O sol nascia lentamente, projetando luz sobre as árvores, e o ar da manhã trazia consigo uma brisa fria, que parecia anunciar uma mudança. Naquele instante, Sofia estava sentada no canto do pequeno apartamento que agora chamava de lar. Olhava para as paredes sem expressão, observando o mundo através de uma janela, mas sentia-se como uma espectadora. Ela tinha conquistado a liberdade – disso sabia – mas as cicatrizes do passado permaneciam, tatuadas não só em sua pele, mas em sua alma.
A realidade era mais cruel do que imaginara; a liberdade que tanto desejou não trouxe a paz que esperava. Desde que fugira, sua vida havia se tornado um campo de batalhas silenciosas. As memórias do cativeiro retornavam à sua mente como sombras persistentes, enchendo seus dias de uma sensação de alerta constante e suas noites de pesadelos aterradores.
Sentada à mesa da cozinha, com uma caneca de café em mãos, Sofia passou os dedos nas cicatrizes em seus pulsos. Elas eram as marcas visíveis, mas havia tantas outras que ninguém podia ver – feridas psicológicas que a deixavam trêmula, atormentada e sempre com a sensação de que o perigo estava à espreita. Cada cicatriz física era uma lembrança de uma dor que sobrevivera; cada pensamento a levava de volta àquela noite em que correra, desesperada, para longe do inferno.
No silêncio daquele momento, a campainha tocou, tirando-a de seus devaneios. Sofia se encolheu, o coração disparando instantaneamente. Respirou fundo, tentando se recompor. Desde que se mudara, evitava ao máximo interações desnecessárias e raramente recebia visitas. Caminhou devagar até a porta, espiando pelo olho mágico. Era Marta, sua amiga e confidente, a única pessoa que sabia de seu passado sombrio. Sofia sentiu uma pontada de alívio e abriu a porta.
— Oi, Sofia. Eu trouxe algumas coisas para você — Marta disse, sorrindo de maneira tranquilizadora. Ela segurava uma sacola de mantimentos e outra com pequenos itens de decoração, tentando ajudar Sofia a transformar o apartamento em um lar.
— Marta, você não precisava... — Sofia tentou sorrir, mas sabia que seu semblante revelava o cansaço que sentia.
— Eu sei que não precisava, mas quero fazer isso por você. E além disso, achei que você precisava de um pouco de cor neste lugar — Marta riu suavemente, colocando a sacola sobre a mesa.
Sofia observou sua amiga enquanto ela tirava itens da sacola e os colocava no balcão da cozinha, arrumando tudo com delicadeza. Marta sempre fora a pessoa mais otimista que Sofia conhecera, alguém capaz de ver luz até nos momentos mais sombrios. E naquele momento, Sofia precisava daquela presença mais do que nunca.
— Como você está? — Marta perguntou, olhando para Sofia com um misto de preocupação e carinho.
Sofia abaixou os olhos, sentindo o peso da pergunta.
— Tenho... tentado. Mas é difícil, Marta. Às vezes, sinto que ainda estou lá, presa naquele lugar. Não importa o quanto eu queira, não consigo apagar tudo o que vivi.
Marta aproximou-se dela, segurando suas mãos com firmeza.
— Eu entendo, Sofia. Sei que não é fácil. Mas você é forte. Sobreviveu a algo que muitas pessoas não suportariam. As cicatrizes vão estar aí, eu sei, mas com o tempo, você vai aprender a lidar com elas.
Sofia suspirou, ainda insegura. Queria acreditar nas palavras de Marta, mas cada vez que fechava os olhos, as lembranças voltavam, tão vívidas que era como se estivesse de volta ao cativeiro. Era como se o tempo não tivesse passado e como se a liberdade fosse uma ilusão.
— Eu tenho esses pesadelos, Marta. Todos os dias. Às vezes, acordo no meio da noite e sinto que ele está lá, olhando para mim, esperando o momento certo para me levar de volta. É como se eu ainda estivesse fugindo. Como se o passado nunca me deixasse em paz.
Marta segurou os ombros de Sofia, olhando-a nos olhos.
— Esses pesadelos não podem te machucar, Sofia. Eles são apenas memórias. Eu sei que parecem reais, mas você está aqui, está segura. Ele não pode mais te alcançar. — Marta tentou confortá-la, mas Sofia apenas assentiu, sem se convencer totalmente.
Enquanto Marta continuava falando, Sofia desviou o olhar para a janela, perdendo-se nos próprios pensamentos. Marta não sabia a verdade completa; ela não sabia como aquele homem, que um dia chamara de Victor, fora meticuloso em quebrar cada pedaço de sua resistência. Em como ele usara palavras, gestos, tudo para fazê-la sentir que nunca mais seria livre. E agora, mesmo longe, ele ainda estava em sua mente, como uma sombra viva.
— Então, o que você acha de sair um pouco? — Marta interrompeu seus pensamentos.
Sofia hesitou.
— Sair? Não sei, Marta... A ideia de estar lá fora, entre tantas pessoas, me deixa desconfortável.
— Eu entendo, mas não estou sugerindo nada grandioso. Apenas uma caminhada pelo parque. Vamos tomar um pouco de ar fresco. Prometo que ficaremos só nós duas, e se você se sentir desconfortável, voltamos.
Sofia olhou para a amiga, ponderando. Marta sempre fora paciente, respeitando seus limites e oferecendo apoio incondicional. Talvez uma caminhada realmente ajudasse a afastar os fantasmas, mesmo que apenas por alguns minutos.
— Tudo bem — respondeu finalmente, embora sua voz ainda estivesse hesitante. — Vamos tentar.
**
Elas seguiram até o parque, onde o verde das árvores e o som dos pássaros ofereciam um refúgio momentâneo para Sofia. A luz do sol filtrava-se entre as folhas, criando padrões de sombras dançantes pelo caminho. Enquanto caminhavam em silêncio, Sofia sentiu que cada passo era uma luta contra o medo, mas também uma vitória pequena e significativa.
— Então, o que acha? — Marta perguntou, tentando quebrar o silêncio, com um tom leve.
Sofia observou ao redor. Os casais caminhando de mãos dadas, as crianças brincando despreocupadas, pessoas rindo e conversando. Tudo parecia tão normal, tão distante do mundo ao qual ela pertencera por tanto tempo.
— Parece... diferente — respondeu, com a voz quase inaudível.
Marta sorriu, orgulhosa do pequeno progresso da amiga.
— Porque é, Sofia. A normalidade vai voltar aos poucos. Você só precisa se permitir sentir isso.
Elas continuaram andando, mas a calma foi interrompida quando um homem passou ao lado de Sofia, esbarrando de leve em seu ombro. O toque inesperado fez seu corpo reagir de maneira instintiva; um arrepio percorreu-lhe a espinha, e ela parou, trêmula.
— Sofia? Está tudo bem? — Marta perguntou, preocupada.
— Sim, é só... foi só um susto. — Sofia tentou sorrir, mas a verdade era que sentia que o pânico voltava com força total. As memórias se avivaram em sua mente como uma onda, ameaçando a calma que lutara tanto para construir.
— Queremos voltar? — Marta perguntou, segurando a mão de Sofia.
— Sim, acho que sim.
**
De volta ao apartamento, Sofia sentia o peso da experiência do parque e da vulnerabilidade que a dominara. Enquanto Marta arrumava o que restava dos itens que trouxera, Sofia se sentou, passando as mãos pelos pulsos novamente. Sentia-se frustrada, como se estivesse aprisionada em uma cela invisível.
— Eu sei que foi difícil — Marta disse, sentando-se ao lado dela. — Mas o importante é que você tentou, Sofia. E isso é um grande passo.
Sofia queria acreditar nisso, queria encontrar forças em cada pequena vitória, mas as cicatrizes invisíveis que carregava a faziam duvidar. Olhou para Marta e, com uma voz baixa e hesitante, perguntou:
— Você acha que um dia isso vai parar? Que essas memórias vão me deixar em paz?
Marta segurou sua mão com firmeza, transmitindo a força que Sofia tanto precisava.
— Acho que, com o tempo, elas vão se tornar mais fracas. Talvez nunca desapareçam completamente, mas você vai encontrar maneiras de lidar com elas, Sofia. Cada dia que passa é uma prova de sua força. E estou aqui para te ajudar.
Sofia assentiu, sentindo um pequeno alívio nas palavras da amiga. Sabia que a jornada para curar as cicatrizes invisíveis seria longa, mas naquele momento, com a presença de Marta ao seu lado, sentiu que não estava tão sozinha quanto pensara.
— Obrigada, Marta. Não sei o que faria sem você.
— E você não vai precisar descobrir — respondeu Marta, com um sorriso. — Vamos passar por isso juntas, Sofia. Um passo de cada vez.
Naquele instante, Sofia soube que, embora a batalha estivesse apenas começando, ela tinha uma razão para lutar. E, mais do que tudo, ela estava determinada a vencer.
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Atualizado até capítulo 43
Comments
Claudia louca por Livros📚
Esses Victor e um psicopata.
2024-12-20
1
pascoal victor
coitada não deve ter sido fácil passar por isso
2024-12-20
0
Fatima Cavalcante
Alguém explica qual o intuito desse psicopata fazer isso?
2025-01-09
0