Capítulo 6 - Sentimentos

Há 99 anos...

Sentada em um dos galhos robustos de Orinthar, senti a textura áspera e acolhedora de seu tronco sob a palma da minha mão, um gesto quase instintivo de reverência. Meus olhos vagaram pela paisagem deslumbrante que Aurelith proporcionava, um espetáculo de cores e vida que se desenrolava abaixo de mim. Daquela altura, a cidade parecia minúscula, suas casas de telhados de madeira formando um mosaico pitoresco, algumas chaminés exalando finos fios de fumaça que se dissipavam no ar. Mesmo àquela distância, era possível ver os Elunaris caminhando pelas ruas, suas silhuetas etéreas movendo-se com graça, enquanto outros alçavam voo, atravessando os céus em trajetórias fluidas.

    Aurelith era uma terra encantada, vibrante em cada detalhe. Dali, do coração de Orinthar, brotava uma nascente de águas cristalinas, dando origem a quatro grandes rios que se espalhavam em direções opostas, como veias pulsantes da gigantesca ilha.

    Ao norte, corria o rio Pison, de águas rasas e correnteza mansa, serpenteando suavemente por terras adornadas com joias preciosas de todas as cores e brilhos. A leste, fluía o rio Giom, rodeando árvores antigas que guardavam os espíritos dos Elunaris que já haviam partido. Suas águas límpidas pareciam sussurrar histórias antigas, trazendo uma paz indescritível àquela região sagrada. Ao sul, o rio Lir abraçava as terras mais férteis de Aurelith, onde flores de todas as espécies desabrochavam em um espetáculo de cores e perfumes. Por fim, a oeste, corria o rio Dran, o mais impetuoso de todos. Sua correnteza forte rasgava a terra em um caminho reto e implacável.

    Sob a luz dourada do pôr do sol, Aurelith se tornava ainda mais deslumbrante. O céu era pintado em tons de laranja, rosa e lilás, refletindo-se nas águas dos rios que cortavam a ilha como fitas cintilantes. As sombras das árvores se alongavam suavemente, dançando com o vento, enquanto a cidade abaixo brilhava com uma beleza serena e mágica. Meu coração se encheu de uma alegria genuína, um sentimento de pertencimento que aquecia minha alma.

    Olhei para o tronco de Orinthar, onde minha mão repousava com ternura. Um sorriso leve tocou meus lábios antes que eu sussurrasse:

    — Não existe nenhum outro lugar onde eu desejaria estar...

    Assim que as palavras deixaram meus lábios, um brilho dourado emergiu do ponto onde minha pele tocava a casca, espalhando-se pelo tronco como um rio de luz viva. Era como se Orinthar tivesse me ouvido e, em sua própria linguagem silenciosa e mágica, estivesse respondendo.

    — Sylwen.

    A voz familiar me chamou, e ao me virar, vi Drakion pousando a alguns metros de distância. Suas asas se recolheram suavemente enquanto ele caminhava até mim, a expressão levemente ofegante.

    — Você está aqui. Procurei por você por toda parte. — Ele disse, sentando-se ao meu lado com um suspiro de alívio.

    Inclinei a cabeça, arqueando uma sobrancelha com diversão.

    — É mesmo? — Um sorriso brincou em meus lábios. — E por que estava me procurando?

    Drakion desviou o olhar, coçando a nuca em um gesto nervoso.

    — Bem... — hesitou, como se buscasse as palavras certas. — Eu só queria garantir que você não se atrasasse para nossa cerimônia. Afinal, não é todo dia que nos formamos na Academia.

    Não pude evitar uma risada diante de sua preocupação.

    — Não se preocupe, logo irei me arrumar. Só estou aproveitando mais um pouco este momento.

    Ele franziu a testa, lançando um olhar curioso ao redor.

    — Que momento? — Perguntou, a confusão evidente em sua voz.

    Assenti levemente, deslizando os dedos pela casca rugosa do tronco.

    — Esse momento... com Orinthar.

    Drakion arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços.

    — Você ainda conversa com essa árvore, Syl? — Seu tom carregava um misto de incredulidade e ceticismo. — Quer dizer, não é como se ela pudesse escutar. Sim, Orinthar nos deu a vida e nos proporciona magia, mas... no fim das contas, é apenas uma árvore.

    Respirei fundo, sentindo a energia pulsante sob minha mão antes de encará-lo com serenidade.

    — Acredite ou não, Orinthar escuta o que dizemos. E, se soubermos prestar atenção, ele também responde.

    Drakion soltou uma risada leve, passando os dedos pelos cabelos vermelhos, afastando-os dos olhos com um gesto despreocupado.

    — É isso que adoro em você, Syl... — disse ele, com um meio sorriso. — Você tem suas próprias convicções.

    Ergui os olhos para ele, sorrindo com carinho. Por um momento, Drakion me fitou em silêncio, como se estivesse perdido em pensamentos, até que desviou o olhar de repente, desconcertado, coçando a nuca como fazia sempre que ficava nervoso.

    — Bem, eu trouxe isso para você. — Sua voz saiu um pouco hesitante enquanto ele estendia uma pequena caixa de madeira clara em minha direção.

    — O que é isso?

    — É... um presente de formatura — respondeu, parecendo um tanto incerto. — Eu mesmo fiz.

    Franzi a testa em surpresa, aceitando o presente com delicadeza.

    — Que meigo, Drakion... — murmurei, observando a caixa com mais atenção. — Não precisava se dar ao trabalho.

    Ele fez um gesto apressado com a mão, desviando o olhar.

    — Não foi nada! Bem... espero que goste.

    Dei-lhe um sorriso antes de voltar minha atenção para a caixa e abrir a tampa. Então ali repousando sobre um veludo azul-claro, estava uma pulseira magnífica de ametista. O tom roxo profundo da peça era hipnotizante, e o metal trabalhado envolvia pequenas pedras arredondadas, refletindo a luz do pôr do sol em brilhos sutis. Passei os dedos suavemente sobre ela, sentindo o trabalho minucioso, e minha voz saiu em um sussurro encantado:

    — Drakion... é linda!

    Drakion observou minha reação atentamente, e um leve rubor subiu por seu rosto quando sorri para ele com gratidão.

    — Que bom que gostou — disse ele, desviando o olhar para o horizonte, fingindo despreocupação. — Achei que combinaria com você.

    — Eu adorei.

    — Posso? — Drakion perguntou, apontando para a pulseira com um gesto suave, os olhos brilhando.

    Olhei para ele, um pouco confusa, mas acenei com a cabeça, permitindo que ele fizesse o que queria. Com um movimento cuidadoso, ele pegou a pulseira da caixa e, com a mesma gentileza, a colocou em meu pulso. Seus dedos tocaram minha pele com delicadeza, como se não quisesse me causar o menor desconforto. Quando a prendeu, senti um calor sutil, como se aquele gesto simples tivesse algo mais profundo.

    Estiquei o braço, observando a pulseira com admiração. Ela parecia brilhar suavemente sob a luz do pôr do sol, encaixada perfeitamente em meu pulso. Drakion, ainda ao meu lado, parecia observar cada um dos meus movimentos, seus olhos focados em mim.

    — Todo mundo diz que azul é sua cor, Syl... — disse ele, quebrando o silêncio com uma voz um pouco pensativa, mas cheia de convicção.

    Franzi a testa, olhando para ele em confusão.

    — Na verdade... roxo é a sua cor! — afirmou com firmeza, a voz cheia de certeza, como se soubesse disso há muito tempo.

    A surpresa me invadiu, e olhei para ele, tentando decifrar aquele olhar.

    — Acha mesmo? — Perguntei, ainda sem entender o que ele queria dizer.

    Ele hesitou por um momento, como se estivesse buscando as palavras certas. O nervosismo ficou evidente em seu tom, e seus olhos evitaram os meus por um segundo.

    — Tenho certeza... — Ele disse, quase como um sussurro.

    Sorri para ele, tocada pela sinceridade de suas palavras, antes de voltar a olhar para a pulseira, sentindo o peso de cada momento. A sensação de algo não dito pairava no ar.

    — Obrigada mesmo, Kion... — disse, usando o apelido que só me atrevia a chamar quando estávamos a sós, já que ele sempre ficava um pouco envergonhado quando eu o chamava assim na frente de outros.

    Seu sorriso se alargou, genuíno e caloroso, ao ouvir o apelido.  Ficamos em silêncio, contemplando o pôr do sol que iluminava Aurelith, cada um perdido em seus próprios pensamentos, mas compartilhando aquela paz silenciosa que apenas a companhia um do outro podia proporcionar. O vento suave balançava as folhas ao nosso redor, enquanto o mundo parecia desacelerar, permitindo-nos saborear o momento.

Mais populares

Comments

Gaby G.B.R.

Gaby G.B.R.

Uau, amei esse capítulo, muito lindo, profundo, cheio de significados /Heart//Heart//Heart//Heart/

2025-03-25

1

Gaby G.B.R.

Gaby G.B.R.

Uau
Melhor é um dia em sua presença do que mil em outro lugar 😍

2025-03-25

0

Gaby G.B.R.

Gaby G.B.R.

😮😮😮/Heart//Heart//Heart/

2025-03-25

0

Ver todos
Capítulos
1 Capítulo 1 - Decadência
2 Capítulo 2 - Azul, a Cor da Confusão
3 Capítulo 3 - Raças
4 Capítulo 4 - O Estranho Gentil
5 Capítulo 5 - Medo e Esperança
6 Capítulo 6 - Sentimentos
7 Capítulo 7 - Um refúgio Inesperado
8 Capítulo 8 - Um turbilhão de Incertezas
9 Capítulo 9 - Esperança
10 Capítulo 10 - Os Jogos.
11 Capítulo 11 - Planos
12 Capítulo 12 - O Atalho
13 Capítulo 13 - Atitudes
14 Capítulo 14 - Mudanças
15 Capitulo 15 - O Confidente.
16 Capítulo 16 - O Coração de Orinthar.
17 Capítulo 17 - O Reino de Elarian
18 Capítulo 18 - Uma Nova Ajuda.
19 Capítulo 19 - Confusão e Sentimentos.
20 Capítulo 20 - Asas
21 Capítulo 21 - A Biblioteca.
22 Capítulo 22 - Irmãos
23 Capítulo 23 - Flor de Fada
24 Capítulo 24 - Problemas
25 Capítulo 25 - A Visita.
26 Capítulo 26 - Dúvidas.
27 Capítulo 27 - Inimigos
28 Capítulo 28 - Entre Asas e Muralhas.
29 Capítulo 29 - O Convite.
30 Capítulo 30 - O Baile.
31 Capítulo 31 - Expectativas
32 Capítulo 32 - O Peso da Coroa.
33 Capítulo 33 - A Ausência
34 Capítulo 34 - Uma pequena pausa
35 Capítulo 35 - Confiança
36 Capítulo 36 - Por Aurelith
37 Capítulo 37 - Suspeitas
38 Capítulo 38 - Fúria e Dor.
39 Capítulo 39 - Luto
40 Capítulo 40 - A Culpa.
41 Capítulo 41 - A Prisioneira.
42 Capítulo 42 - Consequências
43 Capítulo 43 - A Última Proposta
44 Capítulo 44 - O Preço da Arrogância
45 Capítulo 45 - Emoção e Cuidado.
46 Capítulo 46 - Recuperação e Lembranças
47 Capítulo 47 - As Primeiras Rachaduras
48 Capítulo 48- Entre algodão-doce e o Fim do Mundo
49 Capítulo 49 - Quando o Silêncio Grita
50 Capítulo 50 - Promessa na Escuridão
51 Capítulo 51 - Porque Você Ficou
52 Capítulo 52 - Entre Panquecas e Pesquisas
53 Capítulo 53 - A Arma Rúnica.
54 Capítulo 54 - Coração no Controle.
55 Capítulo 55 - Conexão
56 Capítulo 56 - Certezas.
57 Capítulo 57- Detalhes e Revelações.
58 Capítulo 58 - Momento a Dois
Capítulos

Atualizado até capítulo 58

1
Capítulo 1 - Decadência
2
Capítulo 2 - Azul, a Cor da Confusão
3
Capítulo 3 - Raças
4
Capítulo 4 - O Estranho Gentil
5
Capítulo 5 - Medo e Esperança
6
Capítulo 6 - Sentimentos
7
Capítulo 7 - Um refúgio Inesperado
8
Capítulo 8 - Um turbilhão de Incertezas
9
Capítulo 9 - Esperança
10
Capítulo 10 - Os Jogos.
11
Capítulo 11 - Planos
12
Capítulo 12 - O Atalho
13
Capítulo 13 - Atitudes
14
Capítulo 14 - Mudanças
15
Capitulo 15 - O Confidente.
16
Capítulo 16 - O Coração de Orinthar.
17
Capítulo 17 - O Reino de Elarian
18
Capítulo 18 - Uma Nova Ajuda.
19
Capítulo 19 - Confusão e Sentimentos.
20
Capítulo 20 - Asas
21
Capítulo 21 - A Biblioteca.
22
Capítulo 22 - Irmãos
23
Capítulo 23 - Flor de Fada
24
Capítulo 24 - Problemas
25
Capítulo 25 - A Visita.
26
Capítulo 26 - Dúvidas.
27
Capítulo 27 - Inimigos
28
Capítulo 28 - Entre Asas e Muralhas.
29
Capítulo 29 - O Convite.
30
Capítulo 30 - O Baile.
31
Capítulo 31 - Expectativas
32
Capítulo 32 - O Peso da Coroa.
33
Capítulo 33 - A Ausência
34
Capítulo 34 - Uma pequena pausa
35
Capítulo 35 - Confiança
36
Capítulo 36 - Por Aurelith
37
Capítulo 37 - Suspeitas
38
Capítulo 38 - Fúria e Dor.
39
Capítulo 39 - Luto
40
Capítulo 40 - A Culpa.
41
Capítulo 41 - A Prisioneira.
42
Capítulo 42 - Consequências
43
Capítulo 43 - A Última Proposta
44
Capítulo 44 - O Preço da Arrogância
45
Capítulo 45 - Emoção e Cuidado.
46
Capítulo 46 - Recuperação e Lembranças
47
Capítulo 47 - As Primeiras Rachaduras
48
Capítulo 48- Entre algodão-doce e o Fim do Mundo
49
Capítulo 49 - Quando o Silêncio Grita
50
Capítulo 50 - Promessa na Escuridão
51
Capítulo 51 - Porque Você Ficou
52
Capítulo 52 - Entre Panquecas e Pesquisas
53
Capítulo 53 - A Arma Rúnica.
54
Capítulo 54 - Coração no Controle.
55
Capítulo 55 - Conexão
56
Capítulo 56 - Certezas.
57
Capítulo 57- Detalhes e Revelações.
58
Capítulo 58 - Momento a Dois

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!