Capítulo dezesseis

A floresta estava silenciosa, apenas o som suave das folhas sendo tocadas pelo vento quebrava a quietude. A luz do sol tingia o céu em tons dourados e alaranjados enquanto Lucian caminhava ao lado de Selene, guiando-a por uma trilha estreita entre as árvores. Os dois não trocavam muitas palavras, mas o silêncio entre eles estava longe de ser desconfortável. Era denso, carregado de algo mais — uma tensão inexplicável que ambos tentavam ignorar.

“Para onde estamos indo?” Selene finalmente perguntou, quebrando o silêncio. Sua voz era calma, mas carregava curiosidade.

Lucian olhou por cima do ombro, um leve sorriso nos lábios. “Quero te mostrar algo. Não é longe.”

Selene arqueou uma sobrancelha, mas não questionou mais. Algo no olhar dele fazia com que ela baixasse a guarda, mesmo sem entender o porquê. Após alguns minutos de caminhada, o som suave de água correndo encheu seus ouvidos, e logo eles chegaram ao destino.

À sua frente, havia um lago sereno, escondido entre as árvores. A superfície da água refletia o céu em tons de laranja e púrpura, como se o próprio horizonte tivesse descido até aquele lugar. Era bonito, quase mágico.

“Não sabia que havia algo assim por aqui,” Selene murmurou, admirada.

Lucian apenas a observava por um momento, antes de se aproximar e se sentar à beira do lago, descansando os braços sobre os joelhos. “Poucos sabem. É um bom lugar para pensar. E você precisa disso.”

Selene o seguiu, sentando-se ao lado dele. As águas calmas pareciam espelhar a própria turbulência interna que sentia desde que seus poderes haviam sido libertos. Por um momento, o silêncio voltou a se instalar entre eles, mas dessa vez, não era pesado — era cheio de algo não dito.

Lucian olhou para Selene de esguelha, observando-a. Os reflexos do lago iluminavam seu rosto pálido e seus olhos azuis brilhantes, fazendo-a parecer ainda mais fora deste mundo. Ele sentiu um aperto no peito — a sensação de estar envolvido em algo que não podia controlar. Algo que não devia sentir.

“Você está diferente desde ontem,” comentou Lucian, a voz baixa.

Selene não respondeu imediatamente. Ela olhava fixamente para o horizonte, perdida em pensamentos. “Eu não sei o que sou agora,” confessou, em um sussurro. “Isso tudo... os poderes, as mentiras, as lutas. Nada parece real.”

Lucian inclinou a cabeça, observando-a. “Você vai aprender a lidar com isso. Você é forte, Selene.”

Ela soltou uma risada breve e amarga. “Forte? Não me sinto forte. Às vezes, é como se tudo estivesse escapando de mim.”

Lucian sentiu o impulso de tocá-la, de reconfortá-la, mas se conteve. O silêncio voltou a pairar, mas desta vez, ele se rompeu com uma pergunta.

“Selene,” ele começou, sua voz mais grave, quase hesitante. “O que você pensaria se fosse uma... vampira?”

Selene se virou para ele na mesma hora, surpresa com a pergunta. A expressão dela rapidamente se transformou em uma mistura de raiva e dor.

“Por que está perguntando isso?” Sua voz ficou mais afiada.

“É apenas uma pergunta,” respondeu Lucian, mas ele sabia que já havia ido longe demais.

Selene desviou o olhar, encarando o lago. Sua mandíbula estava tensa, e suas mãos se fecharam em punhos.

“Eu odiaria,” respondeu finalmente, sua voz cheia de rancor. “Os vampiros destruíram minha vida. Levaram tudo o que eu tinha, Lucian.”

Lucian permaneceu calado, apenas observando-a, mas Selene continuou, como se não conseguisse mais conter as palavras. “Quando eu tinha seis anos, minha aldeia foi atacada. Vampiros apareceram do nada e massacraram tudo e todos. Meus pais... meus amigos... eles foram mortos diante dos meus olhos.” Ela parou por um momento, sua voz falhando, mas logo voltou, mais fria e dura. “Se eu fosse um deles, preferiria estar morta.”

Lucian fechou os olhos por um breve instante, suas memórias voltando como uma onda inevitável. Ele se lembrou.

Naquela noite, há tantos anos, ele estava lá.

Era uma missão a mando de Klaus. Eles procuravam por uma criança específica — uma menina com sangue raro, filha de um vampiro e uma bruxa. Mas, apesar da busca minuciosa, não a encontraram. Os vampiros mentiram para Klaus, afirmando que a menina havia morrido no massacre. Lucian se lembrava de ter sentido algo estranho naquela noite, como se alguém estivesse ali, escondido. Mas ele ignorou. Agora, olhando para Selene, ele sabia.

Ela era a criança.

O peso daquela descoberta apertou seu peito. Ele sabia que não podia contar a verdade para ela. Não agora.

“Lucian?” A voz de Selene o tirou de seus pensamentos. Ela o observava com uma expressão confusa. “Você está bem?”

Lucian desviou o olhar, disfarçando. “Sim,” respondeu, sua voz um pouco mais distante. “Só... pensando.”

Selene franziu o cenho, percebendo que algo havia mudado nele. “Tem certeza?”

“Tenho.” Lucian forçou um sorriso, tentando afastar as memórias que o atormentavam. Ele se levantou, estendendo a mão em direção ao lago. “Acho que preciso de um mergulho.”

Antes que Selene pudesse dizer algo, ele retirou o casaco e entrou na água, mergulhando profundamente. O frio do lago não o incomodava. Ele precisava daquele momento — precisava se afastar da verdade que agora pesava sobre ele.

Selene o observava, sentada na margem. Ela ainda sentia que algo estava errado com ele, mas não sabia o que era. E, no fundo, ela começava a se perguntar se queria saber.

O lago permaneceu silencioso, suas águas calmas escondendo segredos que, mais cedo ou mais tarde, viriam à tona.

Lucian emergiu do lago, passando as mãos pelos cabelos loiros molhados, enquanto gotas de água deslizavam por seu rosto e corpo. O silêncio entre ele e Selene persistia, mas não de forma desconfortável. Ela ainda o observava da margem, o olhar perdido em pensamentos.

“Vai ficar aí me olhando, ou vai entrar também?” Lucian perguntou, com um meio sorriso, sua voz leve, quase provocativa.

Selene o encarou, hesitando por um momento. O frescor da noite não a incomodava, e a água parecia convidativa. Ela se levantou, tirando suas botas e o sobretudo, deixando apenas suas roupas leves de viagem. “Você não precisa insistir duas vezes,” respondeu, decidida.

Ela entrou no lago lentamente, a água gelada cobrindo seus tornozelos e depois subindo até sua cintura. Um arrepio percorreu sua pele, mas logo ela se acostumou. Lucian a observava com curiosidade enquanto ela se aproximava mais para o centro do lago.

“Não está tão ruim,” disse Selene, com um sorriso desafiador.

“Eu avisei,” respondeu Lucian, com um tom brincalhão.

Os dois nadaram juntos, movendo-se com leveza pela água escura, iluminada apenas pela lua. Pela primeira vez em muito tempo, Selene sentiu-se leve, como se o peso de tudo o que havia acontecido nos últimos dias estivesse longe. O mundo, por um instante, parecia estar em silêncio.

Lucian, por sua vez, a observava atentamente. Seus movimentos eram graciosos, e a lua refletida nos olhos azuis de Selene parecia tornar a cena irreal. Ela o fitou, percebendo o olhar, e um sorriso involuntário se formou em seus lábios.

“O que foi?” ela perguntou, franzindo levemente o cenho.

“Você está sorrindo,” respondeu Lucian, aproximando-se um pouco mais. “Nunca vi você sorrir assim.”

“Talvez seja a primeira vez em muito tempo que eu tenha motivo para sorrir,” admitiu ela, com um tom suave.

Lucian sorriu também, mas o sorriso logo se transformou em algo mais sério. A distância entre eles diminuiu, e o silêncio ao redor parecia amplificar o som das águas calmas. Selene olhou para ele, sentindo o coração bater mais rápido.

Por um momento, nenhum dos dois se moveu. Então, como se atraídos por uma força invisível, seus rostos se aproximaram. Lucian hesitou, uma sombra de conflito passando por seus olhos, mas Selene avançou o último centímetro.

Seus lábios se encontraram em um beijo suave, quase hesitante no início, mas que rapidamente se tornou mais intenso. A água ao redor parecia desaparecer, deixando apenas os dois no centro do universo. Lucian segurou o rosto de Selene com delicadeza, como se temesse que ela fosse se afastar a qualquer momento.

Mas, no fundo de sua mente, o ataque a Ashwood continuava a atormentá-lo. Ele se lembrava da aldeia, dos gritos, da busca por uma criança que não encontraram. O peso da verdade fazia seu peito apertar, mas ele não podia se afastar dela. Não agora.

Selene, alheia à batalha interna de Lucian, finalmente se afastou, suas bochechas levemente coradas. “O que foi?” ela perguntou, ao perceber que o olhar dele havia se perdido.

“Não é nada,” Lucian mentiu, forçando um sorriso. “Está tarde. Vamos sair daqui.”

Os dois saíram do lago, suas roupas encharcadas colando à pele. Selene riu ao ver seu reflexo distorcido na água e passou os dedos pelos cabelos molhados.

“Vou caçar algo para nós,” disse Lucian, enquanto pegava seu casaco. Seu tom era mais firme agora, como se tivesse voltado ao controle de si mesmo.

“Caçar?” Selene franziu o cenho. “Deixe-me adivinhar: você vai atrás de algum animal selvagem?”

Lucian sorriu de lado. “Algo assim. Espere aqui. Não demoro.”

Antes que Selene pudesse responder, ele desapareceu entre as árvores, movendo-se com uma velocidade impressionante. Ela sentou-se perto da margem, observando a lua refletida no lago. Seus dedos tocaram os lábios, ainda sentindo o calor do beijo. Pela primeira vez, algo em sua vida parecia... diferente. Uma fagulha de algo novo.

Enquanto isso, Lucian avançava silenciosamente pela floresta. Seus olhos brilhavam levemente no escuro enquanto farejava o cheiro de sangue fresco. Ele precisava se alimentar — o lago e Selene haviam despertado algo dentro dele, uma fome que ele mal admitia para si mesmo.

Pouco tempo depois, ele encontrou um javali selvagem. Em questão de segundos, o animal estava morto, mas Lucian hesitou antes de se alimentar. Como um híbrido, ele não precisava de sangue como um vampiro comum, mas ainda era algo que corria em suas veias. Ele bebeu o suficiente para saciar sua fome e carregou o javali de volta para Selene.

Ao retornar, encontrou Selene ainda sentada perto do lago, olhando pensativa para o horizonte. Quando ela o viu com o javali nos ombros, ergueu as sobrancelhas.

“Isso é o que você chama de ‘algo assim’?” ela brincou, cruzando os braços.

Lucian soltou o animal perto de uma clareira e começou a preparar uma fogueira. “Você precisa comer, e isso é o melhor que encontrei.”

Enquanto o fogo crescia, Selene o observava em silêncio. Finalmente, ela quebrou o silêncio. “Você disse que ia caçar. Como você se alimenta, Lucian?”

Ele parou por um momento, mas respondeu com honestidade. “Eu sou filho de uma loba e de um vampiro, Selene. Por isso, meu corpo não está morto como o de um vampiro comum. Posso comer carne normalmente, mas... também preciso de sangue de vez em quando.”

Selene o observou atentamente, absorvendo a informação. “Então você não é como os outros vampiros?”

“Não,” respondeu ele, virando o javali no fogo. “Meu lado lupino me dá algo que nenhum outro vampiro tem. Sou imortal como eles, mas também não sou frágil como humanos.”

Selene ficou em silêncio por um momento, pensativa. Finalmente, ela assentiu. “Isso explica muita coisa.”

Lucian não respondeu. Ele sabia que Selene ainda nutria ódio pelos vampiros, e temia que, se ela descobrisse tudo — a verdade sobre Ashwood, sobre quem ela realmente era — o ódio dela voltaria a afastá-los. Por enquanto, ele apenas observou o fogo crescer, iluminando seus rostos sob a noite escura.

E, pela primeira vez em muito tempo, Lucian se sentiu dividido entre o dever e o desejo.

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Comments

Ana Regina Fernandes Raposo

Ana Regina Fernandes Raposo

ELE NÃO DEVERIA ESTAR DIVIDIDO, MAIS ISSO PODE SER BOM . TEM TENDÊNCIA DE FICAR A FAVOR DELA.

2025-01-03

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