficiente eu mutilava o corpo com a ajuda de uma lâmina.
Eu sonhava em ser aceita, em ter uma vida saudável, construtiva, me esforçava para ser intelectual, gostaria de tentar fazer as coisas darem certo e ter sucesso na vida, passei a dedicar meu tempo nas horas vagas em estudos, lia muito, praticava muito o português e matemática, queria passar no vestibular e entrar para faculdade; logo tive a oportunidade de me matricular no curso de magistério, era muito longe da minha casa, havia terminado meu contato de trabalho e por mais que eu entregasse currículo infelizmente não conseguia encontrar um emprego, mesmo diante da dificuldade eu ia e voltava caminhando a pé para o curso, eram duas horas de caminhada, duas horas para ir e duas para voltar, eu sentia que estava vencendo o desafio, apesar de ser pobre, ter dificuldade com roupa, alimento e transporte, apesar de tudo isso, eu ainda tinha coragem, eu era valente, e segui em frente rumo ao meu sonho, mas não concluí o curso, faltava muito pouco, mas fui chamada para trabalhar, e vendo a situação precária na minha casa, preferi abandonar meu sonho de estudar e me formar para ir trabalhar, tinha irmãos mais novos e estavam passando fome em casa, então eu comecei a trabalhar, eu só gostaria de ter tido oportunidades na vida, muitas coisas poderiam ter sido evitadas se eu tivesse tido uma educação melhor, um lar melhor planejado, melhor estruturado, se tivesse tido apoio familiar, se meus pais fossem menos preconceituosos, menos controladores, se tivessem sido mais liberais, se eu tivesse vivido mais, se tivesse ido passear, feito amigos, conhecido lugares, se eu por algum momento tivesse sido mais feliz na adolescência e infância, talvez eu tivesse tido sucesso na vida, talvez eu estivesse vivendo e não sobrevivendo como faço hoje, as coisas poderiam ter tido outro rumo, tudo pudia ter sido melhor, tudo seria diferente.
Ninguém pode dizer que eu não fui esforçada, porque eu realmente era muito esforçada, trabalhava, comprava coisas para casa, pensava sempre no bem estar dos meus irmãos do que em mim mesma, deixei meu sonho de lado, deixei de ser quem eu realmente gostaria de me tornar, eu era só uma operadora de caixa em um supermercado, eu vivia, mas eu não existia, minha vida não fazia sentido, eu era como uma máquina, trabalho, trabalho e mais trabalho, lazer nunca existiu, não tinha tempo, não tinha escolha, eu sofria calada, sofria em silêncio, eu invejava as garotas que estudaram comigo, eu via elas se formando e conseguindo bons empregos, eu invejava porque nunca tive aquilo, porque as oportunidades são injusta, a vida não é fácil para todos, a educação e o ensino não é algo que está ao alcance de todos, eu iria ser só mais uma pessoa sem formação superior, seria só mais uma empregada, seria só uma pessoa invisível nesse mundo enorme, eu não estaria fazendo o que eu tanto sonhei desde criança, ali havia acabado o sonho de me tornar professora, eu não seria importante, eu não seria eu.
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Atualizado até capítulo 27
Comments
Imaculada Abreu
tentando entender
2023-06-26
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