O dia seguinte começou como todos os outros: silêncio opressor nos corredores da mansão De Luca. Sara descia para o café da manhã sozinha, manobrando sua cadeira de rodas pelo corredor largo. As tábuas antigas do piso rangiam levemente sob as rodas, um som que parecia ecoar em contraste com o silêncio da casa.
No salão de jantar, a mesa extensa parecia uma provocação ao vazio. Apesar de sua determinação em se adaptar ao novo ambiente, Sara sentia as dificuldades impostas pela falta de acessibilidade em cada detalhe: portas pesadas demais, degraus estratégicos que limitavam sua passagem. Ela não reclamava, mas a governanta da casa, Dona Helena, percebia suas lutas diárias. Dona Helena, uma mulher na casa dos 60 anos, aproximou-se discretamente.
— Senhora De Luca, posso fazer algo para ajudá-la? — perguntou Dona Helena, aproximando-se quando Sara lutava para alcançar uma xícara na mesa.
— Está tudo bem, Dona Helena. Já estou acostumada a lidar com isso — respondeu Sara com um sorriso pequeno, mas sincero..
A governanta hesitou, mas decidiu não insistir. Em seu tempo de trabalho na casa, já havia visto muito, mas nunca alguém como Sara: resiliente, mas cercada por uma frieza que parecia sufocar sua força.
— Se precisar de algo, estarei por perto.
Quando Dona Helena saiu, Sara voltou a encarar a xícara de chá. As palavras da noite anterior ainda ecoavam em sua mente. O som abafado de risos vindo do escritório de Samuel, o tom provocador de Geovana, e o olhar frio de seu marido quando ele a ignorou completamente ao cruzar os corredores.
Aquele casamento não era apenas infeliz; era insuportável.
Mais tarde, Sara encontrou a estufa escondida nos jardins. Ela precisou de algum esforço para manobrar sua cadeira de rodas pelo caminho de pedras, mas a determinação sempre vencera. Dentro do pequeno espaço quente e acolhedor, encontrou um refúgio.
Plantas exóticas cresciam em vasos e treliças, e o cheiro de terra úmida preenchia o ar. Uma pequena mesa com ferramentas de jardinagem estava no canto, ao lado de um banco de madeira. Pela primeira vez desde que chegara à mansão, Sara sentiu-se à vontade.
Ela passou as mãos por uma planta de folhas largas, observando os detalhes com curiosidade. Não tinha nada para fazer ali, mas a ideia de cuidar de algo — mesmo que fosse uma planta — parecia promissora.
Depois de tempo, enquanto mexia na terra úmida de uma planta esquecida, Samuel apareceu de repente.
— Não sabia que você gostava de plantas — disse ele, observando-a com uma expressão que oscilava entre a curiosidade e a indiferença.
Sara limpou a mão na calça, virando-se para encará-lo.
— Gosto de lugares onde posso fazer algo crescer — respondeu ela, deixando implícito que a mansão não era um deles. — Não sabia que você tinha uma estufa — respondeu Sara, mantendo o tom neutro.
Samuel deu de ombros, entrando no espaço.
— Foi ideia da minha mãe. Ela adorava jardinagem. Depois que ela morreu, o lugar ficou meio esquecido.— Minha mãe amava isso aqui. Eu nunca entendi por quê.
— Talvez porque cuidar das plantas seja uma forma de esquecer o mundo por um tempo — disse Sara, voltando a mexer na planta à sua frente.— É um lugar bonito. Seria uma pena deixá-lo assim.
— Você pode usar, se quiser — disse ele, sem emoção. — É sua casa agora, afinal.
Sara conteve a vontade de responder que aquilo nunca pareceria um lar para ela.
— Obrigada — disse apenas, baixando os olhos para as plantas.
O silêncio pairou entre eles por um momento. Samuel, por mais distante que parecesse, não pôde deixar de notar o esforço que ela fazia para parecer à vontade, mesmo em um ambiente que claramente não fora feito para ela.
— Você é mais teimosa do que eu pensei — comentou ele, antes de sair da estufa.
Sara o assistiu partir, sentindo que, apesar das palavras frias, algo nele havia mudado, ainda que minimamente.
Naquela noite, o jantar foi diferente. Samuel apareceu à mesa, uma raridade desde o casamento. Ele estava quieto, mas sua presença já era um evento.
Sara não sabia o que esperar, então decidiu manter-se neutra, comendo em silêncio enquanto Samuel verificava o celular entre uma garfada e outra.
— Como foi seu dia? — perguntou ele, de repente, sem tirar os olhos do aparelho.
Sara o olhou, surpresa com a tentativa de conversa.
— Foi... tranquilo. Passei um tempo no jardim.
— Na estufa?
— Sim. É um lugar interessante. Acho que poderia fazer algo com aquele espaço.
Samuel ergueu os olhos do celular por um breve momento, analisando-a como se tentasse decifrá-la.
— Boa sorte.
O tom seco não passou despercebido, mas Sara optou por ignorar. Não valia a pena discutir com alguém que claramente não estava interessado em construir uma relação.
Enquanto explorava a mansão, Sara encontrou desafios em todos os cantos. A biblioteca, por exemplo, tinha estantes altas que ela mal conseguia alcançar. Mesmo assim, insistiu em passar um tempo ali, buscando algo que pudesse distraí-la da realidade sufocante do casamento.
Samuel a encontrou lá, manuseando um álbum de fotos antigo que ela havia encontrado. Ele entrou na sala, observando-a com curiosidade.
— O que está fazendo? — perguntou ele.
Sara ergueu o álbum.
— Tentando entender quem é você, já que parece fazer questão de esconder isso de mim.
Samuel estreitou os olhos, mas não respondeu imediatamente. Em vez disso, aproximou-se, tirando o álbum das mãos dela.
— Não há nada aqui que você precise saber — disse ele, colocando o álbum de volta na prateleira.
Sara ergueu uma sobrancelha, ajeitando a cadeira para se aproximar dele.
— Então vou perguntar: por que você age como se minha presença aqui fosse um fardo?
Samuel ficou em silêncio, surpreso com a audácia da pergunta.
— Porque você não deveria estar aqui, Sara. Esse casamento foi um erro, e ambos sabemos disso.
— Talvez você esteja certo — respondeu ela, encarando-o. — Mas não sou eu quem está fugindo de tudo.
A resposta de Sara o deixou sem palavras por um momento, antes que ele deixasse a sala sem olhar para trás.
Sara sabia que não era apenas sua condição física que tornava sua presença um desafio para Samuel. Era sua determinação em ser vista e ouvida, mesmo em um ambiente que tentava constantemente apagá-la.
E ela não iria desistir tão facilmente.
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Atualizado até capítulo 49
Comments
Josilda Maria
muito bem sara mostre pra esse babaca quem vc é.
2025-02-02
0
Vera Lúcia Vieira
que cara sem noção aff ninguém merece
2025-02-03
0
Dinanci Macorin Ferreira
Amando autora Sara está reagindo a tudo muito bem.
2025-02-06
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