Está amanhecendo, e a patrulha de Jargan avança em direção à aldeia. Na vanguarda do pelotão estão Sir Wiston e Honstaz, ambos montados em seus robustos cavalos. O grupo acabou de desmontar acampamento na floresta densa da região e agora segue por um vale aberto. Ao longe, ainda é possível avistar a fumaça negra ascendendo da aldeia.
— Soldados, fiquem atentos! — bradou Sir Wiston, seu tom grave cortando o silêncio. — Seja o que for que atacou a vila, não é nosso amigo e pode estar por perto.
A experiência falava mais alto. Sir Wiston, um dos guerreiros mais habilidosos de Tunskard, não era atoa que era chefe da guarda real. Ele sabia que em um campo aberto como aquele, eles eram alvos fáceis.
Honstaz, cavalgando ao lado, olhou em direção à fumaça que ondulava no céu matinal.
— Você acha que foram os Drarkons? — perguntou ele, a voz carregada de dúvida.
— Como o rei disse, não temos outros inimigos. — respondeu Sir Wiston, sem desviar os olhos do horizonte.
O sol ainda baixo no céu banhava o vale com uma luz dourada, mas não dissipava o peso que pairava sobre o grupo. A cavalgada prosseguiu por horas até que finalmente chegaram à aldeia. O lugar, devastado pelo ataque, agora parecia tranquilo. Para a surpresa de Honstaz, alguns moradores permaneciam, reunidos no centro da vila como se aguardassem algo ou alguém.
— Com certeza, não foram os Drarkons! — afirmou Sir Wiston ao observar o cenário. — Eles não deixariam todas essas pessoas vivas.
— Ou talvez eles apenas se esconderam. Não pensou nessa possibilidade? — respondeu Honstaz, analisando o ambiente com cautela.
Casas destruídas ainda exalavam fumaça. A madeira carbonizada misturava-se ao cheiro metálico de sangue que impregnava o ar. Soldados desmontaram dos cavalos e começaram a montar guarda ao redor da aldeia, enquanto Sir Wiston e Honstaz se dirigiam à maior das cabanas, onde encontraram o líder local, um senhor de idade avançada e olhar inquieto.
— Pode nos dizer o que aconteceu aqui? — perguntou Honstaz, tentando soar tranquilizador.
O líder passou as mãos trêmulas pelos cabelos brancos e murmurou:
— Ficaria feliz se soubesse...
— Não se preocupe. Foi apenas um ataque dos Drarkons. O rei nos enviou para protegê-los.
O ancião balançou a cabeça vigorosamente, os olhos arregalados em negação.
— Não... Não... Não foram os Drarkons. Você não sabe do que está falando.
Honstaz franziu o cenho e lançou um olhar questionador para Sir Wiston, que observava a conversa em silêncio, encostado à porta.
— O que você quer dizer com isso? — insistiu Honstaz.
Aproximando-se, o líder pousou as mãos trêmulas sobre os ombros de Honstaz e murmurou, com a voz marcada pelo desespero:
— O que nos atacou não eram humanos. Eram monstros. Criaturas horrendas que mataram nossas famílias, queimaram nossas casas.
Sir Wiston soltou uma risada seca, balançando a cabeça em descrença.
— Este homem está louco.
O líder virou-se abruptamente para ele, os olhos faiscando.
— Pensa que sou louco? Talvez eu também pensasse isso, mas vi com meus próprios olhos.
Apesar de manter a fachada cética, algo nas palavras do ancião atingiu Sir Wiston, que desviou o olhar, inquieto.
O líder prosseguiu, a voz tremendo:
— Aquelas coisas atacam apenas à noite. Não sei se é porque preferem a escuridão ou se não suportam a luz do sol.
— Foi só isso que viu? — perguntou Honstaz, tentando organizar os pensamentos.
— Lobos! Eles estavam montados em lobos gigantes, quase maiores que qualquer cavalo. Enquanto os monstros atacavam, aqueles lobos devoravam as pessoas.
Honstaz fechou os olhos por um momento, assimilando as informações. Finalmente, declarou:
— Ficaremos aqui esta noite. Não posso voltar ao rei com respostas tão vagas.
Sir Wiston parecia prestes a protestar, mas Honstaz o cortou com firmeza:
— O sábio é aquele que ouve. Agora mande os soldados se prepararem.
O dia passou rapidamente enquanto os soldados afiavam espadas e posicionavam tochas por toda a aldeia. A noite caiu, trazendo consigo uma tensão quase palpável.
Na madrugada Sir Wiston, vigilante, observava o horizonte do alto de uma casa, o arco em mãos. A tranquilidade foi quebrada quando, ao longe, ele viu um lobo gigante parado, sua silhueta iluminada por uma luz vermelha que emergia do horizonte.
— Acorda, seu maldito! — sussurrou Wiston, dando um soco no soldado ao lado e apontando para a cena.
Enquanto falava, o horizonte revelava uma visão aterradora. Vários outros Barkes começaram a surgir, suas figuras grotescas destacando-se contra a luz que tentava romper o céu escuro. Alguns estavam montados em lobos enormes, criaturas selvagens de olhos brilhantes e dentes afiados, exatamente como o líder dos Barkes havia mencionado. Apesar de tudo, o líder, que permanecia imóvel, observava calmamente a movimentação, destacando-se dos demais por sua postura imponente e por estar claramente mais bem equipado do que os outros.
Os Barkes que desciam em direção à aldeia portavam armas primitivas, mas letais: espadas enferrujadas e machados grosseiros, mas afiados o suficiente para causar destruição. O barulho de suas botas pesadas e o uivo dos lobos montados causavam um arrepio coletivo entre os poucos soldados que ainda estavam conscientes.
Wiston, com olhos arregalados, percebeu rapidamente que aquele que permanecia no topo era o líder, provavelmente o cérebro por trás do ataque. A visão de tantos inimigos descendo como uma horda enfurecida fez com que ele reagisse instintivamente.
— ATENÇÃO, SOLDADOS!! — gritou ele com toda a força, sua voz ecoando pela aldeia e despertando aqueles que haviam caído no sono por puro esgotamento.
Os soldados, ainda assustados e confusos, começaram a se levantar, pegando suas armas com mãos trêmulas. Não havia outra opção. Lutar ou morrer. E, para muitos, correr era tão inútil quanto enfrentar o inimigo.
Quando os Barkes chegaram à aldeia, o primeiro soldado da linha de frente, tentando mostrar coragem, gritou:
— ATAQUEM!!!
Ele avançou com bravura, mas sua vida terminou em um instante terrível. Um dos Barkes, com um machado grande e pesado, desferiu um golpe brutal que cortou o soldado ao meio, o sangue jorrando no chão em um espetáculo grotesco. A visão fez muitos soldados hesitarem, mas, mesmo assim, continuaram a lutar. O medo estava presente em seus olhos, mas o instinto de sobrevivência os empurrava para a frente.
Sir Wiston, por sua vez, estava posicionado no topo de uma das casas da aldeia, observando a batalha de cima. Ele tentava avaliar a melhor estratégia quando ouviu um rugido feroz às suas costas. Ao se virar rapidamente, ele viu um Barke avançando em sua direção, suas garras grossas e afiadas brilhando à luz fraca. Sem pensar duas vezes, Wiston reagiu instintivamente.
Com um chute certeiro, ele acertou o rosto da criatura, desequilibrando-a por um momento. Aproveitando a oportunidade, ele saltou para o chão, puxando sua espada enquanto encarava o monstro com uma mistura de raiva e determinação.
— Vem, seu maldito feioso! — rosnou ele, sua voz carregada de uma raiva que parecia anular qualquer traço de medo.
O Barke atacava com uma ferocidade desumana, desferindo golpes consecutivos com seu machado pesado. Cada ataque era um desafio, e Wiston se movia rapidamente, esquivando-se por pouco, mas sentindo a tensão em seus músculos. Ele recuava a cada golpe, tentando avaliar uma abertura para contra-atacar. A força da criatura parecia inesgotável, como se a própria exaustão fosse incapaz de afetá-la.
Porém, em meio a um movimento mais agressivo, Wiston tropeçou. Seu corpo caiu ao chão, e o Barke, aproveitando o momento de vulnerabilidade, ergueu o machado acima de sua cabeça. O golpe prometia ser fatal.
Com reflexos rápidos, Wiston rolou pelo chão, escapando do ataque por uma fração de segundo. Enquanto o machado cravava-se no solo ao lado dele, ele aproveitou a oportunidade e desferiu um golpe preciso com sua lâmina. Sua espada cortou o joelho do Barke, que caiu de joelhos com um grito gutural de dor.
Wiston, sem perder tempo, posicionou-se atrás da criatura e, com toda a força que ainda possuía, cravou sua espada na nuca do monstro. O golpe foi mortal, e o Barke tombou no chão, sua respiração pesada cessando gradualmente.
Wiston tentou puxar sua espada de volta, mas parecia presa na carne rígida da criatura. Ele se esforçou, puxando com ambas as mãos, mas a lâmina não cedia.
— Maldição... — murmurou entre dentes, o suor escorrendo por sua testa.
A batalha ao redor continuava, mas, naquele momento, Wiston sentiu o peso da exaustão e do desafio. No entanto, ele sabia que não poderia desistir. A luta ainda estava longe de terminar.
Porém, o sol começou a nascer, os Barkes recuaram, fugindo da luz que os queimava. O chão da aldeia estava manchado de sangue. Quinze soldados estavam mortos; os sobreviventes, exaustos e feridos.
— Por isso fugiram. O sol os queima. — murmurou Honstaz, ofegante.
— E agora? — perguntou Sir Wiston.
— Voltaremos ao rei. Mas levaremos uma prova.
Wiston lançou um olhar desconfiado para Honstaz enquanto apontava para o corpo inerte do Barke, que agora começava a soltar uma fumaça fina enquanto o sol tocava sua pele áspera e grotesca.
— Não está pensando em levar aquele demônio com a gente, está? — Sua voz carregava uma mistura de incredulidade e repulsa, enquanto seus olhos permaneciam fixos no corpo da criatura.
Honstaz permaneceu impassível, ajustando a postura enquanto massageava o ombro dolorido. Sua expressão denotava cansaço, mas também uma determinação inabalável.
— Fica tranquilo, Wiston, ele está morto. — A voz de Honstaz era firme, quase tranquilizadora, mas havia um tom de urgência em suas palavras. — Agora mande os soldados cobri-lo antes que o sol o destrua por completo. Precisamos encontrar algo na aldeia para transportá-lo, talvez um baú ou algo semelhante.
Wiston hesitou por um momento, franzindo a testa. Ele olhou ao redor, observando os soldados que, exaustos, tentavam organizar os destroços enquanto mantinham suas armas próximas. Com um suspiro resignado, ele assentiu e começou a dar ordens aos homens para que buscassem um recipiente grande e robusto o suficiente para levar o corpo.
A fumaça do Barke morto era um lembrete inquietante da batalha recente, mas também de um mistério maior que os cercava. Honstaz sabia que o rei jamais acreditaria em palavras sozinhas. Eles precisavam de provas, mesmo que isso significasse carregar aquele cadáver hediondo até Tunskard.
Enquanto isso, os moradores da aldeia, ainda aterrorizados, observavam a movimentação dos soldados com uma mistura de esperança e desespero. Muitos haviam perdido familiares, amigos e tudo o que possuíam. As casas destruídas ainda exalavam o cheiro de madeira queimada, e a aldeia, que antes era um refúgio tranquilo, agora mais parecia um cenário de pesadelo.
As aldeias do norte, como aquela, sempre haviam sido um refúgio para aqueles que buscavam uma vida mais simples, longe do barulho e da agitação da grande Tunskard. Aqui, as pessoas encontravam paz na natureza, no ritmo lento da vida rural e na beleza intocada das florestas e vales. Mas essa paz tinha um custo.
Muitos que viviam ali não tinham outra escolha. Eram famílias que não possuíam recursos para habitar as cidades ou que haviam sido expulsas por circunstâncias difíceis. Para eles, as aldeias representavam tanto um abrigo quanto uma prisão, pois abandonar aquele lugar significaria começar do zero, algo que poucos tinham condições de fazer.
Agora, a situação havia se tornado ainda mais insustentável. As criaturas que os atacaram não eram apenas uma ameaça; eram um lembrete brutal de que a paz que buscavam não existia mais. O medo pairava como uma sombra sobre cada casa destruída, sobre cada olhar de desespero.
Honstaz e Wiston verificaram os soldados. Alguns homens estavam feridos, mas insistiam em manter-se de pé, tentando superar o terror que ainda impregnava seus corações.
— Esta noite, as tochas ficarão apagadas — disse Honstaz para Wiston, enquanto observava os restos da aldeia. — Eles não querem outro ataque.
Wiston concordou com um aceno, embora soubesse que a ausência de luz era um fraco consolo diante da ameaça que enfrentavam. Ele olhou uma última vez para o corpo do Barke, agora parcialmente coberto por um tecido grosseiro. As marcas na pele da criatura pareciam brilhar fracamente sob os primeiros raios do sol, um detalhe que o fez estremecer.
— Vamos partir assim que tudo estiver pronto — concluiu Honstaz, virando-se para encarar o horizonte, onde as montanhas do norte pareciam oferecer mais perguntas do que respostas.
A aldeia, outrora um lugar de sossego, agora era um testemunho da luta desesperada daqueles que ainda tentavam sobreviver. E os soldados sabiam que o que enfrentaram naquela noite era apenas o começo de algo muito maior e mais sombrio.
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Atualizado até capítulo 45
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