Pura magia

As águas estavam revoltas, aclamando por sua senhora. Galatéia se aproximou, sentando-se levemente no chão de mármore, deixando seus pés repousando na água. As ondas apaziguaram imediatamente, reconhecendo o poder de sua rainha. O vento acariciou suas bochechas, beijando-a friamente. A garota de cabelos brancos fechou seus olhos, se concentrando na mágica do seu encantamento.

— Me ad me convertere et aqua...

   Em resposta os ventos ficaram revoltos enquanto as águas circulava por entre suas pernas, quebrando os seus ossos e juntando a carne. Seu rosto estava coberto por uma camada fina de suor, já havia passado por isso tantas vezes que havia se acostumado com a dor de seus membros se partindo e remendando-se logo em seguida. A cauda albina e vez ou outra —dependendo de como a luz refletia nela por conta das escamas —, violáceo. Galatéia reabriu os olhos, se deleitando com as sensações de ter sua verdadeira forma de volta, mesmo que por um curto período. Suas feridas foram se fechando aos poucos, até que não houvesse ao menos uma cicatriz.

A mesma deitou a cabeça no seu braço, no chão. Fechou os olhos de novo, sentindo-se triste por não poder entrar na água, já que se o fizesse certamente não voltaria.

— Eu sei que você está aí, Dáiríne — sua voz soou taciturna e estafada.

   A garota miúda caminhou para longe da sombra. A luz do sol fazia seus cabelos brilharem de uma forma sobrenatural, assim como os olhos da mesma cor, porém os mesmos pareciam ter estrelas minúsculas desenhadas na órbita.

— D-desculpa, eu não quis incomoda-la, apenas ver se estava bem — as mãos, como sempre, estava entorno do vestido, os apertando de nervosismo.

   Galatéia queria rir na cara dela, contudo se controlou. Balançou sua cauda na água, sentindo-a acalmar suas emoções. Era tão complicado ter um momento de paz quando se era de uma linhagem de sereias estúpidas, não importa como você é reconhecida na água por seu povo, as coisas são sempre diferentes. Não importa se você os ajudou, no fim parecia que havia lutado por uma paz que não existia, pelo menos não para ela, não para os seus filhos.

— Por que não lutou? Você com certeza poderia ter derrotado ela.

Galatéia refletiu por um momento, pensando em como responderia.

—Eu não a odeio e não estou aqui por conta própria, se ela quiser ter uma luta justa, vamos ter no torneio — ela fez força para se sentar.— Eu não tenho tempo e não quero o perder com esse tipo de luta desnecessária - ela se esticou, se espreguiçando. — Acredite em mim quando digo que esta não é a primeira e nem a última vez que irei ser tratada assim.

— Existe sempre um preconceito por meio das criaturas. Não é apenas um hábito humano ridicularizar os outros.

— Sim. Assim como o fato de você ser meio siren e duende. — Gall arqueou uma sobrancelha.

Dáiríne ficou vermelha novamente, só que agora a vermelhidão se estendeu até o pescoço e as pontas dos dedos da mão.

— Como soube disso?

— A questão aqui é, quando você iria me contar?

Ela respirou fundo, passando a mão na testa para retirar os fios que havia se prendido alí.

— Eu sei que você odeia eles pelo que fizeram na guerra, queria manter essa parte sobre mim oculta.

— Você não tem nada a ver com os erros daqueles seres enoj... argh! — se controlou, inspirando lentamente. — Enfim, embora eu não goste deles, não tem porque você esconder quem você é. Eu mesmo carrego o fardo daqueles peixes asininos de terem começado uma guerra, quando eu nem sequer estava no comando — relata. — Então isso é culpa minha?

— Claro que não...

— Exatamente. A culpa não é sua, é da sua mãe por ter um mal gosto de merda — brinca.

Por uns instantes uma escuridão se apodera da íris da garota, mas foi por tão pouco segundos que Galatéia se perguntou se havia mesmo visto.

— Desculpa! Eu não quis fazer piad-

— Está tudo bem — sorriu, singela. — Ela morreu já tem um bom tempo é que... Não estou habituada que falem dela tão abertamente.

   Galatéia morde os lábios, focando seu olhar no oceano a frente, não sabendo como reagir. Sabia que para outras criaturas falar de alguém próximo a elas que já havia morrido é doloroso ao extremo, são sempre rancorosos ou sorumbáticos.

   Dáiríne também ficou em silêncio, ela se aproximou e se sentou ao lado da sereia. Ambas ficaram em mutismo por vários minutos, apenas focando no mar quebrando nas rochas, se chocando com força e o vento soprando de forma sintonizada com as ondas, jogando seus cabelos para trás, causando-lhes calmaria.

Depois do que se pareceram horas, ela fala:

— Ela sempre a admirou, sabe? Quando você ainda estava treinando para ser uma rainha — confessa. — Sempre dizia que você seria uma grande rainha.

Galatéia sente-se ruborizada.

— Ela parecia ser uma grande deusa.

— Sim, ela era.

   Gall fixou seu olhar na água, ouvindo seus filhos a convocar. Sussurrando, suplicando por sua mágica, mas ela não podia voltar agora. Havia algo acontecendo no Conselho e ela não iria descobrir se fosse embora. Aos pouco sua cauda foi sumindo dando lugar as belas pernas pálida e definida.

— Eles estão a chamando. Não ira ver o que querem? — indagou, confusa.

Galatéia se levantou.

— O tempo dentro da água não é o mesmo que aqui. Se eu entrasse, demoraria cerca de duas semanas até que eu conseguisse sair.

Dáiríne assentiu com a cabeça, sentindo-se inquieta.

— Galatéia... — chamou.

A mesma que já se virava para saí, virou-se para a garota.

— Sim?

   A pequena voltou a fechar as mãos em punho no vestido, que só agora havia percebido que embora seja o mesmo modelo de antes, solto com babadinhos que iam até os joelhos, agora era verde.

— Como que você se tornou uma rainha? — perguntou, tímida. — Desculpa, e-eu não sei como é embaixo d'água, se são os mesmo costumes que aqui...

— Uma rainha não precisa nascer necessariamente de um útero — revela, enquanto penteia seus cabelos com os dedos.

— O que quer dizer com isso??

— Quero dizer que o oceano decide quando está na hora de nascer uma nova rainha.

— Eu ainda não entendi — sua testa estava franzida.

Galatéia bufa.

— Todas são aclamadas pelas águas para um único lugar, onde todas irão doar sua magia para a bolha que é formada um ser — fez uma bolinha minúscula com água na palma da mão, tentando fazer a outra compreender melhor.

— Não existe outro modo de alguém se tornar uma deusa das águas?

Galatéia sorriu, misteriosa.

— Ter, tem. Porém não é muito recomendável.

— Por que? — curiosidade pingava em cada sílaba.

— Porque pra controlar as águas você tem que ser poderosa, que no caso, ou você rouba o poder da rainha para si e corre o risco de seu corpo não aguentar a quantidade exuberante ou você morre pelos servos dela.

Dáiríne refletiu.

— Então no caso o que você está querendo dizer é...

Galatéia se antecipou, sorrindo orgulhosamente com malícia.

— Isso mesmo, minha menina. — voltou com os dedos nos cabelos, penteando. — Eu sou pura magia.

Mais populares

Comments

Angela Valentim Amv

Angela Valentim Amv

Eu.acho que ela tem que tomar cuidado com essa menina né ?

2023-11-18

0

Josy

Josy

essa menina faz muitas perguntas 🤔 aii tem coisa , acho que ela foi mandada por alguém para descobrir mais coisas sobre a GALATEIA .

2023-04-08

0

Joice Soares

Joice Soares

Tá, peraí, tô confusa... Primeiro, entendi que o tempo na água é diferente do tempo em terra, mas pq ela conseguiria sair só depois de 2 semanas? O que a impede de sair antes? Segundo, ela disse que é magia pura, mas o que isso significa? Que ela tomou o poder de outra rainha ou já nasceu com o próprio poder?

2022-10-17

3

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!