A manhã nasceu cinzenta, o céu encoberto por nuvens pesadas, como se pressentisse a tempestade que se aproximava. No pequeno apartamento, Ayumi observava Renji dormir no sofá. Ele parecia em paz, mesmo com os cortes e hematomas ainda visíveis no rosto.
Ela deslizou os dedos levemente pelo cabelo dele, como se quisesse garantir que aquilo era real — que ele estava vivo.
Mas a paz era apenas uma ilusão frágil.
Uma batida na porta quebrou o silêncio. Três toques secos, determinados.
Ayumi congelou.
Renji abriu os olhos devagar.
— Quem é? — sussurrou ele, tentando se levantar.
— Fique aí. Eu vejo.
Ela caminhou até a porta, o coração acelerado. Olhou pelo olho mágico: Hayato.
Alívio imediato.
Abriu a porta.
— Você veio ver como ele está? — perguntou.
Mas Hayato não respondeu de imediato. Seus olhos estavam sombrios, e algo no seu semblante fez o estômago de Ayumi revirar.
— Podemos conversar? Sozinhos? — ele disse, a voz baixa.
Ayumi hesitou. Algo estava errado.
Renji tentou se levantar, mas gemeu de dor.
— Está tudo bem — disse ela rapidamente. — Eu já volto.
**
Eles desceram até a rua. A cidade começava a despertar, mas ainda havia um silêncio estranho no ar.
Hayato encostou-se a uma parede, cruzando os braços.
— Ayumi... — ele começou. — Precisamos conversar sobre Renji.
— O quê? — Ela franziu a testa, confusa.
Hayato encarou-a com uma intensidade quase dolorosa.
— Ele não é quem você pensa.
Ayumi deu um passo para trás, sentindo o chão tremer sob seus pés.
— Você está louco. Ele arriscou a vida para me proteger!
Hayato suspirou, como se aquilo fosse difícil até para ele.
— Sabe por que Kaito queria tanto pegá-lo? Não foi só por uma velha rixa. Renji fez parte da gangue deles, anos atrás. E não era apenas um membro qualquer. Ele era o braço direito de Kaito.
Ayumi sentiu o mundo girar.
— Não... — sussurrou.
— Ele abandonou o grupo depois de fazer algo imperdoável — continuou Hayato, a voz firme. — Algo que nem mesmo Kaito conseguiu perdoar.
Ayumi balançou a cabeça, recusando-se a aceitar.
— Você está mentindo.
Hayato estendeu um envelope para ela. Dentro, fotos.
Renji, anos mais jovem, com Kaito e outros homens armados. Rindo. Brindando.
E, em uma das fotos, um incêndio. Pessoas correndo. Morte.
Ayumi sentiu as pernas falharem. Apoiou-se na parede para não cair.
— Não pode ser — sussurrou, lágrimas enchendo seus olhos.
Hayato deu um passo à frente.
— Eu não queria que você soubesse assim. Mas precisava. Precisa saber com quem está lidando.
Ela apertou as fotos contra o peito, sentindo o coração despedaçar.
**
Quando voltou ao apartamento, Renji já estava de pé, cambaleando até a cozinha.
— Você demorou — disse ele com um sorriso fraco. — Está tudo bem?
Ayumi não respondeu. Apenas olhou para ele, como se estivesse vendo um estranho.
Renji percebeu.
— O que foi?
Ela jogou as fotos sobre a mesa.
Renji olhou e empalideceu.
O silêncio entre eles era ensurdecedor.
— Diga que não é verdade — sussurrou Ayumi, a voz embargada.
Renji fechou os olhos, respirando fundo.
— Ayumi... eu...
— Diga! — gritou ela, as lágrimas escorrendo.
Renji abriu os olhos, e o que ela viu neles a fez estremecer: culpa. Dor. E um amor desesperado.
— É verdade — ele disse, a voz quebrada. — Eu fiz parte da gangue.
Ayumi recuou como se tivesse levado um soco.
— Mas eu saí — continuou Renji, com urgência. — Eu vi o que estávamos nos tornando. Vi o que eu estava me tornando. Eu queria mudar. Eu mudei!
Ela balançava a cabeça, lágrimas descontroladas.
— Você mentiu para mim. Esse tempo todo.
Renji deu um passo à frente.
— Eu ia te contar. Juro que ia. Mas tinha medo... medo de te perder.
— E agora? — Ayumi cuspiu. — Agora você *me perdeu* de qualquer jeito!
Ele caiu de joelhos diante dela.
— Por favor, Ayumi... Eu te amo. Eu faria qualquer coisa para provar isso.
Ela olhou para ele, o coração dividido entre amor e traição.
E então, como se o destino zombasse dela, uma nova batida na porta.
Mais urgente. Mais agressiva.
Renji se levantou rapidamente, indo até a janela.
— Merda. — Ele empalideceu. — São eles. A gangue de Kaito. Eles vieram terminar o que começaram.
Ayumi olhou para a porta, depois para Renji.
O amor ainda queimava dentro dela. Mas a decepção era uma ferida aberta.
— O que vamos fazer? — ela sussurrou.
Renji pegou a arma de Ayumi, verificando as balas.
— Vamos lutar.
Ayumi engoliu o medo.
Talvez ele tivesse um passado manchado. Talvez ela nunca soubesse toda a verdade. Mas naquele momento, a única coisa certa era que ela ainda o amava.
E não deixaria que ele morresse.
**
O primeiro disparo atravessou a porta, estilhaçando a madeira.
Renji puxou Ayumi para trás do sofá, protegendo-a com o corpo.
— Saída de emergência! — gritou ele.
Ayumi correu para a cozinha, chutando uma grade velha que cobria uma janela. Eles passaram por ali, caindo na viela dos fundos.
Tiros zumbiam ao redor como abelhas furiosas.
Eles correram.
Ayumi sentia o pulmão queimar, as pernas ameaçando falhar.
Mas parou de repente.
Hayato estava ali.
Com uma arma apontada para eles.
— Hayato?! — gritou Ayumi, perplexa.
O olhar de Hayato era frio, duro como pedra.
— Acabou, Renji.
Renji ergueu as mãos devagar.
— Então era você — disse ele, a voz amarga. — Sempre foi você.
Ayumi olhou de um para outro, sem entender.
— O quê?
Renji riu sem humor.
— Hayato não estava apenas me ajudando. Ele estava me entregando. Para limpar a própria barra com a polícia... e com o resto da gangue.
Ayumi sentiu o choque atravessar seu corpo como um raio.
— Hayato... é verdade?
Hayato não respondeu. Apenas gesticulou com a arma.
— Joguem as armas no chão.
Ayumi olhou para Renji. Ele assentiu.
Eles largaram a arma.
Hayato se aproximou, um leve sorriso vitorioso no rosto.
— Você devia ter continuado morto, Renji.
Mas antes que pudesse atirar, uma sombra surgiu por trás dele.
Um golpe rápido.
Hayato caiu no chão, inconsciente.
Era Kaori — a amiga de infância de Ayumi, que ela não via há meses.
— Vocês vão ficar bem? — perguntou Kaori, ofegante.
Ayumi mal conseguia processar.
— O que...?
Kaori sorriu, um sorriso triste.
— Eu sempre estive de olho em você, Ayumi. Sabia que ele não era confiável.
Ela se virou para Renji.
— E você... ainda tem muito a pagar.
Renji baixou a cabeça.
Ayumi caiu de joelhos, exausta, em choque.
Kaori se ajoelhou ao lado dela.
— Acabou — murmurou.
Mas Ayumi sabia que não. Não para ela.
O amor que sentia por Renji estava agora entrelaçado com dúvidas, medo e cicatrizes.
Ela fechou os olhos, sentindo as lágrimas correrem.
Sabia que, de alguma forma, essa história estava apenas começando.
E que as sombras do passado nunca desaparecem de verdade.
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Atualizado até capítulo 53
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