Riffs, Escândalos e Segredos

Aria

O som do meu celular vibrando sobre a mesa de cabeceira me desperta de um sono inquieto. Meus olhos ainda pesados focam na tela, onde o nome de Harper, minha assessora, pisca. Apesar da vontade de ignorar, algo me diz que deveria atender. Não é o estilo dela me mandar mensagens tão cedo sem motivo.

Com um suspiro, deslizo o dedo pela tela e leio:

-Dê uma olhada nos sites de fofoca. Agora.

Franzo o cenho, minha mente ainda nebulosa pela manhã. Sento-me na cama e abro o navegador, digitando o nome de Liam no campo de busca. A resposta é instantânea e, de repente, estou encarando uma coleção de manchetes gritantes:

“Novo casal sensação? Liam Ashford e Aria Black roubam os holofotes com química explosiva!”

“Aria Black em um romance tórrido com o vocalista da Nocturnal Echo!”

“O beijo que ninguém esperava: Liam e Aria protagonizam momento inesquecível!”

As fotos estão por toda parte. Nós dois saindo do clube de mãos dadas, o beijo intenso sob as luzes pulsantes, e até mesmo momentos que pareceriam insignificantes se não fossem capturados de ângulos perfeitos. O pior é que, apesar de tudo ser encenação, cada clique parece incrivelmente... genuíno.

Meu coração acelera ao olhar para as imagens. Não deveria me afetar. Faz parte do acordo. Mas algo naquela noite ainda está comigo, como se não tivesse ficado completamente no passado.

Deslizo a tela e vejo o número de chamadas perdidas. Dez. Quinze. Talvez mais. Todas de números desconhecidos, provavelmente jornalistas ávidos por uma declaração. Meu estômago revira com a ideia de responder a qualquer uma dessas chamadas. Apesar de ser atriz há anos, é a primeira vez que meu nome está tão exposto.

Minha carreira sempre foi discreta. Escolho os papéis com cuidado, evitando o tipo de escândalo que domina manchetes como essas. Isso aqui? É um território desconhecido.

Jogo o celular na cama, massageando minhas têmporas. É desconfortável, mas faz parte do plano. Se essa relação de fachada é o que vai salvar a imagem de Liam e, por tabela, trazer mais visibilidade para o meu trabalho, preciso me acostumar. Não tenho outra escolha.

Ainda assim, há algo inquietante nisso tudo. Não é a mídia ou os paparazzi. É ele. Liam.

A intensidade dos olhos dele, o jeito como sua presença parece preencher todo o ambiente. Estar ao lado dele... é diferente. Ele é diferente. E isso, mais do que qualquer manchete ou ligação, é o que me assusta.

Engulo em seco e pego o celular novamente, respirando fundo antes de mandar uma mensagem para Harper:

“Estou vendo. Preciso fazer algo ou deixo rolar?”

A resposta dela chega quase instantaneamente:

“Deixe rolar. Você está ótima nas fotos. Lembre-se: é isso que eles querem. Aproveite a onda.”

Claro. Aproveitar a onda. Como se fosse tão simples quanto ela faz parecer.

Respiro fundo e coloco o celular de lado, tentando afastar os pensamentos. Mas, mesmo enquanto me levanto para me preparar para o dia, há um nome que não sai da minha cabeça.

Liam.

Meu celular vibra novamente sobre a cama. Ainda estou me esforçando para afastar o torpor da manhã, mas pego o aparelho, pensando que é mais uma mensagem da Harper. Para minha surpresa, o nome que aparece na tela é Liam Ashford.

Franzo a testa, confusa. Tenho certeza de que nunca dei meu número para ele. Abro a mensagem e, claro, lá está a explicação, tão casual quanto típica de Liam:

“Peguei seu número com sua assessora. Antes que me chame de intrometido, lembre-se que somos um casal agora, Black. Isso inclui um canal de comunicação direto. Você está acordada?”

Dou uma risada baixa, balançando a cabeça. É exatamente o tipo de coisa que ele faria. Antes que eu possa digitar uma resposta, outra mensagem chega:

“Estou indo ensaiar com os caras. Quer vir? Eles estão ansiosos para conhecer mais sobre a ‘nossa’ Aria Black.”

Por alguma razão, as aspas em torno de “nossa” me deixam levemente desconfortável, mas ignoro o sentimento.

“Tudo bem. Que horas?”

A resposta dele é rápida, quase imediata:

“Te espero no saguão em 20 minutos. Podemos tomar café antes de irmos.”

Respiro fundo, deixando o celular de lado enquanto me levanto. A ideia de conhecer mais sobre o mundo de Liam e da banda me intriga. Além disso, é bom manter as aparências.

Caminho até o banheiro para minha higiene matinal, escovando os dentes e lavando o rosto com água fria, que ajuda a clarear minha mente. Depois, escolho algo confortável, mas estiloso, afinal, ainda sou uma atriz sendo observada. Opto por uma blusa branca básica de tecido leve, uma jaqueta de couro preta para dar um toque mais moderno, calça skinny jeans azul-escura e botas de cano curto. Simples, mas funcional. Solto o cabelo, que cai em ondas sobre os ombros, e aplico uma maquiagem leve.

Quando desço até o saguão, vejo Liam sentado em uma poltrona próxima à entrada, mexendo no celular. Ele está usando uma camiseta preta justa, que revela as tatuagens nos braços, e jeans rasgados. Seus óculos de sol descansam no colarinho da camisa, e ele parece relaxado, mas atento ao que acontece ao redor.

-Você é pontual, Black. Gosto disso- ele comenta, levantando-se ao me ver. Seu sorriso é casual, mas há algo nos olhos dele que é difícil de decifrar.

-Primeira impressão é a que fica, não é?-retruco, tentando igualar seu tom.

Ele ri, abrindo caminho para que eu o acompanhe até a área de café da manhã. Escolhemos uma mesa perto da janela, onde o sol já começa a iluminar a cidade.

Enquanto comemos, o silêncio entre nós é confortável. Ele faz alguns comentários sarcásticos sobre os pratos disponíveis, e eu percebo como é fácil conversar com ele quando ele está de bom humor. É quase... natural.

-Os caras vão te bombardear de perguntas-ele avisa, entre um gole de café e outro.

-Eles acham fascinante a ideia de você estar nessa ‘grande aventura’ conosco.

-É, porque fingir ser sua namorada soa como a viagem dos sonhos- respondo

Ele sorri, mas não rebate. Em vez disso, parece genuinamente entretido.

Após o café seguimos até um carro que nos espera na entrada principal

O trajeto até o estúdio é rápido. Enquanto o carro desliza pelas ruas movimentadas de Barcelona, a cidade parece pulsar, como se ecoasse a energia da noite anterior. Estou nervosa, embora não vá admitir isso nem para mim mesma.

Quando chegamos, o prédio do estúdio é discreto, quase insignificante por fora. O letreiro mal iluminado, as paredes simples e os grafites que quase cobrem uma das laterais não denunciam o que acontece lá dentro.

-É aqui. Nossa base improvisada por enquanto- Liam comenta enquanto desce do carro. Ele me dá um olhar de canto.

-Não espere nada cinco estrelas.

-O alarme de glamour já tinha disparado no caminho-respondo, em tom de brincadeira.

Liam ri baixo, um som curto, mas genuíno, e segura a porta para que eu entre.

A sala principal é modesta, mas funcional. As paredes estão forradas com painéis acústicos pretos e cinzas. Há uma mesa cheia de cabos e equipamentos em um canto, além de garrafas de água espalhadas por todo lado. Um sofá surrado está estrategicamente colocado no centro da sala, onde imagino que muitas decisões importantes — e provavelmente algumas brigas — aconteçam.

-Ah, a nossa estrela chegou- Felix anuncia assim que me vê. Ele está afinando o baixo, e seu tom é casual, como se estivéssemos em um pub, não em um estúdio.

-Pensei que a estrela fosse você- retruco, jogando o peso do corpo para um lado.

-Ouvi dizer que o baixista sempre rouba a cena.

Ele sorri, um daqueles sorrisos que diz: Você entende o jogo.

-Ela é esperta- ele diz para Liam, apontando com o queixo na minha direção.

-Talvez esperta demais.

Cole está encostado em um dos amplificadores, mexendo nas cordas da guitarra. Ele ergue os olhos para mim e me dá aquele sorriso descontraído que parece ser sua marca registrada.

-Sobreviveu à tempestade de ontem?

-Por enquanto- digo.

-Então acho que está pronta para o furacão de hoje.

Jasper está ajustando o pedal do bumbo da bateria. Ele levanta a cabeça quando ouve a conversa, mas não diz nada de imediato. Seu olhar é observador, como se estivesse captando algo que ninguém mais percebeu.

-Seja bem-vinda ao circo- ele comenta, finalmente.

-Circo é uma boa definição- Harper responde, entrando logo atrás de mim.

Ela mandou me mandou uma mensagem falando que também viria para o estúdio

 Sua presença domina a sala imediatamente. Ela está impecável, como sempre, usando um vestido ajustado azul-marinho e saltos baixos que fazem parecer que ela está em uma reunião corporativa, não em um estúdio de rock.

-Harper- Cole a cumprimenta com familiaridade, mas mantém o tom leve.

-E eu achando que só te veria em ocasiões formais.

-Considerando que estou trabalhando, isso aqui é formal- ela responde sem perder o ritmo.

Felix observa a interação de longe e lança um sorriso enviesado.

-Vocês dois têm alguma aposta secreta acontecendo? Parece um duelo de egos aqui.

-Se tivéssemos, eu já teria ganhado- Harper retruca, secamente.

O ambiente é descontraído, mas há uma química nítida entre todos. Harper é profissional, mas não completamente imune ao charme de Cole. Felix observa tudo com um humor seco, enquanto Jasper permanece em segundo plano, participando de forma sutil, mas eficiente.

Quando o ensaio começa, o estúdio ganha vida. A música preenche o espaço, e é como se tudo ao redor desaparecesse. Liam segura o microfone com a confiança de quem pertence ao palco, mesmo em um ambiente tão pequeno quanto este. Sua voz rouca e cheia de emoção é impossível de ignorar.

Cole parece em seu elemento, os dedos deslizando pelas cordas com a precisão de alguém que conhece bem seu instrumento. Felix mantém o ritmo com o baixo, o rosto calmo, mas os pés marcando cada nota. Jasper, apesar de quieto, comanda a bateria com intensidade, cada batida soando como o coração pulsante da música.

Eu fico sentada no sofá, completamente imersa, enquanto Harper trabalha no celular ao meu lado. De vez em quando, ela levanta os olhos, olhando disfarçadamente para Cole

Depois de quase uma hora e meia de ensaio, a banda finalmente faz uma pausa.

-E aí, o que achou?- Liam pergunta, segurando uma garrafa de água enquanto se aproxima.

-Vocês são bons- respondo, tentando não soar muito impressionada.

-Só ‘bons’?- ele provoca, arqueando uma sobrancelha.

-É o máximo que você vai arrancar de mim por enquanto.

Felix se junta à conversa, ainda com o baixo pendurado.

-Aria está jogando seguro. Vai ver que ela não quer inflar nosso ego.

-Vocês já têm egos grandes o suficiente,” Harper comenta de longe, sem desviar os olhos do celular.

Cole se senta ao lado dela, despreocupado, e pega uma garrafa d’água.

-E você, Harper? O que achou ?

-Competente- ela responde.

Cole inclina-se ligeiramente para Harper, apoiando um braço casualmente no encosto do sofá ao lado dela.

-Competente, hein? Isso soa como algo que você diria sobre um relatório de mercado, não sobre uma performance artística- ele provoca, um sorriso brincalhão dançando em seus lábios.

Harper desvia os olhos do celular e o encara por um momento, claramente avaliando se vale a pena entrar na discussão.

-Competente é um elogio quando você não espera nada além de caos- ela responde, ajustando o tom para parecer impassível, mas há um brilho desafiador em seus olhos.

-Caos?- Cole finge estar ofendido, colocando a mão no peito.

-Isso porque você só nos viu no palco. Deveria ver o que acontece na van durante a turnê.

-Obrigada, mas prefiro manter alguma sanidade mental- Harper responde rapidamente, mas há um pequeno sorriso que ela não consegue esconder.

-Ah, isso não é justo-Cole continua, claramente se divertindo.

-Você ainda nem nos deu uma chance. Que tal um café depois do show de amanhã? Prometo me comportar.

-Você?- Harper ergue uma sobrancelha, cética. -Comportado? Essa eu quero ver.

Os dois se encaram por um momento, e a tensão sutil na troca de olhares não passa despercebida. Eu, sentada no sofá próximo, observo a interação com interesse. Há algo entre eles, algo que vai além das provocações. É quase palpável, mas Harper mantém sua postura firme e profissional, enquanto Cole parece adorar cada segundo de arrancar qualquer reação dela.

Liam, ao meu lado, cruza os braços e lança um olhar rápido para mim, como se também tivesse percebido a química evidente. Mas ele não diz nada, apenas volta sua atenção para o grupo, uma expressão de leve curiosidade ainda pairando no rosto.

Enquanto isso, meu celular vibra em cima da mesa, quebrando o momento. Eu pego o aparelho, e um número desconhecido pisca na tela.

-Jornalistas- murmuro, revirando os olhos enquanto rejeito a chamada.

Apenas alguns segundos depois, ele vibra novamente.

-Talvez devesse atender- Liam sugere, um toque de sarcasmo em sua voz.

-Vai que é algo importante, tipo um convite para um reality show.

-Engraçado-respondo, rejeitando a chamada pela segunda vez.

O celular vibra pela terceira vez.

Agora Felix ergue uma sobrancelha de onde está, encostado em um amplificador.

-Isso está ficando insistente. Quem quer que seja, provavelmente não vai desistir.

-Ou pode ser só alguém desesperado para vender um seguro de vida- Cole comenta, rindo.

-Talvez seja mesmo importante-Liam insiste, mas dessa vez sua voz soa um pouco mais séria. -Vai lá, atende. Assim, pelo menos, a gente para de especular.

Relutante, suspiro e me levanto do sofá. Saio do estúdio, tentando ignorar os olhares curiosos, e deslizo o dedo na tela para atender.

“Alô?”

Por um instante, há apenas silêncio do outro lado da linha. Então, uma voz que reconheço imediatamente atravessa o fio.

“Aria.”

Meu corpo congela. Eu conheço essa voz. É grave, familiar, carregada de um peso que eu p achei ter deixado para trás.

“Tom.”

O mundo ao meu redor parece diminuir, e tudo o que resta é a tensão na minha garganta e o som da sua respiração do outro lado da linha.

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