Capítulo 2

O sofá na sala teria que servir. Carlos não colocaria aquele homem ensanguentado em sua cama; o sofá de couro seria mais fácil de limpar. Não foi fácil apoiá-lo até ali e em nenhum momento ele soltou a arma de sua mão.

— Deite-se, vou pegar todas as coisas necessárias para cuidar de sua ferida.

Como alguém que desejava ter as coisas sob controle, Carlos tinha tudo do que iria precisar em sua casa, desde anestesia até bolsa de sangue. Suas medidas preventivas eram taxadas como paranoicas, mas naquele momento, só confirmou que estava certo em ter tudo isso em sua casa.

Carlos trouxe tudo que precisava, tirou algumas coisas do caminho e forrou um plástico próximo ao sofá, caso respingasse sangue do ferido no chão. Esterilizou tudo e começou.

— Vou abrir sua camisa, tente não se mexer mais a partir de agora.

O homem fez um movimento com os olhos, como em confirmação. Ele não tinha mais força. Havia perdido muito sangue e precisava de uma transfusão imediata. A mão na qual precisaria colocar o sangue ainda segurava a arma.

— Posso guardar sua arma? Vou precisar fazer uma transfusão improvisada e você não pode ficar com ela na mão. Se não confia em mim, então troque de mão, por favor.

Carlos pedia com gentileza e amigavelmente. Não era idiota de enfrentar aquele moribundo armado. O homem o olhou com os olhos quase fechados e entregou a arma para Carlos. Ele pegou a arma de maneira desajeitada e a colocou no chão. O homem tentou dizer algo, mas desmaiou antes; ele tinha que se apressar, a pressão estava caindo e aquilo não era bom.

— Você precisa aguentar — falou, mesmo sem o outro ouvir.

O suor já escorria em seu rosto. Naquela posição e sem toda a aparelhagem necessária, era ainda mais tenso fazer aquilo. Ele já estava na segunda bolsa de sangue. Seu próprio sangue era O-, então sabia que era doador universal, mas o sangue era em parte seu, tinha guardado para seu uso, caso precisasse. Mas naquele momento não tinha como conseguir outro e nem poderia ser mesquinho naquele ponto, mesmo sabendo que provavelmente era um criminoso, ou sabe-se lá o que.

Depois de suturar, cobrir a ferida e verificar novamente sua pressão, foi então que Carlos pôde parar para observar aquele homem. Seus músculos abdominais eram bem definidos, alguns fios de cabelo começando a crescer em seu peitoral. Seu rosto era bonito, algumas mechas de cabelo caíam sobre sua testa, e ele tinha uma cicatriz em sua sobrancelha esquerda. A cicatriz ali até lhe deu um certo charme. Carlos passou a observar os detalhes daquele homem lindo e viril em seu sofá. Mordia o canto dos lábios sem perceber, até se dar conta do que estava fazendo.

— Não deixe sua abstinência falar mais alto, foco, Carlos, foco.

Ele falava consigo mesmo para tentar se concentrar. Começou a pensar o que faria com aquele homem ali e para quem poderia ligar. Alguém deveria estar procurando, a família, ou um chefe, alguém. Vasculhou seu bolso em busca de um telefone e encontrou, mas estava sem bateria. Por sorte, era o mesmo modelo que o seu, então seu carregador serviria.

Carlos estava cansado. Depois de conferir novamente o paciente, colocou o celular para carregar e foi tomar um banho. Aquela madrugada tinha sido cansativa, toda sua rotina bagunçada por uma briga de gangues: primeiro gente armada no hospital, depois em sua casa. Terminou aquele banho mais que merecido e olhou a carga da bateria para ver quanto já tinha atingido. Ligou o celular na esperança de que alguém ligasse para ele.

Carlos continuou enxugando seu cabelo e foi verificar a pressão do paciente novamente. Não tinha os aparelhos para deixá-lo conectado, então teria que verificar constantemente. A transfusão já havia terminado, mas o soro ainda estava com ele. Tinha analgésicos e anti-inflamatórios naquele soro, o que ajudaria bastante.

O sangue de seu corpo já tinha sido limpo, e todas as coisas recolhidas da sala. Carlos se sentou em uma almofada próxima ao desconhecido e quando chegasse a hora da nova inspeção, já estaria perto.

O cansaço falou mais alto e Carlos caiu no sono ali mesmo. Estava com o braço no sofá e a cabeça apoiada nele. O homem ao seu lado despertou, tentando reconhecer onde estava e toda a situação. Ao ver Carlos ali dormindo ao seu lado, se lembrou e levantou um pouco a cabeça. Viu que seu ferimento estava tratado e com curativo, não estava morto e era graça àquele homem ali na sua frente.

O sono de Carlos era tão profundo que não acordou com ele se mexendo no sofá. O homem agora o encarou, ali deitado de mal jeito. Tirou a mecha de cabelo de sua testa e registrou em sua mente os traços delicados daquele homem que salvou sua vida. O roupão que ele usava estava um pouco aberto na parte de cima, revelando uma pele branca e delicada. Estava o achando muito sexy.

O homem voltou a cabeça para o lugar e olhou para o teto, imaginando que aquela pele ficaria linda, um pouco avermelhada de mordidas e chupadas. Negou com a cabeça e respirou fundo. Aquele não era o momento para pensar besteira. Provavelmente, o cara era hétero, e sua recente experiência com o amor é que tinha o deixado naquela situação. Havia coisas mais urgentes para resolver naquele momento. Tinha que lidar com a traição que sofreu e precisava contatar seus homens.

Ele procurou em seu bolso, mas o celular não estava ali. Se ele estivesse desligado, seus homens não poderiam encontrar sua localização; provavelmente, aquele homem o tirou do seu bolso. Tentou fazer um esforço para levantar, mas sentiu dor. Se tentasse se virar para apoiar, acordaria provavelmente o homem; ele parecia estar cansado e ele ali dormindo estava muito fofo.

Enquanto pensava em como levantar sem acordá-lo, ouviu a campainha tocando. Fechou os olhos, fingindo ainda estar dormindo. Sentiu os movimentos do homem no sofá, e o barulho da companhia o despertou. Abriu os olhos lentamente e o viu indo em direção à porta.

Carlos olhou no relógio e já eram cinco e quinze da manhã. “Quem poderia ser a essa hora?”, ficou pensando. Olhou no painel eletrônico e viu alguns homens de terno do lado de fora do portão. Carlos ficou apreensivo e apertou o interfone.

— Sim, quem é?

Um homem que estava mais à frente se aproximou do interfone.

— Viemos buscar nosso chefe.

Carlos se perguntou como eles sabiam que aquele homem estava ali, mas se lembrou de que ligou o celular na esperança de que alguém ligasse, o que poderia ter permitido que seguissem a localização.

Carlos não sabia se poderia confiar e abrir a porta. E se não fossem os homens dele? Se fossem os caras que atiraram nele? E se matassem ele ali? Um monte de perguntas passou por sua cabeça e ele teve um sobressalto quando ouviu uma voz forte e firme próximo ao seu ouvido.

— São meus homens.

Carlos se assustou e se virou rapidamente, encostando na parede próximo ao painel do interfone. Seus batimentos se aceleraram ao ver aquele homem de pé na sua frente e tão perto assim. O homem aproximou o rosto um pouco mais perto e olhou novamente o painel. Seu rosto agora estava bem perto de Carlos, que olhava ainda sem saber o que fazer.

O homem encarou Carlos bem de perto e voltou a falar.

— É, realmente são meus homens. Você poderia abrir o portão, por gentileza?

Carlos estava meio paralisado com aqueles olhos negros o encarando. Pigarreou a garganta, olhou para o outro lado e confirmou com a cabeça. Em seguida, se virou, e o homem se afastou um pouco, permitindo que ele mexesse no interfone.

Carlos apertou um botão, e o portão se abriu. Ele retornou o olhar, encarando o homem diante de si. O homem se aproximou de Carlos, levando as duas mãos em seu roupão e puxando para fechar direito, tampando seu peito ainda exposto.

Enquanto arrumava, fez questão de deixar seu dedo encostar na pele macia ali, sendo tampada. Carlos teve um pequeno tremor ao sentir o dedo do outro deslizando por sua pele. Ele o encarou novamente e o homem à sua frente devolveu a encarada, sorrindo de lado, e falou.

— Não quero que meus homens vejam você assim. Esse foi um deslumbre somente meu.

Carlos o olhou ainda mais incrédulo com o que acabou de ouvir.

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