Eu nunca amei Gael. Não daquele jeito que deveria. Nosso relacionamento era mecânico, sem paixão. Era mais uma rotina do que qualquer outra coisa. Mesmo assim, a morte dele me atingiu. Não por nós, mas pelos pais dele. Eles são pessoas maravilhosas que não mereciam passar por isso — muito menos perder um filho que, apesar de tudo, era ingrato e machista.
Agora, deitada no sofá da cobertura, a única coisa que tenho são perguntas. São tantas que parecem formar pontos de interrogação flutuando diante dos meus olhos. Tento juntar os pedaços, trazer de volta memórias que estão fragmentadas. Minha cabeça dói de tanto forçar, mas os flashes ainda são confusos.
Lembro de vozes. Conversas desconexas. Será que Gael estava falando com alguém? Acho que sim, mas não consigo ver rostos ou ouvir palavras claramente. Tudo se mistura, como se fosse um sonho ruim que não faz sentido.
A campainha tocou, tirando-me das minhas reflexões. Suspirei, sentindo a cabeça latejar, e me levantei do sofá, com o corpo ainda fraco e a mente zonza. Fui até a porta e desbloqueei com o dedo. Assim que abri, lá estava Marco, o irmão de Gael, parado na minha frente.
O chão pareceu desaparecer sob meus pés, e precisei me segurar no batente da porta para não cair.
— Amanda? Tá tudo bem? — perguntou ele, segurando meu braço com firmeza.
— S-sim... eu acho que sim, — murmurei, embora não tivesse certeza.
— Vem, vamos entrar.
Ele me conduziu até o sofá e se certificou de que eu estivesse confortável antes de desaparecer na cozinha. Quando voltou, trazia um copo d’água.
— Obrigada, — disse, pegando o copo e tomando um gole, tentando acalmar a cabeça que insistia em girar. — Sinto muito pelo Gael.
Assim que as palavras saíram da minha boca, percebi o peso delas. Marco franziu a testa, e meu coração disparou. Eu sabia que tinha sido indelicada, mas não sabia como consertar.
— Você não sente? — ele perguntou, a voz calma, mas com um toque de curiosidade.
Eu hesitei, meu olhar vagando até o copo em minhas mãos.
— C-claro que sinto, mas... — soltei um suspiro. — Você entendeu.
— Sim, — ele respondeu, depois de uma pausa, como se estivesse ponderando minhas palavras.
Assenti, mais para mim mesma do que para ele, e coloquei o copo sobre a mesinha de centro. Havia algo na presença de Marco que me deixava inquieta. Talvez fosse a semelhança com Gael — os traços parecidos, o tom de voz — ou talvez fosse o fato de que, mesmo diante da perda, ele parecia estar me observando de uma maneira que eu não conseguia decifrar.
Mas, por algum motivo, aquela sensação de inquietação não era algo que eu podia ignorar.
Eu estava tentando juntar os pedaços de um quebra-cabeça que parecia impossível de resolver. A verdade era que, por mais que minha mente tentasse reconstruir o que aconteceu naquela noite, tudo parecia um borrão, como se houvesse uma barreira que me impedia de lembrar.
A conversa com Marco não estava ajudando. Ele parecia desconfortável, e eu não sabia se era pela presença dele aqui, pela forma como Gael morreu, ou pelo que quer que ele estivesse pensando sobre mim.
Depois que ele se acomodou no sofá ao meu lado, ficamos em silêncio por alguns instantes. Era como se ambos estivéssemos dançando em torno de algo que não queríamos dizer.
De repente, Marco se levantou e começou a caminhar pelo apartamento. Ele parecia inquieto, como se quisesse dizer algo mas não soubesse como. Ao passar pelo corredor em direção ao banheiro, ele começou a assobiar.
E foi como se uma onda de choque atravessasse meu corpo.
A melodia. Aquela mesma melodia.
Minha cabeça começou a latejar, e flashes de memória começaram a se formar, um após o outro, como cenas desconexas de um filme.
Eu me vi na floresta, debaixo daquela chuva torrencial. Ouvi vozes, gritos abafados. Gael estava discutindo com alguém. O assobio. Sim, era o mesmo assobio que agora vinha de Marco.
Meus olhos se arregalaram, e uma sensação de pânico tomou conta de mim. A dor na minha cabeça se intensificou, e eu levei as mãos às têmporas, tentando acalmar o pulsar frenético.
Lembrei de ver um carro... não o nosso, mas um carro que eu agora reconhecia. O carro de Marco. Ele estava lá naquela noite.
Marco voltou do banheiro e parou na entrada da sala, me observando com a testa franzida.
— Amanda? Tá tudo bem? — ele perguntou, mas sua voz parecia distante, como se estivesse falando através de uma barreira invisível.
Eu o encarei, incapaz de dizer qualquer coisa. Minha mente estava tentando juntar as peças, mas a dor era insuportável.
— Eu... Eu preciso de um tempo, Marco, — sussurrei.
Ele me olhou por um momento, como se estivesse tentando avaliar o que se passava na minha mente, mas acabou assentindo.
— Tudo bem. Me avisa se precisar de algo, — ele disse, pegando suas coisas e saindo.
Assim que ele fechou a porta, eu me desabei no sofá. Minha respiração estava acelerada, e o suor escorria pela minha testa.
Marco estava lá. Ele estava na floresta naquela noite.
Mas por quê?
Assim que ele saiu, algo dentro de mim gritou para não deixá-lo ir. Meu corpo reagiu antes que eu pudesse pensar. Levantei-me rapidamente e fui atrás dele, ignorando o desconforto que ainda sentia. Assim que alcancei o corredor, o vi parado diante do elevador, apertando o botão com impaciência.
— Marco! — chamei, minha voz ecoando pelo corredor.
Ele olhou por cima do ombro, visivelmente surpreso por me ver ali.
— Amanda? O que foi? — perguntou, a expressão tão confusa quanto fria.
Eu me aproximei devagar, mas com firmeza, encarando-o diretamente.
— Por quê? — perguntei, minha voz saindo mais fraca do que eu esperava, mas ainda carregada de determinação.
— O que você está dizendo? — Ele deu um sorriso curto, mas claramente forçado.
— Eu lembrei de tudo, Marco, — soltei de uma vez, sentindo meu peito apertar. — Eu sei que você estava lá naquela noite.
O sorriso desapareceu instantaneamente. Por um momento, ele pareceu vacilar, mas logo se recompôs, cruzando os braços.
— Não sei do que você está falando, — disse, a voz firme, mas os olhos evitavam os meus.
— Pare de mentir! — minha voz subiu. — Eu vi o carro, ouvi você falando com o Gael. E o assobio... era você, não era?
Ele deu um passo para trás, encostando-se na parede ao lado do elevador.
— Amanda, você está confusa, — ele disse, tentando manter o controle, mas sua voz tremia levemente. — Você passou por muita coisa. Talvez tenha imaginado coisas...
— Não estou imaginando nada! — gritei, avançando um passo. — Você estava lá! Por que matou ele?
De repente, sua postura mudou. A tentativa de calma foi substituída por algo mais sombrio. Mas o elevador chegou, e ele entrou, pressionando o botão para fechar a porta. Fiquei ali, parada, enquanto ele desaparecia, sentindo meu coração martelar no peito. As peças estavam começando a se encaixar, mas o medo e a confusão ainda eram esmagadores.
Eu sabia que precisava contar tudo a Antony. Agora.
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Atualizado até capítulo 30
Comments
Eliana S
Ela devia ter contado para o Anthony antes,agora ele vai fugir ou tentar algo contra ela!!!!
2025-04-05
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Thaliaa Vieira
Hum pq será?.......Ele seria um suspeito?
2025-01-12
1
lua 🌙
deve ter matado por ambição
2025-01-12
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