Não é a primeira vez que venho ao campo de futebol americano e sento nas arquibancadas pra assistir meu namorado, atacante, treinar com os outros membros do time da Barrycloth, Os Texugos. Mas somando as outras vezes com essa, não tenho dúvidas de que ele é a grande aposta desse ano que trará a vitória pra nossa escola. A jogada desse cara é de titã, o que significa: velocidade máxima, ideias pé-meditadas e ataques surpresas. Com um talento desses, todas as faculdades já podem ir fazendo fila pra lhe ofertarem bolsas de estudo.
Blake e Liam também mandam bem nos treinos. Não tenho visto eles muito próximos desde que o relacionamento deles começou à se submeter a mudanças. Embora a comunicação de ambos dentro do time prevaleça, até porque isso se deve pelo bem de todos os outros jogadores, ainda resta aquele clima estranho de que à qualquer momento um vai explodir com o outro.
O apito do técnico soa pela atmosfera. É o tempo de descanso, o que na minha cabeça é “tempo dos amassos", pois no instante em que Johnny tira o capacete dourado e começa a correr todo sorridente na minha direção, pressinto que ele vai me puxar pra trás das arquibancadas. É pra onde alguns dos outros atletas também levam seus pares pra darem uns pegas.
- Meus fãs, foi mal. Não tem pra todo mundo. Até porque o meu fã numero 1 tá aqui. E como um bom ídolo, tenho que ser todinho dele – diz ele pra algumas pessoas espalhadas pela arquibancada, que dão gritinhos empolgantes enquanto sou conduzido por ele.
Cabelo úmido. Pele suada. Cheiro de hormônio masculino. Nada disso me incomoda nele. A sensação é de que estou velejando em águas prósperas beijando a boca do meu homem.
- O que vai fazer agora que a aula já acabou? – ele me pergunta entre nossos lábios.
- Bom. Eu ia adiantar o dever de casa. Assistir alguma coisa. Sabe, não posso fazer nenhuma arte até meu osso colar – respondo, referindo-me ao meu braço fraturado.
- Eu sei. É por isso que vamos pegar leve.
Analiso seu olhar por alguns segundos com minha expressão franzida.
- O que tá aprontando, hein?
- Jantar. Minha casa. Sopa de mariscos. Não sou eu que vou fazer. Meu avô quer te conhecer.
Sou pego de surpresa, o que me leva à pensar...
- Seus pais também vão estar lá?
- Junior, eu não tenho pais.
O que ele acaba de me contar já parece ter tanto tempo de existência na sua vida que deve ser tudo bem falar isso e continuar sorrindo, mas pra mim, é triste.
- Ah eu sinto muito, Johnny.
- Tá tudo bem. Você vai, né?
- Claro. Eu vou sim. Você me leva na motocicleta?
Ele hesita, mas fala.
- Eu nem deveria. Com seu braço engessado, é um pouco arriscado. Mas prometo que vou devagar.
- Eu sei que vai – confio.
- Melhor eu voltar pro treino antes do técnico cair matando em cima de mim – ele me dá um último beijo e sai marchando rumo ao campo.
Antes que Johnny prepare a motocicleta pra nos levar até sua residência, escrevo uma mensagem de texto sobre eu ir jantar na casa do meu namorado com o avô dele e envio pro perfil do meu pai no chat virtual. Só pra reforçar, peço a Liam que avise ao nosso pai caso ele não leia o meu recado.
Como Johnny prometeu, realizamos um percurso de velocidade moderada até seu bairro, sob o manto de um pôr-do-sol que cobre toda a Los Angeles.
- Bem-vindo ao meu doce e modesto lar.
Ele estaciona o veículo perto do meio-fio. Desço da garupa e contemplo a sua casa. Mesmo que não seja grande, é tão normal e bela que transmite segurança e aconchego. É a essência que toda a moradia precisa ter.
- É adorável – elogio.
Johnny abre a porta e eu entro depois dele. Absorvo um delicioso aroma de comida pairando pelo ambiente. A sopa de mariscos. Um som de talher tilintando vem da cozinha.
- Vovô. O senhor tá aí? – pergunta Johnny, do meu lado.
- Estou indo, pequeno Johnny – responde uma voz masculina desgastada.
Entrando no corredor, um senhor de pele enrugada, cabelos brancos e olhos que inspiraram a mesma cor verde oliva nos olhos do neto, esboça um sorriso genuíno ao se aproximar da gente.
- Vô, esse é Junior Summers, meu namorado. Junior, esse é o meu avô por parte de pai, Hugo Black.
- É um prazer conhecê-lo, senhor – estendo a mão pra apertar a de Hugo e seu toque é cheio de calor amigável.
- O prazer é todo meu, meu rapaz. Sinta-se à vontade. À propósito, o jantar está pronto. Espero que goste de sopa de mariscos.
- Tá brincando? Eu adoro. Meu pai prepara uma de vez em quando – conto à ele.
- Seu pai certamente deve ter um bom gosto culinário.
Os modos de Hugo fazem com que eu me sinta como mais um neto no seio do seu lar. É admirável, pra ser franco. Quando ele me serve a sopa de mariscos na mesa da cozinha, lembro de como meus avós sempre acariciavam meus cachos antes de se sentarem. E como de se esperar, ele faz o mesmo. O doce afeto dos idosos.
- Senhor Black, o senhor cuida de Johnny a quanto tempo? – indago após tomar umas colheradas e elogiar a refeição.
- Vejamos – ele pousa a colher dentro do prato. – Faz 12 anos desde que ele ainda era um garoto quando veio morar comigo. Meu filho, Foster, e sua esposa, Anna, não resistiram ao acidente na estrada. Johnnyzinho foi o único que saiu vivo daquele carro.
- Foi um acidente de carro? – imaginar a tragédia durante a sua narração deixa melancólico.
- A gente colidiu com um outro carro. Primeiro, ele tava vindo com a luz do farol muito forte. Isso meio que atrapalhou o foco de vista do papai. Dai tudo aconteceu – conta Johnny.
- Meus pêsames, senhor.
- Tá tudo bem. Eu já superei. Na vida, temos que estar sempre preparados. Não podemos reverter a morte. Só temos que aceita-la.
Olho pra eles dois, estudando os. Johnny demonstra sinais de superação pela morte de seus pais. Ao contrário do velho Hugo, que ainda sente um pouco da perda. Não desconsidero. Pra alguém que perde o filho, essa deve ser a pior das perdas.
- Acredito que eles estejam orgulhosos pelo senhor estar cuidando do filho deles. Ele tem um doce coração. É o que me faz gostar muito dele – digo isso com toda a minha sinceridade.
- Assim eu fico sem jeito – Johnny consegue fazer com que nós três riamos.
- Vamos marcar o próximo jantar na minha casa. O que vocês acham? – sugiro assim que terminamos.
- Que ideia maravilhosa. Posso levar a sobremesa? – pergunta Hugo, ansioso.
- Fique à vontade, senhor Black.
Conversamos mais um pouco na sala de estar. Johnny assiste à uma partida de xadrez entre seu avô e eu. Ouvimos um disco de vinil do Michael Jackson. E durante o intervalo em que Hugo vai ao banheiro, Johnny me revela um detalhe sobre o mais velho.
- Faz 2 anos que a vovó Marie morreu. Foi muito difícil pra ele aguentar a dor da perda. Eu tava por perto pra ajudar ele à ser forte. Às vezes, eu fico pensando “essa é a minha missão: cuidar do meu avô. Mas quando ele também se for, quem vai cuidar de mim?”
Nessa hora, sou movido pela emoção.
- Eu vou cuidar de você, Johnny. Eu tô aqui pra fazer isso. Pra proteger você.
- Sou eu quem vou te proteger, Junior – ele afaga um lado do meu rosto.
- Seu avô é um grande homem.
- Foi ele quem me inspirou à jogar futebol americano. Ele também foi atacante quando tinha a minha idade.
Estou caminhando para o hall de entrada da casa e me despeço completamente gratificado de Hugo Black.
- Muito obrigado pelo jantar, senhor Black. Espero vê-lo em breve em minha casa. Gostaria de apresenta-lo ao meu pai e ao meu irmão.
- Obrigado, meu jovem. Adorei te conhecer, Junior. É um rapaz encantador. Meu neto tem muita bênção de tê-lo como seu namorado.
Nos abraçamos. Aceno na garupa da moto. E Johnny me leva de volta pra casa.
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Atualizado até capítulo 40
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