Capítulo 1 - O Fim do Império

O som da chuva pesada ecoava pelas janelas da mansão Miller, acompanhando o silêncio tenso que pairava na sala principal. As luzes do enorme lustre de cristal ainda brilhavam, mas a grandiosidade que um dia definira aquela casa estava se desintegrando. As paredes tinham manchas de infiltração, e o carpete, uma vez impecável, agora exibia sinais de desgaste. Tudo era uma metáfora perfeita para a situação da família.

Sara Miller estava parada próxima à janela, observando as gotas de água que escorriam pelo vidro. Sua cadeira de rodas estava levemente inclinada, e ela segurava com força os braços da cadeira, sentindo-se como uma peça fora do lugar. Seu corpo estava imóvel, mas sua mente não parava.

Sua meia-irmã, Ariel, estava sentada no sofá ao lado dos pais, com a postura de quem carregava o mundo nas costas – ou ao menos gostava de fingir que o fazia. Ariel era o centro de tudo naquela família. Linda, loira e cheia de charme, sempre fora a estrela. Sara, por outro lado, era o retrato do esquecimento, a filha que nunca deveria ter existido, fruto de um caso secreto de seu pai.

O patriarca da família, Richard Miller, suspirou profundamente, passando as mãos pelos cabelos grisalhos. Ele parecia mais velho do que realmente era, esmagado pelo peso das decisões que havia tomado. Ao seu lado, Clara Miller, sua esposa, mantinha o rosto impassível, mas os olhos traiam sua ansiedade.

— Não há outra saída — disse Richard, rompendo o silêncio. Sua voz era grave, carregada de uma melancolia que parecia ecoar pelo ambiente. — O casamento é nossa única chance.

Ariel ergueu os olhos, com uma expressão de desdém.

— Um casamento de conveniência? É isso que vocês querem para mim? — Sua voz era carregada de indignação.

— Você não entende a gravidade da situação, Ariel — respondeu Clara, com frieza. — Estamos falidos. Se não fizermos algo agora, perderemos tudo.

Sara, que permanecia em silêncio até aquele momento, sentiu um nó se formar em seu estômago. A falência da família não era novidade para ela. Há meses, os cortes no estilo de vida haviam se tornado evidentes, embora ninguém ousasse falar sobre o assunto. Mas agora, ouvir aquilo tão explicitamente fez a realidade parecer mais cruel.

— E por que isso é minha responsabilidade? — Ariel cruzou os braços, sua expressão de desgosto ficando ainda mais evidente. — Por que não vendem a empresa? Ou a casa?

— Ninguém quer comprar uma empresa à beira do colapso, Ariel — respondeu Richard, o tom de voz mais áspero. — E essa casa é a única coisa que nos resta para manter as aparências.

Clara interveio, tentando soar conciliadora.

— Samuel De Luca está disposto a ajudar. Ele concordou em casar-se com você, Ariel, e o dote que ele oferecerá será suficiente para saldar nossas dívidas. É uma oportunidade que não podemos recusar.

O nome Samuel De Luca pairou no ar como uma sentença. Sara já havia ouvido falar dele: o herdeiro de um dos maiores bancos da cidade. Rico, poderoso e... temido. Diziam que ele era um homem frio, calculista, com um olhar que penetrava a alma. Era difícil imaginar Ariel, sempre livre e cheia de vontades, casada com alguém assim.

— Isso é ridículo! — Ariel se levantou abruptamente, encarando os pais. — Vocês querem vender minha vida por dinheiro? Isso é um absurdo, até mesmo para vocês.

Clara se aproximou dela, segurando suas mãos.

— Ariel, querida, você não está entendendo. Esse casamento não é apenas sobre dinheiro. É sobre salvar nossa família. Pense no que isso significa. Pense no legado dos Miller.

Ariel soltou as mãos da mãe com um movimento brusco.

— O legado dos Miller? Vocês deveriam ter pensado nisso antes de arruinar tudo.

O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Sara, ainda próxima à janela, sentiu a tensão no ar aumentar. Queria falar, mas sabia que não havia espaço para ela naquela conversa. Não havia nunca.

— Eu não vou fazer isso — Ariel finalmente declarou, sua voz cortante. — Não vou me casar com um homem que não amo.

— Você não tem escolha — Richard respondeu, com firmeza. — Já estamos negociando os termos.

Ariel olhou para os pais com uma mistura de raiva e desespero, mas antes que pudesse responder, saiu da sala, batendo os saltos no chão como um protesto.

Sara permaneceu em silêncio, observando a cena. Sentia um aperto no peito, mas não era surpresa. Ariel sempre fora a prioridade, sempre o centro das atenções. Agora, ela era a única capaz de salvar a família. Ou ao menos, era o que os pais pensavam.

— Sara.

A voz de sua mãe interrompeu seus pensamentos. Clara virou-se para ela, o olhar frio e calculista que Sara conhecia tão bem.

— Você precisa apoiar sua irmã nisso.

Sara assentiu levemente, embora soubesse que não havia nada que pudesse fazer. Ninguém nunca ouvia o que ela tinha a dizer.

Enquanto a chuva continuava a cair do lado de fora, Sara sentiu que aquele era apenas o começo de algo muito maior. Algo que mudaria suas vidas para sempre.

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