Décima Segunda Sessão - Continuação
Patrícia observou Josiane com cuidado, percebendo o peso das palavras que a jovem começava a soltar, mesmo que ainda hesitasse em se abrir completamente. Patrícia escolheu suas próximas palavras com delicadeza.
— Josiane, eu sinto que há algo que você quer compartilhar, mas parece que está tentando encontrar as palavras certas. Eu só quero que saiba que você pode falar comigo. Sem julgamentos, sem pressão.
Josiane olhou para baixo, mexendo novamente nas mãos, claramente nervosa, voltou a se sentar. Após um longo silêncio, ela começou a falar.
— É que... Eu não sei se tem algo errado comigo. — Ela deu uma risada nervosa, sem olhar para Patrícia. — Eu faço algumas coisas que... Sei lá, depois fico com nojo de mim mesma. Me sinto... errada.
Patrícia inclinou-se novamente para frente, sua expressão tranquila e acolhedora.
— Errada? O que faz você sentir isso?
Josiane respirou fundo, hesitando por alguns segundos.
— Porque, sei lá... Eu tenho... fantasias. Fantasias que me fazem pensar que eu sou... — Ela parou, franzindo o cenho. — Eu não sou como essas meninas que conheço, que sonham em casar, ter uma família perfeita. Eu não sou assim. Eu tenho pensamentos que... me deixam envergonhada. E o pior... — Ela finalmente levantou os olhos para Patrícia. — Às vezes, eu ajo com base neles, no caso chupar homens.
Patrícia permaneceu calma, dando espaço para que Josiane continuasse.
— Por exemplo, com o... aquele cara que mencionei antes, o namorado da minha colega de quarto. — Josiane desviou o olhar, suas bochechas ficando levemente ruborizadas. — Eu Pensei que ele gostava de mim. Então, um dia, ele meio que jogou umas indiretas. E eu... — Ela balançou a cabeça. — Eu fiz algo. Algo que eu queria, mas com minhas regras. E isso me fez sentir no controle, como se fosse eu quem estivesse mandando. Mas depois...
Patrícia inclinou a cabeça, mantendo o tom calmo.
— Depois?
Josiane engoliu em seco.
— Depois, eu me senti um lixo. Como se fosse... nojenta. Sei que ele nunca me forçou, mas eu não sei por que faço isso. — Ela fechou os olhos, lutando contra as lágrimas. — Às vezes, eu penso que nenhum homem me levaria a sério se soubesse disso. Eles iam achar que eu não sou... pra casar. Eu não sou uma pessoa normal.
Patrícia notou a vulnerabilidade de Josiane e falou com cuidado.
— Josiane, não deve ter sido fácil. E eu quero que você saiba que isso que você sente, essa mistura de controle e depois arrependimento, é por conta de um trauma, não tratado, você precisa colocar isso para fora para se curar.
Josiane balançou a cabeça, rindo com ironia.
— É fácil você falar isso. Você não sabe o que é ser mulher e sentir essas coisas. É como se fosse um absurdo eu pensar assim, fazer essas coisas. Homem pode assistir vídeos adultos, pode ter fantasias e ninguém liga. Mas uma mulher? Eu? Sou um monstro, não é?
Patrícia sorriu gentilmente.
— Não, Josiane. Você não é um monstro. Você é humana. E tudo isso que você sente faz parte de quem você é. Não se trata de certo ou errado, mas de entender o porquê. Se essas fantasias, vêm, de um desejo seu, ou foi construído através de abusos.
Josiane pareceu refletir sobre isso, mas ainda parecia resistente.
— Eu só... às vezes, não me reconheço. Parece que essas fantasias não fossem minhas. Mas elas são. E, de alguma forma, eu odeio isso.
Patrícia assentiu lentamente.
— E é isso que estamos aqui para trabalhar, estamos aqui para entender o que passou com você.
Josiane cruzou os braços, olhando para o chão.
— Eu não sei. Talvez eu só tenha um jeito errado de viver.
Patrícia respondeu com firmeza.
— Você não tem um jeito errado de viver. Você é alguém tentando lidar com sentimentos complexos, com sua história, com suas escolhas. E isso é mais do que suficiente. Vamos continuar trabalhando nisso juntas, no seu ritmo.
Josiane ficou em silêncio, mas pela primeira vez, Patrícia percebeu que ela estava realmente considerando suas palavras. Era um pequeno avanço, mas um avanço real.
Josiane se levantou do sofá lentamente, sabendo que já tinha dado o horário. Seus olhos pareciam evitar o de Patrícia. Enquanto Patrícia se levantava também, lutando para reorganizar seus próprios pensamentos, Josiane parou na porta, hesitou e se virou.
— Eu... obrigada por ouvir tudo isso. Não sei se consigo dizer que me sinto melhor, mas acho que... soltar um pouco do peso foi bom.
Patrícia, ainda tentando manter a compostura profissional, deu um pequeno sorriso e se aproximou da porta, segurando gentilmente a mão de Josiane antes que ela fosse embora.
— Josiane, eu quero agradecer por confiar em mim. Sei que não é fácil, e cada passo que você dá aqui é importante. Não precisa soltar tudo de uma vez. O importante é que você está se permitindo tentar. Não se feche, ok?
Josiane ficou em silêncio por um momento, olhando para a mão de Patrícia segurando a sua. Patrícia soltou devagar, percebendo que talvez tivesse ultrapassado um limite. No entanto, Josiane respirou fundo e, para a surpresa de Patrícia, perguntou hesitante:
— Eu... posso te abraçar?
Patrícia ficou imóvel, surpresa. O pedido era delicado, mas carregado de uma intensidade que ela não esperava. Ela hesitou, olhando para Josiane, que parecia se arrepender da pergunta, e então respondeu com cautela.
— Um abraço não é contra as regras, Josiane. — E abriu os braços de forma acolhedora.
Josiane se aproximou devagar e a abraçou, com os braços firmes, mas cautelosos. Patrícia sentiu o toque e tentou focar no papel profissional que desempenhava, mas algo a atravessou. Era um arrepio sútil, quase imperceptível, mas que fez sua respiração falhar por um instante. Ela fechou os olhos rapidamente, tentando afastar qualquer pensamento inadequado.
Mas então, quando Josiane ia soltar o abraço, seus olhos se encontraram com os de Patrícia por um instante longo demais. Como que puxadas por uma força maior, ambas inclinaram os rostos levemente, até que os lábios ficaram próximos. A respiração delas se misturou, e por um segundo, o mundo pareceu parar.
Foi Patrícia quem recuou primeiro.
— Até a próxima sessão, Josiane.
— Até a próxima sessão — disse Josiane, saindo.
Patrícia ficou parada, com o coração acelerado, sentindo que algo havia mudado irrevogavelmente.
" Isso está se tornando recorrente" pensou ela preocupada, com a aproximação do seus rosto, e lábios.
Mais tarde, após terminar o expediente, Patrícia decidiu buscar ajuda. Ela foi direto ao escritório de Caroline, sua supervisora, com passos hesitantes. Bateu na porta e entrou ao ouvir o sinal de permissão.
Os formatos do ambiente de trabalho, como cores e certos móveis, eram similares em todos os consultórios, deste clínica, com algumas diferenças, ou outras, no caso de Caroline, ela tinha uma mesa para colar o computador, diferente de sala de Patrícia, que tinha apenas, um armário para guarda alguns papeis.
Caroline estava revisando alguns relatórios, mas olhou para Patrícia com atenção ao notar sua expressão cansada.
— Patrícia, você parece exausta. O que houve?
Patrícia se sentou no sofá em frente à mesa de Caroline, evitando o olhar da supervisora por alguns segundos antes de começar.
— Caroline, eu acho que estou me envolvendo demais com a Josiane. — Ela respirou fundo. — Me envolvendo emocionalmente. Eu sinto que estou absorvendo os problemas dela de um jeito que não deveria. E isso está me afetando.
Caroline inclinou-se para frente, cruzando as mãos sobre a mesa.
— Patrícia, isso é normal. Trabalhar com pacientes vindos de abrigos é desafiador. Eles carregam traumas. Mas você precisa se lembrar de uma coisa: é o trabalho deles se abrirem, não o seu de carregar todo o peso, e sim deixar eles se soltarem.
— Eu sei... — Patrícia murmurou, passando a mão pelo cabelo. — Mas, às vezes, sinto que estou falhando com ela. E hoje... ela me pediu um abraço. Eu não sei... foi estranho. Não sei se foi certo, mas eu a abracei, e senti algo, eu estou com medo, deste sentimentos.
Caroline suspirou, mas manteve a calma, porém pela primeira vez ficou preocupada.
— Patrícia, eu entendo que você está tentando ser sensível com Josiane, pelo histórico de vida dela. E abraços não são contra as regras, mas você precisa ter cuidado. Especialmente com pacientes como Josiane, que claramente têm uma ligação emocional com você. Esse tipo de gesto pode confundir mais do que ajudar.
Patrícia assentiu.
— É por isso mesmo que estou aqui. E se você transferisse ela para outro profissional? — sugeriu Patrícia, olhando diretamente para Caroline. — Talvez alguém que consiga manter mais distância...
Caroline balançou a cabeça imediatamente.
— Não. Isso não é uma opção. Você sabe o histórico dela, Patrícia. Quantos profissionais ela já trocou antes de finalmente confiar em você? Transfiri-la agora seria como jogá-la de volta ao zero. Você quer isso para ela?
Patrícia abaixou o olhar, sentindo o peso da responsabilidade. Caroline continuou, com um tom mais firme.
— Além disso, você sabe o quanto esse contrato com os abrigos é importante para nós. Se começarmos a recuar ou mostrar falta de capacidade de lidar com casos difíceis, o que você acha que vai acontecer? Eles vão duvidar de toda a equipe.
— Não estou dizendo que vou desistir dela, posso auxiliar a Marli... Porque se eu ficar com ela... Eu não sei serei capaz de ajudar— Patrícia falou quase em um sussurro.
Caroline sorriu levemente, mas havia um tom sério em sua voz.
— Você já ajudou mais do que imagina, Patrícia. Ela confia em você. E isso não é algo fácil de conquistar. Se precisar de ajuda, eu estou aqui. Mas você precisa continuar. Não por mim, nem pelo contrato. Por ela.
Patrícia ficou em silêncio, absorvendo as palavras de Caroline. Ela sabia que não seria fácil, mas também sabia que abandonar Josiane não era uma opção. Enquanto deixava o escritório, sentiu o peso da responsabilidade sobre os ombros, mas também uma determinação renovada.
Ela sabia que teria que lidar não apenas com os desafios de Josiane, mas também com os seus próprios sentimentos que começavam a emergir de forma incontrolável.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 89
Comments
Vandreia Oliveira
eita
2024-12-31
0