Besique III (Rei de Hollyo)
Besique III estava na fortaleza do reino, uma construção imponente que se erguia nas montanhas geladas, formada e moldada pelas mãos dos antigos, que dedicaram suas vidas a erguê-la durante gerações. A fortaleza, erguida com força e perseverança, resistia ao teste do tempo, permanecendo firme desde as primeiras eras. De um dos pontos altos da construção, Besique observava os ventos cortantes que sopravam das montanhas, mais fortes a cada momento. Seus olhos fixavam a linha do horizonte, onde as nuvens escuras pareciam se acumular com pressa. Ele sabia, no fundo de seu coração, que aquilo não era um fenômeno comum. O céu carregado e o vento impetuoso não eram sinais triviais. Algo mais estava se aproximando.
Com a mente inquieta, Besique desceu as escadas da fortaleza rapidamente, com pressa, e se dirigiu à casa de Torrak, o ancião sábio que morava nas proximidades, longe da agitação do castelo. Torrak, um homem de grande conhecimento e de uma visão que transcendia a mera percepção física, era cego, mas suas habilidades e previsões eram mais afiadas do que qualquer visão mortal. Ele sempre sabia o que estava por vir, como se o destino tivesse uma forma de sussurrar para ele.
Quando Besique chegou à casa de Torrak, entrou com pressa, tentando se esquentar ao passar as mãos pelos ombros, sentindo o contraste entre o calor da casa e o frio cortante que lhe atingia as costas. O vento impetuoso batia contra as muralhas de Hollyo, e a neblina gélida começava a envolver todo o reino. A atmosfera estava mais densa, e até mesmo o som do vento parecia carregar um tom mais pesado, mais sombrio.
Dentro da casa de Torrak, o calor da lareira fazia o ambiente contrastar com o frio lá fora. Torrak estava sentado em sua cadeira, com uma expressão tranquila, mas seus sentidos, aguçados pela experiência, estavam atentos aos sinais do mundo ao redor. Ele parecia sentir a chegada do destino, mesmo sem ver. O som do vento, que era quase imperceptível para os outros, fazia com que ele soubesse o que estava por vir.
Besique se aproximou de Torrak, tocando levemente o ombro do ancião, como se procurasse a confirmação de suas apreensões.
— Mestre Torrak, sou eu, Besique — disse o rei, com a voz grave e ansiosa.
Torrak, com sua calma habitual, virou-se lentamente para o som da voz de Besique. Seus dedos, calejados pelo tempo e pela sabedoria, tocaram a cadeira onde estava sentado. Ele sorriu suavemente, com a serenidade de quem compreende mais do que as palavras podem expressar.
— Besique, meu amigo, o que lhe traz aqui? — perguntou Torrak, com a voz suave, mas firme, que transmitia uma sensação de acolhimento e de segurança, como se o próprio tempo pudesse ser parado por sua presença.
— Os ventos estão mais fortes, mestre, e o frio também está mais intenso — respondeu Besique, com a preocupação evidente em sua voz. Ele não sabia ao certo o que estava acontecendo, mas o pressentimento em seu coração o incomodava.
Torrak, sem hesitar, levantou-se de sua cadeira com a mesma calma de sempre, embora sua movimentação fosse leve, como se soubesse exatamente o que fazer. Ele caminhou até a porta e, com a mão esticada, tocou o ar gélido que invadia a casa. Mesmo sem a visão, parecia que Torrak podia sentir a mudança na temperatura, como se o próprio ar estivesse comunicando-lhe os presságios.
Ainda de pé, perto da porta, ele olhou para o horizonte, onde o vento cortava as montanhas, e disse:
— É... O que eu previ, acontecerá. A neve cairá sobre Midirin, e não apenas em Hollyo.
Besique, perplexo com a gravidade das palavras de Torrak, olhou para ele com os olhos arregalados, tentando processar o que estava sendo dito. Ele não podia acreditar.
— Mas mestre, a neve sempre caiu, em Hollyo e em outros lugares. Não entendo o que quer dizer com isso — disse Besique, ainda tentando encontrar lógica na afirmação do ancião.
Torrak deu um leve sorriso, quase imperceptível, como se já soubesse que Besique não compreenderia de imediato. Ele não se apressou em explicar, mas suas palavras vieram com a sabedoria de quem já viu os ciclos do tempo se repetirem.
— A neve não cairá apenas em Hollyo, Besique. Como eu disse antes, ela cairá por todo Midirin. — Disse, com uma seriedade que fez o rei sentir um calafrio. — Se já aconteceu no passado, acontecerá novamente. O ciclo se repete, como sempre. Quando os Drarkons chegaram a Midirin, a terra estava coberta pela neve, uma neve que não era comum, uma nevasca que parecia durar uma eternidade.
O silêncio tomou a sala, enquanto as palavras de Torrak ressoavam nas paredes de pedra da casa. Besique, ainda sem entender completamente a magnitude da mensagem, tentou refutar o que ouvira, mas algo em seu peito dizia que o ancião estava certo. Ele sentia, em sua alma, que a terra estava prestes a ser coberta por uma grande mudança. A neve não era um simples fenômeno natural; era um aviso, uma sombra que se aproximava de Midirin.
E assim, enquanto o vento uivava mais forte lá fora, o rei e o ancião compartilhavam o peso de um destino inevitável, prestes a se desenrolar diante de todos.
Jon em Segara
Jon estava circulando pelo castelo, fazendo a guarda e observando as movimentações do dia. Era uma tarefa que ele já conhecia bem, mas seu olhar sempre se voltava para os detalhes, para qualquer coisa que pudesse indicar algo fora do comum. Durante sua patrulha, ele avistou Onurb, seu amigo, que também estava fazendo a guarda naquele turno. Eles trocaram um olhar rápido, como se já soubessem o que o outro pensava, antes de se encontrarem.
Antes que Jon pudesse falar qualquer coisa, Onurb, com um ar de mistério no olhar, disse:
— Me segue, Jon, e observe uma coisa.
Jon franziu as sobrancelhas. Ele não sabia o que Onurb queria lhe mostrar, mas o tom sério de seu amigo despertou sua curiosidade.
— O que você quer me mostrar? — Jon perguntou, sua voz carregada de uma dúvida natural. Mas antes que pudesse ouvir a resposta, Onurb falou rapidamente:
— Só me segue.
Jon hesitou por um momento. O castelo estava seguro, mas sair dali significava abandonar a guarda, algo que não deveria fazer. Ele respirou fundo, olhou para trás, observando se algum dos outros guardas se aproximava. Quando percebeu que estavam sozinhos, fez um sinal afirmativo com a cabeça e seguiu Onurb.
— Não podemos sair do castelo, estamos de serviço — Jon falou, parando por um instante enquanto dava uma última olhada em volta, certificando-se de que não seriam vistos.
Onurb, porém, não parecia preocupado. Ele respondeu com um sorriso de leveza, como se aquilo fosse algo de pouca importância:
— É coisa rápida, Jon. Não se preocupe.
Jon, ainda com um certo receio, respirou fundo, vendo que já havia tomado a decisão. Juntos, os dois se afastaram dos muros do castelo e saíram para a cidade. Seguiram por um caminho pouco frequentado, até que finalmente saíram da cidade de Segara.
O clima estava ficando mais frio à medida que subiam até as partes altas das rochas. O vento cortante e a neblina fria que começavam a se formar logo indicaram que estavam chegando em um lugar mais isolado e elevado.
Jon sentiu o impacto do vento gelado que aumentava a cada passo. O frio parecia penetrar mais fundo em seus ossos, e ele apertou a capa contra o corpo, tentando se proteger. As rochas à sua volta estavam cobertas de musgo, e o silêncio era denso, interrompido apenas pelo som do vento forte.
Onurb, observando a reação de Jon, disse, com um tom que parecia carregar uma explicação que ele já estava esperando dar:
— Era disso que eu estava falando.
Jon olhou em volta, tentando compreender o que seu amigo queria dizer. O vento cortante e o frio extremo eram evidentes, mas isso não parecia ser o que Onurb estava se referindo. Ele se aproximou mais de Onurb, seu olhar confuso.
— O que você quer dizer? — Jon perguntou, sentindo o peso das palavras que Onurb ainda não tinha explicado completamente. O vento parecia sussurrar, quase como se houvesse algo além do frio que não estava sendo dito.
Onurb olhou para o horizonte, com o olhar fixo nas montanhas distantes, onde a neblina espessa começava a formar-se como uma manta. Ele então olhou para Jon, e seu rosto agora estava sério, quase com um toque de pressentimento.
— Não é só o vento, Jon. Isso não é apenas uma mudança do clima. Algo está acontecendo, algo grande. Eu sinto isso no ar.
Jon ficou em silêncio, sentindo um calafrio não só devido ao frio, mas por um pressentimento crescente de que algo muito maior estava começando a se desenrolar diante deles.
Ele olhou para o horizonte novamente, onde as montanhas pareciam em silêncio, como se aguardassem uma tempestade iminente. Não havia como ignorar o peso das palavras de Onurb.
Onurb, por sua vez, sentiu o frio se intensificar ainda mais, e a sensação de que algo estava prestes a acontecer tomou conta de seu corpo.
— Vamos voltar agora! Falou Jon.
— Sim, vamos.
Em Tunskard, o vento cortante se aproximava da cidade, não apenas trazendo o frio, mas também um pressentimento pesado no ar. Jargan Valeris, o rei, estava no alto da torre de seu castelo, observando a imensidão das terras ao redor. A neve, tão característica de Midirin, parecia se aproximar mais rápido do que ele imaginava.
Ao seu lado, Honstaz, o conselheiro de confiança, já sentia a mudança no ambiente. O homem, tinha uma habilidade rara de perceber sutis variações no clima e no comportamento da terra.
— O que sente, Honstaz? — perguntou Jargan, com um olhar preocupado, mas mantido firme pela autoridade que seu cargo exigia.
Honstaz, com a testa franzida, estendeu a mão para sentir o vento gelado que começava a se intensificar. A expressão em seu rosto revelou um temor silencioso.
— O frio não é comum, Vossa Graça. Algo se aproxima… algo que não deveria.
Jargan olhou para ele, o olhar agora mais atento. As palavras de Honstaz não eram apenas de um homem que temia um inverno severo; havia algo mais profundo, um aviso sutil no tom de sua voz. O vento parecia trazer consigo um eco distante de algo ainda maior.
— Este não é o inverno de sempre, Jargan. Este vento… esta neblina… Eles falam de algo mais. Algo que afeta toda Midirin. — disse Honstaz, como se estivesse absorvendo o frio de uma forma visceral.
Jargan respirou fundo e, com um aceno de cabeça, se afastou da torre. Se o frio estava vindo, ele precisaria agir rápido. Algo estava prestes a mudar, e o reino de Tunskard não estava preparado para o que estava por vir.
Enquanto isso, em Vasques, a pequena cidade que outrora fora próspera, mas agora se encontrava à mercê dos ventos e da neve, Dorne Argan caminhava pelas ruas, sentindo a mudança. Ele sabia que algo estava errado. A população, apesar de sua resistência, já sentia o peso do vento que começava a soprar mais forte. As casas, mais simples, não eram feitas para resistir a uma tormenta como aquela.
Dorne olhou para o céu, a neblina começava a descer das montanhas. Ele havia ouvido histórias antigas sobre uma neve que cobriu todo Midirin, uma neve que não desapareceria até cumprir seu propósito. Seu coração apertou ao pensar sobre o que isso poderia significar.
— O que está acontecendo? — disse Dorne, mais para si mesmo do que para qualquer outra pessoa. Ele já podia ver o reflexo do pânico começando a surgir entre os aldeões.
A neve… a neve estava voltando. Mas desta vez, ela não seria como antes. Ela traria algo mais.
As primeiras flocos caíram, silenciosos, mas pesados, como um prenúncio de algo muito mais devastador. Dorne sentiu a garganta seca, e um calafrio percorreu sua espinha. A terra de Hollyo havia começado a responder, e com ela, o começo de uma grande mudança.
E enquanto as flocos de neve caíam silenciosamente sobre Vasques e Tunskard, uma sombra se estendia sobre Segara. Jon, em sua patrulha, sentiu o vento que cortava a terra e parecia saber que a tempestade não era só de neve. Ele não sabia o que se aproximava, mas sentia o peso crescente do mal que se formava no horizonte.
A verdade era simples e fria: a neve não traria apenas o inverno, mas o caos. O que viria com ela, ninguém sabia ainda. Mas todos, de algum lugar, sentiam que Midirin estava à beira de algo grandioso e terrível.
E enquanto a neve cobria cada pedaço de terra, os ventos sussurravam entre as árvores e as montanhas. Eles traziam consigo uma promessa de destruição. A pergunta que todos se faziam, agora, era: Quem sobreviveria ao que estava prestes a acontecer?
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Atualizado até capítulo 45
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