Capítulo 11

Capítulo 11

MANSÃO DA FAMÍLIA MORAL, QUARTO DE SOLANGE E VITOR, INTERIOR, NOITE.

Vitor está deitado na cama, com o abajur ligado e lendo um jornal. Solange sai do banheiro que há no quarto e deita na cama com uma camisola de seda.

(VITOR): – Meu amor, como foi lá na clínica hoje? Você ainda não me disse.

(SOLANGE): – Foi muito estranho. O Dr. Clementino ficou pálido e mudo quando eu disse que queria gerar o embrião.

(VITOR): – Mas porque isso? É um direito nosso, o embrião nos pertence.

(SOLANGE): – Também não entendi a reação dele. Já marquei pra nós irmos conversar com ele sobre o assunto.

(VITOR): – Tá certo, eu vou contigo, quero ver as reações desse geneticista também. Mudando de assunto, sabia que você tá linda nessa camisola?

(SOLANGE): – É mesmo? Não acha que fica melhor se eu tirá-la?

Vitor sorri e Solange se despe. Eles se beijam apaixonadamente e tem uma noite de amor.

PENSÃO CONFORTO, INTERIOR, MANHÃ.

A fila para o banheiro é imensa, pois todos os hóspedes estão com dor de barriga devido à sopa do cemitério. Jurandir é o primeiro da fila e espera ansioso para que o hóspede de dentro do banheiro saia logo.

(JURANDIR): – Vai demorar muito? Seja rápido, eu tô tendo uma erupção aqui dentro!

(HÓSPEDE): – E eu tô desencarnando! Vai esperar a tua vez, moleque!

Jurandir se retorce de dor no estômago, assim como Cláudia e os demais moradores. Logo, surge Kiki no corredor, se agarrando pela paredes.

Trilha Sonora: Samba do Approach (Zeca Pagodinho e Zeca Baleiro).

Todos veem a cena e se espantam. Kiki caminha apoiada na parede até que perde as forças e cai, rastejando até a porta do banheiro, levantando com ajuda de Jurandir.

(KIKI): – Ai meu Deus, o que eu fiz pra merecer essa dor terrível!

(CLÁUDIA): – Tá passando mal pela sopa de macumba também, Dona Kiki?

(KIKI): – Ai Cláudia, eu acho que engoli uma pomba-gira porque meu intestino tá girando sem parar! Eu preciso usar o banheiro o mais depressa possível…

(JURANDIR): – É só entrar na fila.

(KIKI): – Mas que petulância! Eu sou a dona da pensão, tenho direito a passar na frente de todos vocês!

(JURANDIR): – Não mesmo! Eu tô esperando o cara sair do banheiro há quase meia-hora e eu não vou sair pra você entrar!

(KIKI): – Ah é? Então, pode fazer tuas malas e ir morar embaixo da ponte, seu cretino!

Jurandir ignora. Logo, o hóspede abre a porta do banheiro, Jurandir e Kiki disputam para entrar no cômodo ao mesmo tempo, enquanto o hóspede fica dentro do banheiro tentando sair. Logo, Kiki empurra Jurandir, que cai no chão do corredor. Ela entra no banheiro e fecha a porta, mas logo nota que o hóspede ficou dentro do banheiro também.

(KIKI): – Saia mediamente do banheiro, seu tarado!

O hóspede ri e sai, deixando Kiki sozinha. Os outros moradores da pensão continuam a sofrer na fila, pois só há um banheiro no estabelecimento.

DIAS DEPOIS.

Mirian, Daniel e Miguel seguem a vida com a família feliz que possuem. Glória passou a se enfeitar mais após receber cantadas de Erasmo, embora mantenha a personalidade de viúva respeitável. Solange e Vitor aguardaram ansiosos o dia de ir à clínica. Dr. Clementino continuou cada dia mais tenso, pois não sabe como contar ao casal o erro que cometeu.

CASA DA FAMÍLIA MORAES, INTERIOR, MANHÃ.

Mirian, Daniel e Miguel estão sentados no sofá da sala, assistindo o jornal na TV. De repente, Glória entra na sala, com um corte de cabelo diferente e maquiada.

(DANIEL): – Minha sogra, mas que mudança é essa?

(GLÓRIA): – Gostaram? Resolvi renovar o visual depois de tanto tempo.

(MIRIAN): – Tá linda, mamãe! A mudança me pegou de surpresa, não esperava isso. Algum motivo em especial?

(GLÓRIA): – E tem que ter motivo? Mudei por mudar, ué.

(MIGUEL): – A vovó nem parece mais vovó, ficou mais jovem!

(GLÓRIA): – Oh, meu netinho querido, era tudo o que eu queria ouvir!

Miguel sorri e põem sua mochila nas costas, saindo com Mirian e Daniel para a escola. Glória se olha no espelho da sala e dá os últimos retoques na maquiagem.

(GLÓRIA): – Chega de viver reclusa na viuvisse, eu tenho direito de aproveitar a vida que me resta!

Glória sorri e pega sua bolsa, saindo de casa para o incerto.

CLÍNICA DE DR. CLEMENTINO, INTERIOR, MANHÃ.

Dr. Clementino está analisando uns exames em sua sala, quando é surpreendido pela chegada de Solange e Vitor. Os três se cumprimentam e sentam.

(VITOR): – Bom, Dr. Clementino, acredito que o senhor já está a par da situação. A minha esposa esteve dias atrás conversando contigo sobre o nosso desejo.

(CLEMENTINO): – Sim, eu estou a par. Eu acho muito bonita a atitude de vocês, mas eu quero alertá-los para os perigos de uma gestação após os 40 anos. Há uma chance considerável de o bebê nascer com problemas, além de todo o processo gestacional provocar problemas de saúde na mãe. É importante destacar que a fertilização in vitro de mulheres acima de 40 anos diminui para apenas 8% de chances do embrião se desenvolver no útero.

(SOLANGE): – Nossa, eu não sabia desses dados… Mas mesmo assim, doutor, eu quero arriscar! Eu e meu marido estamos dispostas a tudo para dar vida a esse embrião congelado.

(CLEMENTINO): – Eu entendo, mas como médico eu devo salientar que essa gravidez será perigosa. Pode até ocorrer de, na hora do parto, vocês terem que escolher entre o filho e a mãe. É correto arriscar dessa maneira?

(VITOR): – Eu não estou entendendo o seu discurso, Dr. Clementino. Está parecendo que o senhor não quer que nós geremos esse embrião.

(SOLANGE): – Eu também estou notando isso, Vitor. Doutor, seja franco: houve algum problema com o nosso embrião?

Trilha Sonora: Feito pra Acabar (Marcelo Jeneci).

Dr. Clementino fica tenso com a situação. Ele olha para Solange e Vitor e lembra-se do dia que cometeu a troca de embriões. O geneticista tem vontade de revelar a verdade, mas tem medo. O silêncio perdura por alguns instantes na sala e deixam o casal intrigado.

(VITOR): – Dr. Clementino, o senhor está bem? Porque não diz nada?

(CLEMENTINO): – Está certo, vocês querem saber a verdade? Pois então, eu vou dizer a verdade.

Solange e Vitor se olham, intrigados, enquanto Dr. Clementino tenta encontrar as palavras certas para sua revelação. Quando o geneticista vai falar, um médico entra na sala e avisa que há um problema na sala de experiências. Dr. Clementino deixa o casal em sua sala e vai ajudar a resolver o problema.

MANSÃO DA FAMÍLIA GARBRETCH, INTERIOR, MANHÃ.

Valquíria e Luíza estão brincando com uma boneca na sala. Logo Margarida entra com um álbum de fotos e senta ao lado da filha.

(MARGARIDA): – Meu amorzinho, a mamãe vai te mostrar fotos de quando eu era pequena assim como você!

Luíza fica animada e Margarida abre o álbum, mostrando as fotos de quando tinha a mesma idade da filha. Luíza observa as fotografias muito intrigada, pois vê a diferença entre a pele da mãe quando tinha a mesma idade que ela. Logo, seus olhos ficam marejados e Valquíria percebe.

(VALQUÍRIA): – O que foi, Luíza?

(LUÍZA): – Porque eu tenho essa pele enrugada e a mamãe não tinha? Porque eu sou careca e a mamãe nunca foi?

Margarida e Valquíria se olham, apreensivas.

(MARGARIDA): – Porque cada pessoa tem um jeito próprio, ninguém é igual a ninguém.

(LUÍZA): – Mas eu sou a única criança desse jeito, eu não conheço mais ninguém assim na minha idade. Eu sou muito feia.

(VALQUÍRIA): – Feia? Imagina, você não é feia nada! Você é reluzente como um anjo.

Luíza alisa o rosto de Margarida, que sorri levemente. Logo, a menina alisa o rosto de Valquíria, que também sorri. Após, Luíza fica cabisbaixa.

(LUÍZA): – Eu tenho a mesma pele enrugada da Valquíria e ela tem 80 anos, mas eu não tenho a mesma pele lisa que a minha mãe tem com 34 anos. Eu sou uma velha em corpo de criança. Como pode isso?

Margarida e Valquíria se olham, sem saber o que dizer a pequena. Luíza começa a chorar e levanta do sofá com sua boneca.

(LUÍZA): – Eu queria ser igual a todas as crianças! Até minha boneca parece com as crianças de verdade, menos eu!

Luíza joga a boneca no chão e sobe as escadarias até seu quarto, chorando. Margarida se desespera com a crise da filha e chora.

(MARGARIDA): – Eu não devia ter mostrado esse álbum de fotos, eu sou um monstro!

(VALQUÍRIA): – Não diga isso, querida, você não é um monstro! É normal essa crise de identidade na Luíza, ser diferente não é fácil para a autocompreensão, ainda mais quando se é uma criança.

(MARGARIDA): – O mais terrível de tudo é saber que a gente não pode fazer nada pra reverter essa síndrome, é tão angustiante isso!

(VALQUÍRIA): – Reverter à síndrome é impossível, mas fazer a vida da Luíza muito feliz com o amor da família é possível sim, você e o Seu Rogério fazem todos os dias.

Margarida continua a chorar e Valquíria a abraça, muito emocionada também.

PENSÃO CONFORTO, INTERIOR, MANHÃ.

Kiki está conversando com Glória na sala da recepção, sentadas no sofá.

(KIKI): – E essa mudança de visual? Tá lindíssima! Vai arrasar corações!

(GLÓRIA): – Ai Kiki, eu já passei da idade dessas coisas…

(KIKI): – Imagina, pra isso não tem idade, tem é apetite!

(GLÓRIA): – Mais respeito, eu sou uma viúva de família!

(KIKI): – Tá bom, não tá mais aqui quem falou… Por falar em família, você tá sabendo que a Alcione tá com problemas financeiros por causa do Erasmo?

(GLÓRIA): – Não! Me conta essa fofoca…

Naquele momento, Cláudia está descendo a escada e ouve a conversa.

(KIKI): – Parece que o Erasmo tá com dívidas e a Alcione descobriu. Como aquele vadio não sabe o que é trabalhar, a Alcione tá fazendo mais atendimento de manicure pra pagar as contas do fim do mês.

(GLÓRIA): – Estou chocada! Mas bem feito pra essa barraqueira da Alcione, nunca vi mulher tão baixa como ela.

(KIKI): – Pois é! Venha comigo até a cozinha que eu vou preparar um cafezinho pra nós.

Trilha Sonora: Samba do Approach (Zeca Pagodinho e Zeca Baleiro).

Glória concorda e vai com Kiki para a cozinha, deixando sua bolsa na sala. Cláudia desce as escadas e observa a bolsa com coceira nas mãos, mas vai até a porta para sair. Porém, não resiste e vai até a bolsa, retira a carteira e pega todo o dinheiro de Glória, colocando entre seus seios. Cláudia põem a bolsa no lugar e sai correndo da pensão.

CLÍNICA DE DR. CLEMENTINO, SALA DE EXPERIÊNCIAS, INTERIOR, MANHÃ.

Dr. Clementino ajudou a resolver o problema no catálogo de registro dos gametas congelados na clínica. O médico que pediu ajuda sai da sala e deixa o geneticista sozinho que, por acaso, vê o registro Moral, sobrenome de Solange e Vitor. Logo, ele abre o registro e fica pasmo com o que vê.

(CLEMENTINO): – Ainda há dois óvulos da Solange e um frasco com espermatozoides do Vitor aqui na clínica. Eu não sabia disso… É a minha salvação! Ao invés de contar da troca de embriões, eu farei um novo embrião e inseminarei a Solange. Não será gêmeo do filho falecido deles, mas será filho igual. É a melhor solução, para evitar um escândalo!

Dr. Clementino fecha o registro quando o outro médico entra na sala. O geneticista limpa o suor da testa, pois está tenso, e sai do local.

CLÍNICA DE DR. CLEMENTINO, INTERIOR, MANHÃ.

Dr. Clementino entra em sua sala e encontra Solange e Vitor sentados, mas impacientes.

(CLEMENTINO): – Eu peço desculpas pela demora, mas houve um problema no sistema de registro da clínica. Tecnologia e suas disparidades!

(VITOR): – Tudo bem, Dr. Clementino, mas o que o senhor ia nos contar?

(CLEMENTINO): – Nada, era bobagem. Eu pensei na decisão de vocês e acredito que é totalmente correto o embrião ser gerado.

(SOLANGE): – Então, o senhor aceita me inseminar? Pensei que estava contra…

(CLEMENTINO): – Contra? Imagina, não tenho motivos para isso, apenas fiquei preocupado com uma gestação após os 40 anos, mas se é o desejo do casal, eu não posso negar, o embrião é de vocês. Só peço que a senhora faça alguns exames de saúde para provar que está apta a gestação, traga assim que sair o resultado.

Os três levantam da cadeira e se cumprimentam, sorridentes.

(VITOR): – Muito obrigado, Dr. Clementino. Agora eu senti firmeza na sua palavra.

(SOLANGE): – Será maravilho sentir um filho crescendo em meu ventre outra vez, esse filho vai devolver o sentido da vida para nós.

Trilha Sonora: Feito pra Acabar (Marcelo Jeneci).

Dr. Clementino sorri e o casal vai embora. Após, o geneticista senta em sua poltrona de escritório e suspira, com os batimentos cardíacos alterados.

(CLEMENTINO): – Eu estou assassinando a ética médica que eu venerei a vida inteira, tudo por um beneficiamento próprio. Eu sou um monstro!

Dr. Clementino segue com sua crise de consciência, temendo o futuro.

RUA, EXTERIOR, TARDE.

Glória caminha pela rua da vila e transita sorridente em frente ao bar onde Erasmo está sentado, bebendo uma cerveja. Ela para, finge procurar alguma coisa na bolsa, enquanto ele continua a observando. Logo, Glória olha para Erasmo e abana pra ele, que retribui. Ela entra no bar, mexendo no cabelo para mostrar seu novo visual.

(GLÓRIA): – Moço, por favor, me vê um pastel de carne frito. E rápido!

O balconista vai cumprir o pedido, enquanto Glória segue calada, esperando Erasmo se manifestar.

(ERASMO): – A senhorita mudou o visual, tá muito bonita. Quer dizer, sempre foi, mas agora tá mais ainda!

(GLÓRIA): – Você acha mesmo, Erasmo? E porque me chamou de senhorita, já tenho 55 anos…

(ERASMO): – Mas está intacta há 25 anos, isso é virtude das senhoritas…

Glória sorri e o balconista lhe entrega o pastel. Quando ela abre a carteira para pagar, descobre que está vazia.

(GLÓRIA): – Mas que absurdo é esse! Eu fui roubada! Minha carteira tava cheia!

(BALCONISTA): – Aqui a senhora não foi roubada, só há nós três aqui dentro. Como a senhora mora na vila e é nossa freguesa, eu faço fiado, paga depois.

(GLÓRIA): – Muito obrigada!

(ERASMO): – Que isso, eu faço questão de pagar o pastel da Glória.

Glória se impressiona e Erasmo tira da carteira, dando o dinheiro ao balconista. Os dois se olham sorrindo e Glória morde o pastel, deixando Erasmo atraído. De repente, Alcione entra no bar e fica pasma ao ver os dois próximos.

(ALCIONE): – Posso saber que palhaçada é essa?

Trilha Sonora: Aprendiz de Trambiqueiro (Raul Seixas).

Erasmo se assusta com o grito da esposa e cai da cadeira. Glória se engasga com o pastel, mas logo se desafoga após o balconista dar um copo de água. Alcione aproxima-se e ajuda Erasmo a levantar do chão.

(ERASMO): – Porque esse nervosismo, meu doce?

(ALCIONE): – Porque eu não gosto de ver rameiras perto do meu homem!

(GLÓRIA): – Pois a única rameira que eu tô vendo aqui é você!

(ALCIONE): – Ah, sua safada, você me paga!

Alcione vai avançar em Glória, mas Erasmo a segura. Glória aproveita e foge do bar, em meio aos gritos de Alcione.

Continua...

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!