O vento cortava a floresta como navalhas, carregando o cheiro metálico de sangue e pólvora. Ayumi se recostou contra uma árvore, tentando recuperar o fôlego. Seu corpo doía em lugares que ela nem sabia que existiam.
Renji limpava a lâmina da katana improvisada, o rosto tenso. Kaori, mais afastada, checava as amarras em Misaki, que ainda estava desacordada.
Por um momento, apenas o som dos corvos preenchia o silêncio.
— Isso não acabou — murmurou Renji, como se pudesse ler os pensamentos de Ayumi.
Ela assentiu, o olhar fixo no horizonte escurecido.
— Kaito está vivo. Eu sei.
Renji apertou a mandíbula.
— Então precisamos nos preparar. De verdade.
Kaori se aproximou, os olhos sombrios.
— Ele tem novos aliados. Pessoas que não conhecemos. Mais perigosos. Mais cruéis.
Ayumi fechou os olhos por um instante, sentindo o peso da responsabilidade esmagá-la.
Mas ela não cederia.
Não agora.
**
Moveram-se para o norte da ilha, seguindo um velho mapa encontrado entre os pertences de Misaki. Segundo a marcação, havia ali uma base abandonada, usada durante as guerras antigas. Poderiam transformá-la em um bastião.
A caminhada foi brutal.
A chuva retornou, tornando o terreno enlameado e escorregadio. Espinhos rasgavam a pele. Mosquitos não davam trégua.
Mas o maior perigo não estava na floresta.
Estava no que os esperava no destino.
**
A base era mais impressionante do que esperavam.
Uma estrutura de concreto meio enterrada na encosta de uma montanha. Portas de ferro enferrujadas, corredores estreitos e sombrios.
Renji vasculhou o local, tenso como uma corda esticada.
Ayumi seguiu-o de perto, o coração acelerado.
Cada passo ecoava como um tambor de guerra.
Quando chegaram à sala principal, viram que alguém já estivera ali recentemente. Marcas de botas na poeira, suprimentos abandonados às pressas.
Kaori fez um gesto de silêncio e apontou para a direita.
Som de passos.
Ayumi mal teve tempo de reagir antes que uma figura emergisse da escuridão.
Não era Kaito.
Era Hana.
A irmã de Kaori.
**
Hana estava diferente.
Os cabelos, antes dourados e vibrantes, agora estavam escuros e grudados ao rosto. Havia ódio em seus olhos.
— Kaori... irmãzinha... — sibilou ela.
Kaori empalideceu.
— Hana, o que está fazendo aqui?
— Trabalhando para o verdadeiro poder — respondeu Hana, puxando uma pistola da cintura. — Kaito me mostrou a verdade. Vocês são apenas peças descartáveis.
Ayumi puxou Renji para trás de um pilar, o coração disparado.
Traição.
Outra vez.
Sempre a maldita traição.
Kaori deu um passo à frente.
— Você não precisa fazer isso.
— Já fiz — rosnou Hana.
Ela disparou.
O mundo virou um borrão de movimento.
Renji empurrou Ayumi para o chão enquanto a bala zunia por cima deles.
Kaori rolou para o lado, puxando sua própria arma.
O confronto entre irmãs era inevitável.
**
O tiroteio foi curto, brutal.
Hana era rápida, mortal.
Mas Kaori lutava com o peso da dor, da culpa e da fúria.
No fim, Kaori conseguiu derrubar Hana com um tiro certeiro no ombro.
Hana caiu de joelhos, chorando de ódio.
— Eu... eu era melhor do que você — cuspiu ela.
Kaori se aproximou, lágrimas nos olhos.
— Eu te amava, Hana.
— Amor é fraqueza.
Com um movimento rápido, Hana puxou uma pequena lâmina da bota e a lançou.
Ayumi gritou.
Kaori caiu de costas, a adaga cravada no abdômen.
Renji correu até ela, pressionando o ferimento, mas o sangue jorrava como uma fonte maldita.
Ayumi se ajoelhou ao lado, desesperada.
— Fica comigo, Kaori! — implorou.
Kaori sorriu fracamente, os olhos perdendo o foco.
— Lutem... — murmurou. — Nunca parem de lutar...
E então, com um último suspiro, ela morreu.
**
O mundo de Ayumi desabou.
Ela gritou, um som animal, primitivo, que ecoou pelas paredes da base.
Renji abraçou-a, mas ela se afastou, olhos incendiados.
Ela se virou para Hana, que ainda respirava, mas mal.
Ayumi se aproximou, encarando a mulher que destruíra a única amiga que lhe restava.
— Você não merece misericórdia.
Hana sorriu, sangrando.
— Não a quero.
E morreu.
Ayumi permaneceu imóvel por um longo tempo, olhando para o corpo de Hana.
Renji a puxou gentilmente.
— Precisamos sair daqui. Eles virão.
Ayumi assentiu, o rosto vazio.
Mas dentro dela, algo havia mudado para sempre.
**
Naquela noite, enterraram Kaori sob uma árvore antiga, longe da base.
Ayumi plantou o cristal azul de Kaori no topo da sepultura.
Renji ficou em silêncio, respeitando a dor dela.
Enquanto a lua cheia brilhava sobre a floresta, Ayumi fez uma promessa silenciosa.
Nunca mais serei fraca.
Nunca mais serei enganada.
**
Dias se passaram.
Treinaram.
Planejaram.
Transformaram a base em uma fortaleza.
Ayumi se tornou outra pessoa — mais fria, mais rápida, mais mortal.
Renji via a mudança com orgulho, mas também com preocupação.
Ela estava se afastando de quem era.
Perdendo partes de si mesma a cada batalha.
Mas não havia outra escolha.
A guerra estava apenas começando.
**
Certa tarde, enquanto treinavam, um alarme soou.
Renji correu até o painel improvisado.
— Movimento na entrada!
Ayumi pegou a arma, os sentidos em alerta.
Quando chegaram à entrada, encontraram algo que não esperavam.
Uma garota.
Não mais velha que quinze anos, com roupas esfarrapadas e olhos assustados.
Ela carregava um pedaço de papel amassado.
Ayumi o pegou, lendo rapidamente.
Seu sangue gelou.
A mensagem era curta:
"Se quiserem salvar Yumi, venham até a cidade velha. Sozinhos. Ou ela morre."
Yumi.
A irmã mais nova de Ayumi.
Que todos acreditavam estar segura no continente.
Ayumi sentiu as pernas fraquejarem.
Renji leu a mensagem por cima do ombro dela e amaldiçoou em voz baixa.
— É uma armadilha — disse ele.
— Eu sei — respondeu Ayumi, a voz firme.
Ela olhou para ele, seus olhos queimando.
— E nós vamos cair nela.
**
No fundo, Ayumi sabia: esse era o movimento que Kaito esperava.
Mas ela não podia deixar Yumi para trás.
Não importava o preço.
Ela respirou fundo, sentindo o peso de todas as mortes, de todas as escolhas.
E se preparou para a batalha que poderia ser a última.
**
Todos nós vivemos batalhas invisíveis que ninguém faz ideia. A vida é feita de feridas encobertas pela rotina do dia a dia. Dores escondidas no silêncio da alma.
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Atualizado até capítulo 53
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