Vazio.

Meu coração martela no meu peito, ainda refém do choque de toda a situação. Por alguns poucos centímetros aquele carro não me levou direto para ver Jesus. E pior do que isso são essas imagens insistentes na minha cabeça.

Eu sou normalmente uma pessoa muito imaginativa, mas essas imagens não parecem ser simples frutos da minha imaginação. Elas parecem memórias. Como se algo estivesse reprimindo elas, e de repente aquele automóvel tivesse quebrado essa barreira. Eu me sinto zonza por mais algum tempo, só então me dando conta da proximidade entre Lucian e eu. Mais que depressa, me coloco de volta aos meus pés, endireitando minha postura e atravessando a rua com o Senhor Falcone ao meu lado.

— Obrigada, Senhor Falcone... - é tudo o que consigo dizer, enquanto me apresso rumo ao prédio da corporação.

— Não me agradeça, apenas preste mais atenção da próxima vez. - seu tom é quase gentil.

— Eu farei isso. - em compensação, eu não consigo soar tão amigável com ele depois de nossa pequena discussão anterior, mesmo que ele tenha me salvado de um atropelamento.

— Senhorita Amber... - ele me chama, mas já estamos quase na porta da empresa.

— Sua próxima reunião é no 16º andar. - paro por alguns instantes para que ele possa andar na frente e o sigo de perto, tentando parecer o mais neutra possível enquanto mexo no meu iPad profissional.

— Muito bem... Apenas passe na minha sala antes de deixar a empresa esta noite. Quero falar com você... Seus shows vão ter que esperar dessa vez.

— Sim, senhor. Como quiser...

......................

Me concentrar nos e-mails e telefonemas pelo resto da tarde foi a coisa mais difícil que fiz nas últimas semanas. A cada vez que fecho os meus olhos, vejo cenas de um acidente de carro. Sangue, gritos e chamas surgem na minha cabeça, por vezes me fazendo perder o fôlego e caminhar pelo escritório, desnorteada. Então eu me lembro que Lucian pode me ver pela câmera e volto a me sentar, tomando um copo de água e respirando fundo.

É tão estranho essa sensação. Como se eu tivesse perdido algo muito importante. Como se eu estivesse olhando para o buraco vazio em um jogo de quebra cabeças. Eu claramente não tenho todas as peças, e isso é uma droga. Por um segundo, sinto como se eu estivesse atuando em uma novela ou algo parecido. Como se a minha vida não fosse minha.

Suspiro, olhando o relógio e vendo que meu horário está prestes a acabar. No meu telefone, a tela acesa com uma mensagem do Sr. Workaholic. É bem simples e direta.

"Te espero na minha sala."

Eu havia me esquecido completamente sobre isso. Seja lá o que ele tiver para me dizer, é melhor eu não fazer com que espere muito. Sem dar tempo para as minhas paranóias, desligo o computador e guardo as minhas coisas, deixando o escritório trancado antes de ir até a sala da presidência. Bato na porta levemente, sentindo um nó se formar no meu estômago.

— Entre... - a voz de Lucian soa calma e distraída do outro lado.

— Senhor... - me pronuncio assim que abro a porta.

— Feche a porta... Você conferiu se têm mais alguém nesse andar? - ele pergunta sem olhar para mim.

— Apenas nós dois, senhor... - obedeço ele e me aproximo de sua mesa com cautela.

Ele está parado de costas para mim. Não se moveu nem um único centímetro desde quando eu entrei. Eu sei que ele me observa pelo reflexo no vidro, mas não consigo decifrar suas intenções ou objetivos. O que apenas aumenta meu desconforto. Um minuto inteiro de silêncio se segue, enquanto eu mudo meu peso de uma perna para a outra, sem ter certeza de como proceder.

— Eu quero confiar em você, srta Amber. Quero mesmo... - ele respira fundo, me olhando de canto. - Mas isso fica difícil quando eu não acho nenhuma informação sobre você em lugar algum, exceto pelo seu currículo.

— Espera, o quê?! - Suas palavras me pegam desprevenida, me forçando a recuar alguns passos. - Eu sugiro que procure novamente. Eu tenho certeza que vai encontrar todas as informações que procura.

— Você não parece muito certa sobre isso... - ele se vira na minha direção e caminha até mim, parando a poucos centímetros. Eu sou forçada a erguer o rosto para encarar seus olhos desconfiados. - Eu pedi para uma pessoa de confiança checar para mim. Você pode me dizer o nome da faculdade onde você fez sua graduação em administração, Senhorita Amber?

— É claro, eu... Foi na Universidade... - forço meu cérebro a lembrar, mas nada vêm. Na verdade, eu nem consigo me lembrar de ter feito faculdade. - Desculpe, senhor. Acho que ainda não me recuperei do que houve mais cedo.

— É, parece que sim... - ele se afasta, indo até sua mesa e se sentando. - Acontece que não existe nenhum registro de que você passou por essa faculdade no seu currículo. Eu não consigo dizer nem mesmo onde você nasceu... Como isso é possível?

— Senhor, eu realmente não faço idéia... E honestamente, essa conversa me assusta um tanto. Porque eu não consigo me lembrar das informações que me pergunta, e nem de boa parte da minha vida. Eu não sei dizer o porquê. - Encaro o chão, sentindo que posso afundar nele a qualquer instante.

Lucian passa as mãos por seus cabelos, parecendo exausto. Ele pragueja baixo, parecendo procurar as palavras certas.

— Eu acho que temos alguns problemas, Senhorita Amber.

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