Pedaços

Eu estava em crise total, o meu mundo era cinza, era em preto e branco, eu me odiava, eu odiava minha vida, minha casa, meus pais, eu odiava minha irmã, eu era infeliz e incompleta.

Quando estava com 16 anos conheci o amor fraterno e verdadeiro, Laima, uma vira lata pretinha, linda, abanava o rabinho quando estava feliz, desenvolvi com ela uma relação de amor e amizade verdadeira, na época eu comecei voltar a desenhar, fazia desenhos expressando tudo o que sentia, as amarguras estavam amenizando, eu também aprendi a controlar minha mente, eu descobri que podia fingir que estava tudo bem, podia criar uma outra personalidade, podia fingir viver a vida de outra pessoa, podia deixar de ser quem eu era.

Eu acreditava nessas fantasias inventadas dentro da minha cabeça, era difícil me comunicar com alguém, eu ficava o tempo todo calada, o meu dia era ir na escola, ficar em casa e deixar tudo limpo e impecável, então eu me dedicava em desenhar, e ficar com a Laima, a gente se deitava no quintal para tomar sol, ela era minha companhia perfeita.

Demorou muitos meses para começar a juntar meus pedaços, demorei muito para conseguir conversar sem ficar com a voz trêmula e mãos suando, demorei a conseguir me socializar, eu era a esquisita da escola, eu era a filha imperfeita, eu me sentia rejeitada, eu me odiava, até que comecei a ter um sentimento bom novamente, a cadelinha me trouxe sentimentos agradáveis e eu fui me curando aos poucos. Os meses foram passando e logo comecei novamente a me encarar no espelho, eu conseguia me concentrar, eu conseguia perceber o som, os movimentos, eu comecei a me sentir viva de novo, e passei a ler bastante nessa época, o meu livro favorito era O Colecionador, minha série favorita The Walking Dead, meu filme favorito Dorm o Espírito, meu anime predileto eu diria Kobato, meu dorama na época era Koizora o Céu do Amor, eu nem acredito que estou conseguindo me lembrar de tantas coisas, eu realmente estou ficando velha, o tempo passa rápido demais, e eu passei a me perceber, passei a notar os meus próprios detalhes, o quanto eu sou importante, o quanto eu sou interessante, o quanto sou e fui forte, verdadeiramente intensa.

A Laima teve filhotes e eu adotei a Lisana, a batizei com este nome por causa da Fary Tail que eu adorava naquela época, Laima morreu atropelada no ano novo, a Lisana era minha companhia, era tudo para mim, eu ainda a amo, ela morreu ainda filhote, ela tomou uma vacina de filhote e no outro dia amanheceu morta.

Meu mundo começa a desmoronar novamente, no dia que a Laima faleceu, eu chorei muito, eu fiquei dias sem me alimentar, eu ficava olhando as fotos, eu sentia falta dela, e ficava olhando pro céu conversando porque eu acreditava que de alguma maneira ela ainda estivesse ali, eu podia sentir, me apeguei mais ainda na Lisana, mas assim que ela morreu eu tive meu primeiro surto depois de muito tempo. Eu chorava, gritava, quebrei pratos e copos, eu me recordo do meu padrasto me segurando porque eu estava tentando ressuscitar a minha filhote, eu estava desesperada, inconformada, e mais uma vez ninguém me entendia, eu me sentia injustiçada, a vida parecia frágil, injusta e imperfeita.

Após ter destruído a casa da minha mãe em um surto, ela me devolveu ao meu pai.

Morando na casa do meu pai eu passei a me mutilar novamente, eu fazia isso todas as noites porque eu odiava a noite, eu odiava a hora de dormir porque era quando meus pensamentos vinham me assombrar, todos os dias antes de dormir eu chorava, soluçava e ninguém podia me ajudar, ninguém podia me ouvir, eu só tinha lembranças dentro de mim, eu estava aprisionada dentro do meu corpo e queria fugir de mim mesma, foi quando a mutilação apenas não estava me ajudando mais, então eu dava socos em meu rosto e batia a cabeça contra a parede porque a dor desviava a minha atenção, eu conseguia fugir da voz do meu pensamento, tinha uma voz que me dizia palavras doloridas, como "você não é ninguém", "eu não te amo e nem ninguém te ama e nunca vai amar", "você é feia", "fraca", "meu maior desgosto", "seja igual suas irmãs". Era a minha sentença, eu estava cumprindo prisão perpétua em vida, eu estava aprisionada dentro de mim, mergulhando em águas amargas e profundas no meu subconsciente.

Uma pessoa que foi muito importante para o meu processo, foi o Jhon, um amigo gay, ele era mais velho que eu, mais velho que meus pais, amigo da minha mãe e padastro, ele era muito legal, rockeiro, mente aberta, um estilo hippie, ele começou a me emprestar filmes, cds, eu comecei a gostar do estilo, mas não deixei de ser delicada, otome, eu apenas comecei a me interessar por música. Quase toda semana eu ia na casa do Jhon devolver dvds e pegar novos, ele me emprestou um filme que nunca vou me esquecer, ele se chama Assombração, eu achei esse filme fantástico, ele conta sobre o nosso mundo e tudo que é descartado vai para um outro mundo, o mundo do lixo, do descarte, da rejeição, coisas que não damos valor e descartamos mas que possivelmente poderíamos ter dado algum significado, ter dado devida importância, tanto para objetos quanto para com as pessoas.

Bom se for para adotar uma trilha sonora, eu me recordo de ter ouvido muito Paramore -Brand New Eyes.

Eu chorava muito, meus gritos eram sufocados em meu travesseiro, todas as noites, ia dormir chorando, me sentia em pedaços, só conseguia adormecer após me sentir exausta de tanto chorar, de tanto sofrer.

Morder os braços era a opção mais rápida quando surgiam pensamentos vívidos e vozes, era menos doloroso sentir dor machucando a mim mesma do que sendo torturada pela minha mente.

Ainda me lembro o dia que assisti ao dvd que Jhon me emprestou, Dorm O Espírito, este é até hoje o meu filme predileto, ele me trás sentimentos bons, ele se parecia comigo, o filme conta sobre um garoto que estava tendo problemas em casa e tinha dificuldade para conviver com o pai, então o pai o manda para um internato onde ele faz amizade com um garoto diferente, mas seu único e melhor amigo é o espírito de um garoto do internato que havia morrido afogado,ou seja, seu único e melhor amigo era um garoto morto, em resumo este filme é belíssimo. Vocês devem ter notado que todos os filmes que citei são orientais, até hoje tenho este costume de sempre procurar por filmes, japonês, chinês, tailandês, coreanos são meus favoritos, eu sou assim, essa sou eu, demorei 24 anos para começar a desvendar a mim mesma, mas ainda bem que deu tempo, ainda estou vivendo para continuar está história.

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Comments

Imaculada Abreu

Imaculada Abreu

Muito estranha, vamos ver

2023-06-26

0

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