XX- Minha versão

P.O.V Alex

Eu não julgo meu trabalho como perigoso, talvez seja cansativo, estressante, burocrático e até um pouco enigmático, às vezes nem sei o que estou fazendo mas tenho que escrever um longo relatório sobre o que alguém fez e eu nem fiquei sabendo.

Essa madrugada eu tive que descobrir para onde foi um conjunto de munições, depois de constatar o trajeto tomado escrever um relatório sobre o desvio e a finalidade, minuciosamente para que não haja interpretação ou duplo sentido, racional, direto ao ponto, o que também significa que escrevi e reescrevi tantas vezes que só consegui terminar depois que o sol apareceu.

Apesar de já estar acostumado a virar noites sem dormir, eu poderia socar o primeiro imbecil que cruzasse meu caminho, se for “bom dia” ganhará um soco, se for uma ofensa vai ser uma bala, mas aí seria outra papelada para preencher. Chego a conclusão que é melhor ignorar os seres humanos e seguir meu caminho. O que a psicologia diz sobre isso eu não sei, mas caminhar pelas ruas e ver pessoas sorrindo me dava um sentimento de raiva, sigo olhando meus pés. Passos bem espaçados, ritmo controlado, primeiro um, depois o outro, desvia de um obstáculo, continua andando pisa no chão listrado e que o mundo se exploda, elevador porque estou exausto demais para pegar uma escada, continua caminhando e enfim a porta surrada de madeira com o número 411 que se encontrava aberta para qualquer um entrar, todo o esforço de ignorar os seres humanos caem no chão.

-Fica mais bonito assim!-A moça que mesmo de costas me era tão familiar fala após colocar o cabelo do Aaron todo para cima, um caos que não combinava com a imagem certinha do meu irmão.

-Como queira…-Fala como se tivesse outra escolha a não ser aceitar o que fizessem com ele.

Observo atentamente enquanto ela se vira para a bolsa sobre o sofá, o cabelo acompanhava cada movimento com bastante liberdade e resposta ao modo exagerado de empolgação, ela continuava magra, mas tinha ganhado muitas curvas, coisa que não deixaria de notar. O adolescente que eu era estaria muito orgulhoso da conquista, uma pena que o homem que sou não vai poder firmar a teoria.

-Então vamos?-Pergunta depois de um esforço para levantar a bolsa.

-Não.- Falo e finalmente notam minha presença. -O que você faz aqui?- Taís se vira em minha direção, primeiro com um olhar de surpresa, posso dizer que o segundo foi uma análise como eu mesmo havia feito com ela (e modéstia que se dane) ela deve ter gostado do que viu, e por fim seus olhos se cerram em… raiva? Pessoalmente ela havia se tornado uma mulher mais bonita do que eu me lembrava das fotos.

-Minha mãe pediu para eu buscar o Aaron já que você passou a noite fora.

No trabalho 2% é ação e o resto é burocracia administrativa, não é como se eu quisesse ter passado a noite fora, fui obrigado e ainda alertei Alex de que a viagem era a trabalho e não um passeio de turistas numa cidade.

-Mas eu disse que eu iria levá-lo, não pedi para buscarem ele aqui.- Rebato lutando para manter a minha sobriedade

-A Maria estava com pressa para ir para casa olhar o neto dela e não sabíamos que horas você ia chegar.- Aaron explica.- A Tia Paula acabou ligando na hora e disse que viria me buscar.

zum, zum, zum… escuto.

-Então vamos Aaron?- Taís fala como se eu não estivesse ali.

Eu sei que Paula é como alguém da família mas é muita petulância passar por cima da minha autoridade como responsável do meu irmão, se eu disse que ia levá-lo então levá-lo é responsabilidade minha.

-Eu disse não!- Reforço com a entonação na voz como faço com meus subordinados- Você por acaso deixou a Maria recolher sua urina, escovar seus dentes e te dar banho Aaron? Vejo meu irmão vacilar tentando responder- Ou espera que uma mulher faça tudo isso quando você chegar na casa dela?

Talvez constrangimento seja o preço por ser tão bonzinho com as pessoas.

-Você é um covarde, sabia?- Taís fala nervosa e eu não entendo o motivo se ela não tinha nada haver com o assunto.- Precisa falar desse jeito? E se minha mãe fizesse isso tudo? Se esqueceu que ela já ficou com o Aaron por muitas vezes ou tem amnésia?

-Eu não falei com você…- Pirralha! Acrescento em meus pensamentos.

- Se o Aaron não gosta de ser cuidado por uma mulher estranha é problema só dele, mas nós não somos estranhas e você é o estranho- Sinto minha defesa natural ser ativada para o que viria. - ...imbecil que vivia fora de casa e que sumiu de vez nos últimos cinco anos e aparece agora achando que conhece seu irmão bem o suficiente para não saber que ele é acostumado com minha mãe.

Tinha que concordar em partes, mas ela não sabe nem metade do que eu vivi. Alguém precisava urgentemente colocar essa mulher no seu lugar. Aperto meus biceps até meus dedos ficarem brancos e enfim descruzo os braços aliviando a tensão. Era eu ou ela.

-Eu disse que não falei com você e muito menos quero a opinião de uma mimadinha que se mete onde não é chamada e não sabe sobre o que fala. - Me lembro da conversa com Thiago.- Agora para eu está claro o porque seu noivo não querer mais casar com você!

Uma mulher que não sabe refrear a língua e se mete em assuntos que não lhe diz respeito.

- CALA A BOCA!- Seus lábios começam a tremer.- É você que não sabe sobre o que fala, e nunca mais mencione meu noivado ou qualquer coisa da minha vida pessoal porque eu não te dei essa liberdade!

As lágrimas caem livremente pelo seu rosto, eu tenho vontade de socar o imbecil que fez isso com ela, mas minha vida já tinha inferno o suficiente para compensar.

Também queria socar seu suposto ex-noivo. Um soco para mim, dois para ele.

-Vai embora e avisa a Paula que nós não vamos passar esse final de semana na casa dela.- Falo para encerrar o assunto.

-Vão sim!- Taís fala e bate o pé como fazia quando era mais nova. Funga e sacode o rosto espantando as lágrimas - Eu falei com minha mãe que estava vindo buscar o Aaron então eu vou levar o Aaron!- Finalmente ela consegue se ajeitar com as coisas e limpa as lágrimas com o dorso da mão.

Teimosa.

Quatro socos em mim não seria o suficiente.

-Se você não quiser ir o problema é seu, mas o Aaron vai!- Concluiu com a mesma teimosia e eu não tinha coragem de negar nada olhando em seus olhos..

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