Sofia voltou para casa com a mente inquieta. O encontro com Victor no café havia sido mais intenso do que ela esperava, e o suposto “teste” que fizera nele parecia não ter trazido as respostas que procurava. Ele se mostrara sincero e amável, exatamente o oposto do homem frio e implacável que a mantivera em cativeiro. No entanto, havia algo nos olhos dele, uma sombra oculta, que a fazia hesitar em confiar completamente.
Após deixar suas coisas sobre o sofá, Sofia caminhou até a janela de sua sala, olhando para o céu nublado. O silêncio do apartamento, que geralmente era um refúgio de paz, agora parecia pesado e sufocante. Sua mente ainda ecoava com as palavras de Victor no café, sua voz calma, o olhar intenso que ele sustentara enquanto dizia que não se lembrava de nada sombrio em seu passado. Ele parecia tão convincente que ela quase quis acreditar.
Mas ela não podia se dar ao luxo de ser ingênua.
Naquela noite, Sofia deitou-se na cama, mas o sono não veio. Virava-se de um lado para o outro, as lembranças de seu cativeiro misturando-se com os acontecimentos recentes, criando um mosaico confuso de medo e dúvida. Cada som no apartamento fazia seu coração acelerar, cada sombra a fazia lembrar-se do olhar frio e calculista de César — o verdadeiro homem por trás de sua tortura, ou, pelo menos, o homem que ele tinha sido antes do acidente.
Fechou os olhos e tentou acalmar a mente, mas logo foi invadida pelas lembranças. Era como se cada momento de horror estivesse apenas esperando que ela fechasse os olhos para reaparecer com toda a força.
Ao amanhecer, Sofia já estava acordada. Decidiu fazer uma caminhada no parque para clarear as ideias. O ar fresco da manhã era revigorante, e ela esperava que o contato com a natureza a ajudasse a organizar os pensamentos. As árvores altas e o som dos pássaros traziam uma certa calma, ainda que temporária.
Enquanto caminhava, notou um grupo de crianças correndo e brincando à beira de um pequeno lago, suas risadas ecoando pelo parque. A cena trouxe um leve sorriso aos lábios de Sofia, algo raro nos últimos anos. Era como se, por um instante, ela se esquecesse dos traumas que carregava.
De repente, uma presença familiar ao longe chamou sua atenção. Era ele. Victor estava sentado em um banco próximo, observando-a de longe. O coração de Sofia deu um salto, e ela quase sentiu vontade de fugir, mas se conteve. Ele não parecia ameaçador. Estava apenas... ali, como um homem comum, tomando seu café e observando a manhã.
Respirando fundo, ela decidiu se aproximar. À medida que se aproximava, notou que ele parecia surpreso e, ao mesmo tempo, feliz em vê-la.
— Sofia! — disse ele, com um sorriso gentil. — Que coincidência encontrá-la aqui tão cedo.
Ela forçou um sorriso, tentando esconder seu nervosismo.
— Pois é... achei que uma caminhada me faria bem — respondeu, sentando-se ao lado dele.
Eles ficaram em silêncio por alguns instantes, apenas observando o movimento ao redor. A proximidade com Victor a deixava em alerta, mas, ao mesmo tempo, algo nela queria acreditar que aquele homem era realmente diferente.
— Eu estava pensando no que você disse ontem, sobre… sobre ter passado por algo difícil. — Victor quebrou o silêncio, falando com cautela. — Não quero invadir seu espaço, mas, se precisar de alguém para conversar, estou aqui.
Sofia o olhou, avaliando suas palavras. Ele parecia genuinamente preocupado, mas ela sabia que não podia se abrir totalmente.
— Agradeço, Victor — disse ela, tentando parecer casual. — É apenas... difícil confiar em alguém depois de tudo que passei.
Ele assentiu, o olhar triste.
— Eu entendo. E sinto muito por isso, mesmo sem saber o que exatamente aconteceu. — Ele hesitou, como se buscasse as palavras certas. — Sabe, às vezes sinto que estou sempre tentando entender quem fui, como se estivesse em busca de uma sombra que não consigo alcançar.
As palavras dele a tocaram mais do que ela esperava. Seria possível que ele estivesse realmente tão perdido quanto ela?
— Deve ser difícil — murmurou, quase para si mesma. — Viver sem lembranças do passado.
Ele a olhou com um misto de surpresa e gratidão.
— Sim, é como viver com um vazio constante. Por isso fico feliz em poder criar novas lembranças, conhecer pessoas novas… como você, Sofia.
Ela desviou o olhar, sentindo um misto de culpa e confusão. Sabia que, se ele fosse realmente o homem que a sequestrou, estava brincando com fogo. Mas, por outro lado, havia algo nele agora que parecia tão... humano, tão quebrado quanto ela.
Naquela noite, após retornar do parque, Sofia estava sentada no sofá, revendo as mensagens antigas que trocara com amigos antes do sequestro. Era algo que fazia para se lembrar de quem era, de uma versão sua que parecia distante, mas ao mesmo tempo a fortalecia. Porém, algo a incomodava. Se Victor estava realmente com amnésia, seria possível que ele mudara a ponto de esquecer sua própria natureza cruel? Ou seria tudo um jogo perverso?
Com o celular na mão, decidiu fazer algo que não acreditava que teria coragem: pesquisar sobre o acidente de Victor, sobre os detalhes que ele dizia não se lembrar. Afinal, se quisesse descobrir a verdade, precisaria olhar além do que ele falava.
Rapidamente encontrou um artigo sobre o acidente, e uma informação chamou sua atenção: o veículo onde ele estava realmente explodiu, mas a causa do acidente não foi mencionada. Em outros artigos, alguns vizinhos relataram que ouviram uma discussão antes do carro sair em alta velocidade. Victor estava fugindo de algo? Ou de alguém? A curiosidade misturou-se ao temor, e ela decidiu investigar ainda mais.
Foi então que, em um fórum de notícias locais, encontrou uma postagem de uma pessoa que mencionava que Victor tinha sido visto em uma clínica de reabilitação logo após o acidente, e que, ao sair, sua personalidade parecia completamente transformada. Algumas pessoas comentavam que ele se tornara uma “nova pessoa”, enquanto outros diziam que ele não parecia mais o mesmo.
Essa descoberta fez o coração de Sofia bater mais rápido. Poderia ser verdade que o acidente de fato havia o mudado? E, se isso fosse verdade, o que isso significava para ela?
Se Victor realmente tinha perdido a memória e se tornado alguém diferente, ela poderia finalmente deixar o passado para trás? Ou estava apenas se iludindo, como uma presa que confia no predador em um momento de fraqueza?
Ainda perdida em seus pensamentos, o celular emitiu um som. Era uma mensagem de Victor:
“Gostaria de te ver novamente, Sofia. Algo em você me faz querer lembrar.”
Sofia leu e releu a mensagem, sentindo as palavras dele como um convite enigmático, quase como se ele pedisse ajuda para lembrar quem era. Ao mesmo tempo, sentiu uma ponta de ansiedade crescer. Ela responderia? Aceitaria reencontrá-lo e se expor ao perigo de revisitar o passado? A incerteza a corroía, mas, no fundo, sabia que o destino estava lhe dando a chance de confrontar de vez seus medos e, quem sabe, descobrir a verdade que tanto a atormentava.
Sofia observava o telefone à sua frente, as palavras de Victor ainda brilhando na tela. Cada letra parecia pulsar como um lembrete insistente das memórias sombrias que ela tentava esquecer. Ele queria vê-la novamente. E, mesmo que sua mente gritasse que aquilo era um erro, seu coração hesitava, inquieto, entre o medo e uma curiosidade desconfortável.
Foi nesse estado que Marta encontrou Sofia na sala de estar, encolhida, segurando o celular como se ele pudesse lhe dar todas as respostas. Marta, amiga e confidente de longa data, sabia que Sofia estava lidando com os fantasmas do passado e desconfiava que havia algo mais. Ao vê-la naquele estado, sentiu um aperto no coração, já prevendo o que se passava.
— Ele mandou mensagem, não foi? — Marta perguntou, sentando-se ao lado de Sofia e lançando-lhe um olhar cuidadoso.
Sofia suspirou, deixando o telefone de lado e escondendo o rosto entre as mãos.
— Sim, ele quer me ver de novo. E eu… eu não sei o que fazer, Marta. — Sua voz saiu baixa, quase um sussurro, mas cheia de uma angústia que apenas Marta poderia entender.
Marta suspirou, segurando a mão da amiga, oferecendo-lhe um conforto que apenas alguém que acompanhara a dor de Sofia de perto podia oferecer.
— Sofia, você passou por algo que ninguém deveria passar. Eu sei que é difícil para você, mas precisamos pensar nisso com calma. O Victor… ele te fez tanto mal. Você tem certeza de que ele não está mentindo? Esse tipo de homem não se transforma da noite para o dia.
— É isso que me tortura! — Sofia exclamou, olhando fixamente para Marta. — Cada vez que o vejo, ele parece tão... tão diferente. E eu sinto que, se ele realmente perdeu a memória, eu deveria acreditar. Mas… e se for tudo parte de um jogo? E se ele só estiver fingindo? E se ele estiver esperando a hora certa para me machucar novamente?
Marta permaneceu em silêncio, sentindo o peso da dúvida de Sofia. Ela entendia a hesitação da amiga, mas também não podia ignorar a insegurança que aquele homem trazia para sua vida.
— E se… — Marta começou com cautela, olhando nos olhos de Sofia — e se você tentasse observar um pouco mais, sem se envolver muito? Eu sei que é complicado, mas talvez, com o tempo, ele mesmo revele se está sendo sincero ou se é apenas mais uma manipulação.
Sofia balançou a cabeça, perdida em pensamentos.
— Eu pensei nisso também, mas… ele parece tão sincero, Marta. Ele fala comigo com um tom de arrependimento, de alguém que está tentando entender quem era. E, quando me contou sobre a amnésia… parecia que ele realmente não sabia nada.
Marta estreitou os olhos, cautelosa.
— Sofia, homens como ele sabem fingir. Eles podem transformar mentiras em verdades. E se ele só estiver dizendo o que você quer ouvir? Ele conhece seus pontos fracos. Se ele realmente fosse perigoso, usaria isso contra você.
Sofia abaixou a cabeça, um aperto crescendo em seu peito.
— Eu sei… eu sei que é um risco enorme. Mas, ao mesmo tempo, eu tenho a sensação de que, se eu descobrir o que realmente aconteceu com ele, poderei finalmente ter paz. Talvez eu possa até deixar esse passado horrível para trás. — Ela olhou para Marta, seus olhos marejados de uma mistura de raiva e vulnerabilidade. — O que me machuca mais, Marta, é que eu nunca terei certeza. Nunca vou saber se ele está sendo verdadeiro ou não.
Marta observou a amiga, sentindo o coração apertado. Ela sabia que Sofia precisava de apoio, mas a dúvida entre proteção e liberdade era esmagadora.
— Sofia, apenas prometa que será cuidadosa. Não importa o quão verdadeiro ele possa parecer, nunca deixe de proteger a si mesma. Se precisar de mim, estarei ao seu lado, sempre.
Sofia assentiu, abraçando Marta com força. Havia tanto medo e dor em seu peito que, por um instante, pensou que nunca conseguiria se libertar totalmente daquele passado.
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Atualizado até capítulo 43
Comments
Thallita
Parabéns autora, sua história é muito boa. Tô amando
2024-12-22
1
Cecilia geralda Geralda ramos
ele está jogando com ela e vai ganhar .Sofia está sendo pouco inteligente.
2024-11-08
2