Nos Bastidores Da Noite

Aria

O carro desliza suavemente pelas ruas iluminadas, o burburinho da festa se apagando ao fundo enquanto seguimos de volta para o hotel. Liam está ao meu lado, quieto pela primeira vez na noite. O silêncio entre nós não é exatamente desconfortável, mas tem um peso, como se algo não dito pairasse no ar.

Eu apoio minha cabeça no vidro da janela, observando as luzes da cidade passarem como borrões. O sono começa a pesar sobre mim, mas não o suficiente para desligar a confusão em minha mente. Meu coração ainda está acelerado, o som da risada dele ecoando na minha memória, o toque quente da mão dele ainda presente na minha pele.

-Cansada?- A voz dele, rouca e baixa, corta o silêncio.

-Um pouco- admito, virando o rosto para ele. Liam está recostado no banco, os braços cruzados. A iluminação da rua projeta sombras sutis sobre suas feições, tornando-o ainda mais difícil de decifrar.

-Foi uma noite longa- ele comenta, com um leve sorriso no canto dos lábios, mas há algo nos olhos dele que parece distante, como se sua mente estivesse em outro lugar.

-Você parece... cansado também-digo, hesitando.

-Isso não é normal para você?

Ele ri, um som baixo e irônico.

-Normal? Nada disso é normal, Aria. Nem shows, nem festas, nem... isso.- Ele faz um gesto vago entre nós.

-Você aprende a fingir que é.

Fico em silêncio por um momento, observando-o. Há algo em suas palavras, no tom, que soa mais honesto do que qualquer outra coisa que ele tenha dito.

-Então por que fazer isso? Se não parece normal... por que continuar?- Minha voz sai mais suave do que eu esperava, quase como se eu não quisesse assustá-lo.

Ele me olha, e por um momento, penso que ele vai desviar o olhar ou soltar uma de suas respostas sarcásticas. Mas ele não faz isso.

-Porque, às vezes, é tudo o que você conhece. O palco, a banda... eles são a única coisa que fazem sentido quando o resto desmorona.

Há algo em seu tom que faz meu peito apertar. Tento ignorar, me convencendo de que isso não é problema meu, mas não consigo evitar a curiosidade.

-O resto?- arrisco, sem realmente esperar que ele responda.

Ele respira fundo, olhando para frente, os olhos fixos em algum ponto invisível à distância.

-O resto é confuso. Famílias. Expectativas. Gente que quer te moldar em algo que você não é.- Ele faz uma pausa, e o silêncio volta a preencher o carro.

-A banda... a música... é a única coisa que ninguém pode tirar de mim.

Não sei o que dizer. As palavras dele soam tão cruas que sinto como se estivesse invadindo um espaço que não deveria. Mas, ao mesmo tempo, há uma vulnerabilidade ali que me faz querer dizer algo, qualquer coisa, para quebrar aquela barreira.

-Talvez isso seja o que nos torna parecidos- digo finalmente, a voz mais baixa.

Ele levanta uma sobrancelha, a curiosidade evidente no olhar.

-Como assim?

-Essa... necessidade de provar algo. De ser algo mais. Eu só... faço isso de uma forma diferente.- Minha própria confissão me pega desprevenida, mas não desvio o olhar.

Ele não responde imediatamente. Apenas me observa, o olhar intenso como se estivesse tentando entender algo.

-Talvez você tenha razão- ele diz, com um meio sorriso.

-Ou talvez você só esteja tentando me fazer sentir melhor.

-Sarcasmo de novo?-pergunto, tentando aliviar a tensão.

-É meu idioma principal.

Quero rir, mas não consigo. Há algo nesse momento que parece mais real do que deveria. Antes que eu possa pensar muito sobre isso, o carro para na entrada do hotel.

...

O motorista abre a porta, e Liam sai primeiro, oferecendo a mão para me ajudar a descer. Tento ignorar o calor familiar que percorre minha pele quando nossos dedos se tocam.

No saguão, o silêncio volta a nos envolver.

Estive aqui nesse mesmo ontem mais cedo para fazer o meu check-in e colocar as malas no quarto, cheguei em Barcelona as seis da manhã

 Caminhamos até o elevador, ainda próximos, mas sem dizer uma palavra. Ele aperta o botão do meu andar primeiro, e quando as portas se abrem, ele finalmente fala:

-Boa noite, Aria.

Há algo diferente na maneira como ele diz meu nome. Quase suave demais. Quase... honesto demais.

-Boa noite, Liam- respondo, saindo antes que eu mesma possa ler mais do que deveria naquele momento.

Enquanto caminho pelo corredor até meu quarto, sinto meu coração ainda batendo em um ritmo que não consigo explicar. Tento me convencer de que é só cansaço. Só o efeito residual da noite.

Tomo um banho e vou para a cama

Mas, deitada na cama, as palavras dele continuam ecoando na minha cabeça, e percebo que não estou tão convencida assim.

Liam

A porta do quarto de hotel se fecha atrás de mim com um clique que parece alto demais para o silêncio. A noite foi longa, intensa, e exaustiva — como quase todas são. Eu deveria estar acostumado a isso, mas, honestamente, acho que ninguém realmente se acostuma.

Solto um suspiro pesado, jogando a chave do quarto sobre a mesinha de canto. Por um breve momento, o silêncio é quase insuportável. Não o tipo de silêncio confortável, mas aquele que carrega o peso de pensamentos que você tenta evitar.

Caminho até o armário, tirando a camiseta com um movimento impaciente e jogando-a em uma cadeira próxima. A calça jeans segue o mesmo destino. Pego uma bermuda e uma cueca limpa. Não preciso de nada além disso.

O banheiro está frio, o cheiro de limpeza é estéril demais, mas ligo o chuveiro e deixo a água quente escorrer pelo meu corpo. A sensação é boa, mas não o suficiente. Não limpa o cansaço real, o peso nos ombros que parece sempre estar lá.

Aria.

A imagem dela invade minha mente. Estranho como, mesmo com toda a exaustão, estar com ela foi... fácil. Diferente. Não há aquele olhar reverente, como se eu fosse algo maior do que sou. Talvez seja porque ela conhece essa parte da fama, o lado que te consome, que transforma tudo em um teatro interminável.

Termino o banho, me seco rapidamente e coloco a bermuda. Não faço questão de vestir mais nada. Estou sozinho aqui, afinal.

Vou até minha mochila e pego o cigarro que já estava lá. Não é um cigarro comum, e eu sei que deveria parar. Já tentei tantas vezes, mas sempre acabo voltando. É como se isso fosse a única coisa que realmente me desligasse, mesmo que por pouco tempo.

Acendo o cigarro e me jogo na cama, deixando a fumaça se espalhar pelo quarto. A tensão nos ombros começa a aliviar, mas não desaparece completamente. Nunca desaparece.

Meu pai. Minha mãe. É engraçado, de um jeito amargo, como essas coisas ficam com você. Meu pai morreu cedo demais, uma overdose que eu era jovem demais para entender na época. Minha mãe? Bom, ela ainda está por aí, vivendo o desastre que sempre foi. Ela me ofereceu minha primeira droga, sabia? Eu tinha 8 anos. Ainda consigo lembrar do olhar vazio dela, das palavras dela, como se estivesse me ensinando algo importante.

Hoje em dia, ela vive me procurando, sempre atrás de dinheiro. Não dou nada a ela, e nunca vou dar. Mas isso não significa que eu não ouça a voz dela toda vez que pego um cigarro desses. É como se ela estivesse ali, lembrando que, no fundo, eu sou mais parecido com ela do que quero admitir.

Já usei drogas mais pesadas ao logo da minha vida , mas hoje em dia só uso maconha

Tento afastar os pensamentos, mas eles vêm como uma onda, implacáveis. O sucesso não muda o fato de que, às vezes, eu só quero fugir de tudo isso. Dos shows, da pressão, das expectativas. Até mesmo da banda, embora eu nunca admitisse isso em voz alta.

E, ainda assim, esta noite foi... diferente. A lembrança de Aria volta. O jeito como ela me olhava, não como Liam Ashford, vocalista de uma banda famosa, mas como uma pessoa normal. Talvez seja isso que me deixou confortável. Ou talvez seja perigoso, porque me senti quase à vontade.

Dou mais uma tragada, o gosto amargo preenchendo minha boca, antes de esmagar o resto do cigarro no cinzeiro ao lado da cama. O cansaço começa a me puxar, mas não sei se o sono vai vir fácil. Nunca vem.

Amanhã, será outro show. Outra festa. Outro papel para interpretar. É assim que tem que ser, não é?

Fecho os olhos e deixo o silêncio me envolver novamente, enquanto as luzes da cidade ainda piscam do lado de fora.

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Comments

Bruna Carolina

Bruna Carolina

Poxa Liam que vida triste essa sua!!! Espero que Ária traga mais leveza e paz pro seu coração. Autora estou ansiosa pelos próximos capítulos!!!

2025-01-28

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