Cap-3

Kim

A tarde me serviu de consolo, foi bem movimentado e não me permitiu lembrar da minha triste vida.

Ainden chegou depois do horário de costume, e já "daquele" jeito, jogando a mochila em qualquer canto, e se jogando no sofá, sem nem ao menos dizer "oi".

Para provoca-lo, fui até ele e deixei um beijo no topo da sua cabeça, no meio da cabeleira escura.

— Oi querido!

— Mãe?!— protestou—  Já disse pra não ficar me beijando no meio das pessoas!— reclamou sem tirar os olhos do celular.

— Puxa! Esqueci!— fingi não lembrar— Quer comer alguma coisa?

— Não. Eu já comi.

— Onde estava? Porque chegou mais tarde?— indaguei desconfiada.

— Fui almoçar com uns amigos.

— Porque não trouxe seus amigos aqui, podia servir almoço de graça para todos...

Ainden deu com os ombros, e eu fui continuar o meu trabalho. Ele estava sendo mais frio que de costume, mas eu sabia o motivo, que era porque ele sabia que hoje havia finalizado o divórcio. Isso nos deixa numa posição vulnerável com os filhos, não sabemos o que dizer, como explicar... é horrível!

— Senhora Crawford...

— De hoje em diante, senhora Montgomery.— interrompi Eddy.

— Certo... eu preciso sair mais cedo hoje, minha avó está doente e minha mãe não tem quem fique com minha irmãzinha...

— Tudo bem, pode ir.— respondi gentilmente.

Eddy é um garoto de dezoito anos, que trabalha para mim desde os dezesseis, é de uma família pobre e de um lar onde o pai os abandonaram. É um garoto doce, muito inteligente, cuida do caixa e também ajuda como garçom.

Quando o garoto se foi, pedi para o Ainden ficar no caixa, o lugar estava bem movimentado e não dava para me desdobrar em 10 pessoas. Ele foi reclamando, mas foi, já é uma vitória.

Próximo do horário de fechar, geralmente as 22h, o doutor bonitão passou por aqui de novo. Já estava tudo vazio, as cadeiras pra cima e minhas coisas já estavam arrumadas.

— Dr. Barker!— exclamei surpresa.

— Que bom que cheguei a tempo! Preciso de um café forte!— ele exclamou cansado.

— Dia difícil?— perguntei naturalmente, enquanto pegava uma caneca e enchia com o líquido quente.

— Mal voltei, e já vou ter que ficar de plantão... e só esse café daqui para me renovar... tem torta de pêssego?— ele perguntou sentando nas cadeiras do balcão.

— Hoje não... também não tive um dia bom... tem uma fatia de cereja, mas é de ontem.— falei olhando o balcão com as tortas.

— Pode ser, gosto de cereja também.

— Vai comer aqui, ou levar?

— Vou levar, não quero te atrasar...

— Não vai me atrasar, clientes sempre tem a preferência.— falei colocando a torta num prato e entregando para ele.

— Prometi para minhas filhas que voltaria de noite para casa, e aqui estou eu, descumprindo mais uma promessa...— ele murmurou antes de colocar uma colherada da torta na boca.

— Acho que nem com super poderes, conseguiríamos cumprir todas promessas que fazemos... Como pais imperfeitos, a gente faz o que pode...— falei pensativa me apoiando no balcão.

— Quando a Lize era viva, ela segurava as pontas, podia confiar que minhas filhas estavam bem cuidadas e seguras... mas agora, eu não tenho idéia do que fazer, fiquei dois meses de licença, e ainda assim, não entendo minhas filhas... Meus pais falam que devo ser mais presente, mas sou um médico, minha vida é cheia de imprevistos... Sinceramente, eu não faço idéia de como vou conciliar meu trabalho, sendo pai e mãe, de uma adolescente e uma criança!— desabafou o doutor.

— Vai dar um jeito... no começo pode parecer impossível, mas depois, vão se acostumar. Quando tiver folga, tente ficar com suas filhas o máximo que puder, com o tempo elas vão entender que ama elas, mesmo não podendo estar presente em todos os momentos.— aconcelhei.

Ele me olhou admirado.

— Parece que já viveu isso... desculpe se estou sendo invasivo.

— Eu vivi.— confirmei com um sorriso—  Meu pai era um promotor da justiça e ficava muito tempo fora de casa, e quase não nos víamos. Mas quando ele folgava, se dedicava inteiramente a família. Com o tempo eu percebi, que não adiantava ficar revoltada pela falta do meu pai, outras pessoas precisava dele. Entendi que sua ausência não era porque não me amava, mas sim, porque ele precisava.

— Fiquei mais esperançoso agora. Com quantos anos percebeu isso?

— Acho que tinha uns dezoito... quando fui para faculdade.— respondi.

— Vixe... então tenho que aguentar mais dois anos, a falta de compreensão da mais velha...

Dei risada.

— Mas não se esqueça de quando estiver com elas, estar presente, sabe? Não sei se o doutor me entende...

Ele encolheu os ombros, como se não compreendesse o que eu queria dizer.

— Ouça suas filhas, faça perguntas sobre o dia e a semana, e mostre interesse nos assuntos delas. Tente ser um amigo, e não um pai mandão... Meu pai é assim, um verdadeiro amigo. Ele compensou todo tempo ausente comigo, com uma simples passada no meu quarto a noite, em que perguntava como foi meu dia, ou num abraço caloroso e sem motivo...

— Nossa, você gosta mesmo do seu pai. Espero que minhas filhas me amem assim um dia.— falou admirado, colocando o último pedaço de torta na boca.

— Tenho certeza que elas te amam, só estão orgulhosas de mais para admitir.— abaixei meu tom de voz e continuei—  Sei o que é isso, também tenho um adolescente em casa, que mesmo eu sendo a vítima no divórcio, me culpa. Mas mesmo assim, preferiu morar comigo.— dei uma piscadinha e disse—  Então, eles nos ama sim.

— Eu sinto muito pelo seu divórcio, eu não fazia idéia...— ele disse com pesar.

— Já passou... estou mais conformada... só aquela sensação de mulher rejeitada e incapaz que me persegue, mas com tempo acho que melhora...— murmurei cabisbaixa.

— Não deveria se sentir assim, te acho uma mulher incrível, cuida desse bistrô com maestria, e é uma mulher linda e atraente. Quem perdeu, foi seu ex marido, porque duvido que ele vai achar uma mulher que chegue a sua altura. Em todos os sentidos.— ele falou com um sorriso gentil e uma sinceridade atraente.

— Que fofo! Sua esposa devia ser apaixonada pelo senhor.— respondi com um sorriso.

— Tínhamos nossos desentendimentos, mas, nos dávamos muito bem. Nunca faltou amor.— ele respondeu com um sorriso e seus olhos divagaram, com certeza, lembrando da falecida esposa.

— O universo é misterioso e irônico... separa quem se ama pela eternidade, e quem não se ama mais, deixa vivo, para lembrar todos os dias do relacionamento fracassado...— reclamei.

— Pois é... mistérios da vida...— o doutor disse se levantando— Foi um prazer falar contigo, senhorita Montgomery.

— O prazer foi meu. Sempre que quiser conversar, sabe onde me encontrar, dr. Barker.

Ele assentiu com um sorriso e saiu. Suspirei profundamente. Estava exausta.

— Mal se separou do papai, e já está abrindo os dentes para outro!— Ainden falou com raiva.

Lancei um olhar fuzilante para ele, e contei até dez mentalmente, para não avançar nele e dar uns tapas.

— Pelo menos estou oficialmente solteira, pior foi seu pai, que me enganou por dois anos!— bradei.

Me arrependi no próximo segundo, Ainden não precisava ouvir eu denegrir a imagem do pai, ele já entendia as coisas, mas não queria criar essa disputa entre nós.

— Me desculpe, Ainden...— falei segurando a mão dele— Me entenda. Acha que eu queria esse divórcio? Eu não queria. Mas porque duas pessoas que não se amam mais, vai ficar insistindo em algo que não dá certo?

Ele deu com os ombros como sempre faz.

— Meu filho, eu e seu pai te amamos, isso não mudou.— apertei o nariz dele e continuei em tom de brincadeira— E para de achar que estava abrindo os dentes para o doutor!

— Estava sim!— ele insistiu rindo.

Estreitei os olhos.

— Estávamos lamentando nossa vida. Como poderia abrir os dentes para algo ruim?— perguntei com as sobrancelhas levantadas.

— Da próxima vez, vou tirar uma foto!

Baguncei os cabelos dele e nos ajeitamos para ir para casa.

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