Honestidade

Lolla

Acordo com uma dor de cabeça horrível e a boca seca, tal qual um deserto árido. Até os meus olhos doem e eu preciso piscar várias vezes para que eles se ajustem à luz que entra pela janela. Me sento com uma tontura e enjôo terríveis, meu estômago queima e a boca seca é o que mais me incomoda.

Caminho até a cozinha, disposta a beber o máximo de água que eu conseguir e suspeito que ainda não será suficiente.

–"Buenos días", Eloísa. –Reconheço o tom de reprimenda de Hector.

–Bronca agora não, Hector. Acho que estou morrendo. –Dramatizo.

–Beba água gelada e um analgésico, logo vai melhorar. Agora me diga, quem era o cara que estava com você ontem?

–Cara? –Droga, eu me lembro vagamente... –Um cara que conheci na boate, não aconteceu nada. –Pelo menos eu acho que não.

–Você foi muito irresponsável, Lolla! Não pode sair por aí agindo assim.

–É frustrante não é? É a mesma coisa que sinto quando você sai por aí dirigindo como um louco. –Rebato.

Hector se cala, mas sei que essa conversa ainda não acabou. Realmente fui muito irresponsável, se Caille não estivesse lá, sabe Deus o que teria acontecido. Que vergonha, eu nem conheço o rapaz e contei meus problemas para ele, fora as coisas das quais não me lembro direito, ele me trouxe em casa, pelo que Hector disse, mas eu estava acordada? Não consigo me lembrar. Será que trocamos números de telefone? É isso, vou olhar meu celular em busca de alguma pista.

Depois de beber uns quatro copos com água e dois analgésicos, volto para o quarto e pego meu celular na escrivaninha. "Mierda", está descarregado. Coloco para carregar e vou para o banho, ainda tenho que ir trabalhar e depois faculdade, pelo menos hoje não tenho que carregar o fardo da Rainbow.

Escolho uma camiseta e calça jeans no guarda roupas, seco o cabelo e passo uma maquiagem leve só pra disfarçar a minha cara de derrota. O celular já deve ter carregado pelo menos a metade. Ligo e logo as notificações começam a chegar... Poucas mensagens não lidas de Brad e Debby, uma ligação perdida de Hector e uma notificação do banco. Abro o aplicativo e "madre de Dios"! Quinze mil dólares! Quem fez essa transferência? Está em nome de CM's Holding, eles devem ter errado, eu preciso devolver.

–Hector! –Grito enquanto caminho embasbacada até a sala. –Você não vai acreditar! Uma empresa transferiu quinze mil dólares para minha conta.

–Como assim? Por quê? –Ele fica tão embasbacado quanto eu.

–Não sei, deve ter ocorrido algum engano. Acho que vou até lá devolver.

–É o certo... Mas seria de tanta ajuda...

–Sim, seria...

De fato seria de grande ajuda e eu até pensei algumas vezes em ficar com o dinheiro pra mim, mas se eu gastar esse dinheiro e depois a empresa recorrer, não terei como devolvê-lo. É o certo a se fazer, mesmo que meu coração esteja doendo por isso.

Pesquiso no Google o endereço da holding, decido passar lá no intervalo de tempo entre o trabalho e a faculdade, resolver tudo e talvez eles até me recompensem pela honestidade, tomara que sejam generosos.

Chego na Food Happy, coloco o uniforme e aguardo no balcão de atendimento, segundas são os dias mais vazios e geralmente ficamos a maior parte do tempo ociosos.

–Como foi o fim de semana? –Debby encosta ao meu lado.

–Foi agitado. –Respondo. –Hector bateu o carro.

–De novo? –Balança a cabeça em negativa.

–Sim e desta vez o estrago foi dos grandes. Nosso carro eu ainda não vi, mas o outro ficou quase quatro mil dólares o conserto. –Reviro os olhos.

–E como vocês vão pagar? –Debby pergunta, preocupada.

–Não tenho ideia. O pior é que uma empresa transferiu quinze mil pra minha conta por engano. –Suspiro.

–Uau, quem me dera!

–É amiga, também achei que era uma coisa boa, mas depois de pensar um tempo, cheguei a conclusão de que o melhor é devolver.

–O quê? Por quê? –Ela me olha como se eu fosse um bicho de sete cabeças.

–Se eu gasto e eles percebem seu erro? Eles vão querer que eu devolva o dinheiro e já não terei mais como devolver. Seria um vexame.

–É, pensando por esse lado... Enfim, eu não queria estar na sua pele. –Ela ri.

Depois do expediente na lanchonete, troco de roupa no vestiário e olho mais uma vez o endereço da empresa, por sorte é próximo daqui e eu conseguirei ir andando... Estou com tanta pena de me desfazer desse dinheiro.

Com toda essa confusão, até me esqueci de olhar se o número de Caille está salvo no meu celular, gostaria de falar com ele sobre tudo o que aconteceu ontem, refrescar minha memória inundada pelo álcool. Devo ter passado tanta vergonha na frente daquele homem perfeito...

–Boa tarde, em que posso ajudá-la? –A recepcionista pergunta assim que entro.

–Boa tarde. É que fizeram uma transferência para a minha conta, desta empresa.

–A senhorita fez algum investimento conosco?

–Não, eu não tenho nenhum vínculo com vocês, não sei do que se trata. –Dou de ombros.

–Certo, vou ligar para o financeiro. Aguarde um instante.

Me sento numa das poltronas pretas espaçosas, o lugar é grande e suntuoso, paredes brancas e decoração preta, como vasos, quadros, troféus e coisas do tipo.

–A senhorita tem certeza que foi desta empresa? –A recepcionista pergunta.

–Sim. –Mostro à ela o extrato.

–Tiff, foi daqui sim. Ontem a noite. –Ela diz ao telefone. –Nossa responsável financeira vai verificar o ocorrido. –Ela sorri. –Só mais um minuto.

Desta vez mantenho-me em pé. Ela disse ontem a noite? Eu não prestei atenção na hora, só no valor. Olho o extrato novamente, o valor foi transferido às onze e cinquenta e oito da noite. "Dios mío". Será que eu saí com alguém por dinheiro? O dono desta empresa? Não, não, não! Eu não faria isso, faria? Droga, por que eu não me lembro. Então, não foi Caille quem me levou pra casa? Ou será que ele é o dono? Não, ele é jovem demais pra isso... O que é ainda pior, eu devo ter dormido com um cara velho e nojento. Oh, céus.

–Senhorita? –A recepcionista chama. –O CEO lhe aguarda. Último andar, elevador à primeira esquerda, pode subir.

"Madre de Dios".

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