Capítulo 6

Capítulo 6

Dr. Clementino levanta-se da cadeira e abre a porta da sala, mas fica imóvel. Logo, ele a fecha e vai até o botijão de hidrogênio, onde ficam congelados os embriões e materiais genéticos dos doadores.

(CLEMENTINO): – Não, se eu falar, vai explodir um escândalo e minha clínica será manchada pela eternidade. Além do mais, os verdadeiros donos desse embrião jamais vão querer gerá-lo, já se passaram 20 anos… Se fosse intenção da Solange e Vitor gerarem, já teriam feito antes. Eu vou me calar! Deixarei a Mirian e o Daniel terem esse filho, eles nunca vão saber que não são os pais biológicos dele se Solange e Vitor nunca requisitarem esse embrião.

Dr. Clementino senta numa cadeira e tenta se acalmar.

CASA DA FAMÍLIA MORAES, INTERIOR, TARDE.

Mirian e Daniel chegam à casa de mãos dadas. Glória para de costurar ao vê-los e se aproxima.

(GLÓRIA): – E então, qual foi o resultado?

(MIRIAN): – Deu positivo.

(GLÓRIA): – Graças a Deus! Parabéns, minha filha, você merece!

Glória abraça Mirian e beija o rosto da filha. Logo, ela olha para Daniel, que não reage.

(GLÓRIA): – Precisou da ajuda de um médico pra engravidar a Mirian. Sabe, eu já tinha ouvido histórias de homens que tomavam remédios pra conseguir engravidar a esposa, agora homem que precisa de outro homem pra engravidar a esposa, isso é novidade…

(MIRIAN): – Mãe, o que é isso?

(DANIEL): – Deixa, Mirian, ela está sendo o que sempre foi: uma cobra! A senhora não sabe como me magoa essas palavras, Dona Glória. Eu sempre fui um ótimo genro, te trato bem, ajudo nas despesas da casa, nunca maltratei a Mirian. Não há reclamações contra mim, apenas implicâncias! A senhora é uma preconceituosa que não quer entender o que significa uma inseminação artificial! Ignorante!

Daniel vai para seu quarto, bravo. Mirian fica tensa com a discussão.

(GLÓRIA): – Eu só falei o que eu penso. Esse negócio de inseminação é coisa de gente que não tem o que fazer.

(MIRIAN): – Pois eu fiz inseminação e sou uma mulher muito ocupada, mãe. O Daniel tem razão mesmo: a senhora é uma ignorante.

Glória fica pasma e Mirian vai para seu quarto.

MANSÃO DA FAMÍLIA MORAL, INTERIOR, TARDE.

Ao tocar da campainha, Zuleide vai atender e fica muito feliz ao ver Rosa. As duas se abraçam e caminham até o centro da sala.

(ZULEIDE): – Que bom que você apareceu, Rosa! Todos estavam com saudades de você, sumiu desde o enterro do Flávio.

(ROSA): – Eu estive envolvida em muitos afazeres, acabou faltando tempo. E como estão às coisas por aqui, Zuleide?

(ZULEIDE): – Ai Rosa, você nem imagina… Essa casa virou de pernas pro ar depois da morte do Flávio. A Dona Solange e o Seu Vitor estão tão descrentes, chegou ao ponto de guardarem numa caixa todas as imagens de santos que havia pela mansão. Nem missa de sétimo dia teve, tamanha a descrença. O quarto do Flávio está trancado desde o dia da morte dele, ninguém entrou. É um silêncio mortal nessa casa, tá tudo tão triste.

(ROSA): – Eu imagino, Zuleide. Perder um filho deve ser a maior dor desse mundo.

Zuleide concorda. Logo, Solange e Vitor descem as escadarias da mansão, sorridentes ao verem Rosa. Os três se cumprimentam com beijos e abraços.

(VITOR): – É muito bom te ver depois de tantos dias, Rosa. Como você está?

(ROSA): – Bem. Me recuperando aos poucos dessa perda. E vocês?

(SOLANGE): – Revoltados com a vida. Nada mais tem sentido.

(ROSA): – Eu espero que vocês consigam superar aos poucos. Bom, aproveitando que estão todos juntos, eu gostaria de dar uma notícia: eu passei no vestibular!

(VITOR): – Nossa, mas que ótimo! Qual universidade? E que curso?

(ROSA): – Passei em Medicina pela USP.

(SOLANGE): – Na USP? Você é muito inteligente mesmo hein, passar na USP para Medicina não é nada fácil. Parabéns, querida!

(ROSA): – Obrigada! Eu vou viajar nesse final de semana para São Paulo, começarei a procurar um imóvel para alugar, pois logo minhas aulas começam. Eu vim até aqui me despedir de vocês e também pedir uma lembrança do Flávio. Eu só tenho fotos tiradas com ele, mas não tenho nenhum objeto que fosse dele, eu gostaria de ter um.

Solange e Vitor se olham com angústia. Zuleide vai para a cozinha.

(SOLANGE): – Tá certo, vem comigo até o quarto dele.

Solange e Rosa sobem até o quarto de Flávio, enquanto Vitor senta no sofá da sala.

MANSÃO DA FAMÍLIA MORAL, QUARTO DE FLÁVIO, INTERIOR, TARDE.

Pela primeira vez, dias após a morte de Flávio, Solange abre o quarto. Tudo está exatamente como da última vez que seu filho usou. Com a emoção a flor da pele, ela não consegue entrar, mas Rosa entra, bastante emocionada. Ao ver a foto dele na parede, Rosa deixa uma lágrima escorrer de seu rosto, mas logo a seca. Vagarosamente, Solange entra no cômodo, muito triste.

(SOLANGE): – O perfume dele ainda está aqui, eu sinto.

(ROSA): – Eu também, Dona Solange. Eu lembro que o Flávio sempre usava uma corrente com a medalha de Jesus Cristo. Seria uma boa lembrança pra mim levar.

(SOLANGE): – É, mas ela acabou caindo do pescoço dele no acidente. Mas eu tenho uma lembrança muito mais bonita pra você.

Rosa fica curiosa e Solange vai até a mesa do quarto e pega uma caixa, entregando a nora.

(ROSA): – Que isso?

(SOLANGE): – O Flávio tinha encomendado a uma joalheria para fazer isso, entregaram ontem aqui na mansão. Veja!

Rosa fica intrigada e abre a caixinha, vendo uma joia em forma de coração. Ela pega nas mãos e percebe ser banhada a ouro. Logo, o coração se abre e Rosa se emociona ao ver uma foto dela com Flávio.

(SOLANGE): – O coração se separa ao meio, aí cada um usaria no pescoço com uma correntinha e eles se uniriam quando estivessem juntos. O Flávio tinha cada ideia, era muito romântico!

(ROSA): – Uma pessoa tão boa como ele não merecia morrer cedo. Tem tanto bandido nesse mundo, porque justo o Flávio tinha que morrer?

Solange fica calada e lágrimas escorrem de seu rosto. Rosa se aproxima e abraça a sogra, chorando em seu ombro.

CASA DA FAMÍLIA MORAES, INTERIOR, NOITE.

Daniel está deitado na cama, sozinho. Logo Mirian entra no quarto.

(MIRIAN): – Não vai jantar?

(DANIEL): – Não tenho apetite.

(MIRIAN): – Meu amor, esquece o que a mamãe te disse… Você sabe como ela é!

(DANIEL): – Sei, ela gosta de ferir a minha masculinidade. Por quê? O que eu fiz de errado pra ela implicar comigo desse jeito, Mirian?

(MIRIAN): – Você não fez nada, a mamãe que anda muito amarga ultimamente…

Daniel segura nas mãos de Mirian e olha profundamente em seus olhos.

(DANIEL): – Vamos embora daqui? O que você acha de começar uma vida em outra casa, em outra vizinhança?

(MIRIAN): – Embora? Mas e a mamãe?

(DANIEL): – Deixa a Dona Glória aqui, vamos só eu e você começarmos nossa vida sozinhos para criar nosso filho no futuro. O que você acha?

(MIRIAN): – Mas a gente não tem dinheiro pra comprar uma casa ou um apartamento e eu não quero pagar aluguel.

(DANIEL): – E eu não quero mais viver no mesmo teto que a sua mãe, o que ela faz comigo já passou do tolerável.

(MIRIAN): – Eu vou conversar com ela, isso vai mudar. Quem sabe esse neto mude essa situação? Talvez ele amoleça o coração da mamãe…

(DANIEL): – E eu vou ter que esperar nove meses pra ver se a Dona Glória mudará?

(MIRIAN): – Se a gente tivesse dinheiro pra comprar um imóvel, eu não hesitaria em ir embora contigo, mas nós não podemos arriscar tudo agora que a gravidez foi confirmada. Você sempre teve paciência com a mamãe, faça um esforço… Pelo bebê?

Daniel olha para o ventre de Mirian e suspira. Logo, ele olha com ternura para os olhos da esposa.

(DANIEL): – Tá bom… Pelo bebê e por você!

Mirian sorri e beija Daniel, que deitam na cama e ficam aos beijos por algum tempo.

MESES DEPOIS.

Rosa já se mudou para São Paulo e está cursando Medicina na USP, com excelentes notas. Solange e Vitor continuam descrentes e revoltados, mas seguem suas vidas rotineiras. Dr. Clementino calou-se diante de seu erro médico, com medo de uma punição. A relação de Glória e Daniel tem sido estável, sem muitos confrontos, embora às vezes a sogra não se segure e solte um veneno. Mirian já está no nono mês de gestação, prestes a ganhar o filho.

JARDIM BOTÂNICO, EXTERIOR, MANHÃ.

Mirian e Glória caminham pelo jardim público, carregando várias compras nas mãos.

(MIRIAN): – O quarto do meu filho já tá cheio de roupas, brinquedos, itens de higiene… Não quero que falte nada ao meu bebê!

(GLÓRIA): – Pelo jeito vai sobrar, você tem praticamente uma loja infantil dentro de casa. Eu concordo que seja prevenida, mas às vezes você exagera.

Mirian sorri e alisa sua barriga de nove meses. De repente, ela sente uma fisgada e para de caminhar.

Logo, ela sente uma fisgada ainda maior e deixa as compras caírem no chão.

(GLÓRIA): – O que houve, minha filha?

(MIRIAN): – Acho que vai nascer, mãe…

Glória fica apreensiva. Mirian sente um líquido escorrer em suas pernas e conclui que a bolsa estourou.

(GLÓRIA): – Virgem Santíssima, você entrou em trabalho de parto! Eu vou chamar um táxi, fica calma!

Glória corre até a rua que dá acesso ao Jardim Botânico, enquanto Mirian se apoia num poste de luz, sentindo muitas dores.

HOSPITAL, RECEPÇÃO, INTERIOR, MANHÃ.

Mirian entra apoiada em Glória dentro do hospital público, que está lotado na recepção. Elas se aproximam do balcão de atendimento, ofegantes.

(ATENDENTE): – O que vocês desejam?

(GLÓRIA): – Tá cega? Minha filha entrou em trabalho de parto, levem pra enfermaria.

(ATENDENTE): – Desculpe, mas não há nenhum obstetra hoje no hospital, não será possível realizar o parto.

(MIRIAN): – Como assim? Cadê esses médicos?

(GLÓRIA): – Pra onde eu vou levar a minha filha? Eu quero um médio já!

(ATENDENTE): – Nós não temos disponível, sinto muito.

A atendente se afasta do balcão. Mirian está pingando de suor e com dores do parto.

(GLÓRIA): – E agora, o que a gente faz? O próximo hospital é muito longe daqui e a gente não tem dinheiro pra pegar outro táxi.

(MIRIAN): – Ai meu Deus, eu não quero perder o meu filho!

Mirian começa a ficar nervosa e Glória vê com tensão o sofrimento da filha.

HOSPITAL, RECEPÇÃO, INTERIOR, MANHÃ.

Mirian e Glória são informadas de que não há médicos para realizarem o parto.

(GLÓRIA): – E agora, o que a gente faz? O próximo hospital é muito longe daqui e a gente não tem dinheiro pra pegar outro táxi.

(MIRIAN): – Ai meu Deus, eu não quero perder o meu filho!

Mirian começa a ficar nervosa e Glória vê com tensão o sofrimento da filha.

OBRA, EXTERIOR, MANHÃ.

Daniel está carregando tijolos ao colega na obra de construção de um prédio no centro de Curitiba. É quando seu celular toca. Suado e ofegante, ele atende, mas cuidando para o chefe de obras não o ver.

(DANIEL): – Alô. O que foi, Dona Glória? Como é que é? (recebe a notícia do parto negado pelo hospital). – Esperem aí, eu já estou indo, a obra é pertinho!

Daniel desliga o telefone e corre até o chefe, explicando a situação. Ele o libera, que pega o primeiro ônibus que passa na rua.

MANSÃO DA FAMÍLIA MORAL, INTERIOR, MANHÃ.

Solange e Vitor tomam café em silêncio. Zuleide trás um bolo de chocolate da cozinha, recém-tirado do forno, e põem em cima da mesa.

(VITOR): – O Flávio gostava de bolo quente. Lembra como a gente brigava pra ele não comer o bolo recém-tirado do forno, Zuleide?

(ZULEIDE): – Lembro sim, era uma criança muito sapeca! Distraía todo mundo na sala e ia à cozinha roubar um pedaço do bolo.

(SOLANGE): – Que saudade ele nos deixou… Meses se passaram e minha dor só aumenta. Será que isso nunca vai passar?

(ZULEIDE): – Eu acho que vocês dois deveriam ir à Igreja. Desde a morte do Flávio que vocês não põem os pés na Igreja, nem rezam em casa. A falta de fé causa um vazio muito grande nas pessoas.

(VITOR): – Besteira, Zuleide. De quê adianta ir à Igreja se o Flávio não vai voltar? Eu não acredito mais em Deus.

(SOLANGE): – Nem eu.

(ZULEIDE): – Nossa, não digam uma coisa dessas, capaz de ganharem até um castigo!

(SOLANGE): – Quer um castigo maior do que perder um filho jovem, cheio de sonhos, praticante de caridade, estudioso e afetuoso? Me poupe da sua fé, Zuleide! Me poupe!

Solange levanta-se da mesa e sai para o jardim da mansão. Vitor levanta-se e vai atrás. Zuleide fica pasma com a revolta dos patrões, mas se cala.

HOSPITAL, RECEPÇÃO, INTERIOR, MANHÃ.

Mirian está sentada num banco da recepção, com fortes dores. Glória tenta acalmá-la. Logo, Daniel entra na recepção e corre até a esposa.

(DANIEL): – Como você tá, meu amor?

(MIRIAN): – Tô com muita contração! Vai nascer!

Daniel dá um beijo no rosto de Mirian e corre até o balcão da recepção.

(DANIEL): – Por favor, a minha esposa tá em trabalho de parto, a bolsa estourou, precisamos de um médico urgente!

(ATENDENTE): – Nós já informamos a elas que não há obstetra hoje no hospital, não poderemos realizar o parto.

(DANIEL): – Não tem obstetra? Como assim? Que espécie de hospital é esse que não tem um obstetra? Como fica minha mulher agora hein? Ela precisa parir!

Continua...

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