Eu decido adiantar meus deveres de casa com a chegada da noite, mas não posso focar exclusivamente nessa tarefa sem manter a minha hidratação. Desse modo, desço até a cozinha e busco um copo cheio de água. Tomo dois goles antes de subir a escada. Imagino que nenhum empecilho pelo caminho me fará derrubar a bebida. De fato eu não derrubo. No entanto, parece que tô dando de cara numa parede invisível que não só me deixa deturpado como também curioso.
Olho pra dentro do quarto de Liam. Nesse exato momento, ele tá espirrando perfume de um frasco na sua camisa azul xadrez de mangas cumpridas. Depois aplica gel fixador nos seus cachos loiros de surfista. E em seguida, passa manteiga de cacau nos lábios! Normalmente ele não se vesti assim, se aplumando como se estivesse indo pra um... ENCONTRO!
ALERTA DE SEGURANÇA MÁXIMA.
- À onde você tá indo? – pergunto naturalmente.
- Nesta noite, tá tudo garantido. Até o trunfo de ir pra cama com ela. Tenho um encontro com Lena – responde ele, de sorriso espontâneo.
- Ah droga – sussurro. Isso não pode tá acontecendo. Não mesmo.
- O que disse? – ele me fita, curioso.
- Eu lembrei de uma coisa. Esqueci que eu precisava ter pegado um livro emprestado na biblioteca. Tenho um teste sobre o romance de Davi e Jonas amanhã – nossa. De onde eu tirei isso? Acho que seja por eu estar com Blake na cabeça. Sendo que, coloca-lo ao lado de Liam acaba me lembrando esses dois melhores amigos citados na Bíblia, que na minha interpretação tiveram algo especial além da amizade.
- Relaxa, maninho. Seu herói nunca te deixa na mão. Sabe disso, né?
Ele tira da sua estante de livros ao lado da cama um livro cujo o título corresponde com o romance que falei e entrega nas minhas mãos. Tenho um outro guardado na minha mochila.
- Eu fiz esse teste ano passado. Foi facilzinho. Inclusive, ainda tenho as respostas. Vai querer?
- Eu sou anti-cola, mas valeu. Bom, eu vou indo nessa. Boa sorte com seu encontro – me despeço.
- Obrigado, Junior.
Pulo pra dentro do meu quarto e fecho a porta, disposto a criar um plano. Eu tenho que fazer alguma coisa. Liam não pode ter um lance com Lena. Ele tem que ser do Blake e ponto final. Pensa, Junior. Pensa. O que posso fazer pra ele não se encontrar com ela?
Afinal de contas, por quê estou fazendo isso pelo Blake? Não é só por ele ser meu amigo, nem pela minha opinião de que ele é a pessoa ideal pra ficar com meu irmão. É mais do que isso. Tem haver comigo. De repente eu me recordo da lembrança que eu abafei por muito tempo no meu subconsciente desde que eu vivi a mesma experiência. Uma história deprimente. Eu nunca mais vi aquela pessoa, só sei de como o meu coração ficou despedaçado. Por isso eu me identifiquei com Blake. Não vou suportar ver ele passar pelo mesmo sofrimento.
Ouço a porta do quarto de Liam se fechando e seus passos se afastando. Ele tá prestes à sair. O tempo tá se esgotando. Desesperado, olho pra todos os cantos, e dentro de segundos, focalizo meu skate apoiado nas caixas de papelão do armário. A ideia corta a minha mente feito um raio. É insano. Na verdade, suicida. No entanto, é a última que me resta.
- Com essa agora, eu vou longe.
Não tenho mais tempo pra pensar melhor. Apanho o skate. Faz uns dois meses que não prático manobras num outro modelo que deixei no Brasil. Esse aqui caí muito bem como um substituto. Desço as escadas escutando uma conversa de Liam com meu pai na cozinha, o que me leva à sair despercebidamente pra fora de casa. Escondo-me atrás de um arbusto plantado no jardim do meu vizinho Bill Reed e espero.
Liam surgi e entra no Montana do papai. Enquanto ele liga o motor, deito o skate no chão, já me preparando. Controlo meu nervosismo. Respiro firme, apoiando uma perna na prancha. Ele está entrando na rua. Tomo impulso com a outra perna e começo à me mover pra frente. Minhas mãos estão úmidas de suor. Nos próximos segundos, o baque é inevitável.
Freio, pneus cantando, impacto do capô. Rolo pelo asfalto e permaneço deitado de peito pra cima. Uma dor aguda que me faz ver estrelinhas toma conta do meu braço atingido.
- JUNIOR! O QUE FOI ISSO?! EU TE MACHUQUEI? AH MEU DEUS! CONSEGUE SE MEXER?! DIZ ALGUMA COISA! – meu irmão se ajoelha ao meu lado.
- Você quebrou meu braço... Como pôde? Ai!
- Aguente firme. Eu vou chamar a ambulância. Quem sabe eu ligo até pra funerária e encomendo logo o meu caixão. Papai vai me matar depois dessa.
Nosso pai até já pode se adiantar sobre isso, pois ele aparece bem na hora.
- O que tá aconte... FILHO!
- Pai, eu tô bem. Não foi tão grave. Eu acho – espero não ter quebrado mais nada, mas sinto que foi só o braço mesmo.
- Você atropelou ele? – meu pai encara Liam, ambos ainda digerindo o ocorrido.
- Ele cortou a minha frente. Eu juro. Foi tudo muito rápido. Junior, o que você tava fazendo?
- Eu só tava praticando um pouco de skate. Eu também não vi que você tava vindo com o carro – minhas mentiras tão sempre na ponta da língua mesmo que meus olhos lacrimejam devido à dor horrível.
Liam tá com o celular no ouvido.
- Alô. É da emergência? Meu irmão sofreu um atropelamento. Ele precisa de socorros.
Em seguida, ele começa a gravar um áudio.
- Lena. Por favor, escute esse áudio. Foi mal por isso. Houve um imprevisto. Atropelei meu irmão sem querer. Agora eu tenho que acompanha-lo até o hospital. A gente marca outro dia então.
Outro dia. Acho que posso pedir pra outra pessoa ser atropelada no meu lugar. Quem sabe duas dessa vez. Não. Vai que alguém morre. Tenho que pensar em algo melhor. Eu também podia ter morrido. Mas quais seriam minhas outras opções pra cancelar o encontro de Liam?
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Atualizado até capítulo 40
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