Há 80 anos...
Eu, Drakion, Nyxa e Aryn estávamos reunidos voando ao redor da grandiosa Pira Olímpica, sentindo o peso do momento sobre nossos ombros. O silêncio que pairava sobre o Anfiteatro era quase sagrado, como se todos ali estivessem prendendo a respiração em antecipação. Nossos sorrisos eram amplos e cheios de orgulho, e esse sentimento parecia se espalhar pelo ambiente, contagiando a todos.
Com um gesto firme e solene, erguemos as runas, símbolos de nossa vitória, e os jogamos na Pira. Então o fogo acendeu, explodindo em um espetáculo de cores vibrantes, oscilando entre tons de azul, dourado, verde e violeta antes de finalmente se estabilizar em um vermelho intenso, ardendo com força e determinação.
Meu pai, o rei, sentado em seu trono ornamentado, se ergueu com imponência. Sua voz ecoou poderosa pelo anfiteatro:
— E é com grande honra que declaro os vencedores das Olimpíadas deste ano... os Guardiões Celestiais!
Um rugido de entusiasmo tomou conta da multidão. Assobios cortaram o ar, gritos de celebração reverberaram pelas arquibancadas, e mãos se ergueram ao céu, conjurando faíscas mágicas que explodiam como fogos de artifício. As cores se misturavam em padrões luminosos, refletindo nos rostos e olhos emocionados dos espectadores. O anfiteatro inteiro pulsava com energia, banhado pelo brilho vibrante da magia e pelo calor da vitória. Lyssia saiu da plateia e voou em minha direção, envolvendo-me em um abraço apertado antes de dizer com entusiasmo:
— Parabéns, Sy-Sy!
Retribuí o abraço.
— Obrigado, Lyss!
Ela se afastou ligeiramente, segurando meus ombros com firmeza, e disse com um olhar carregado de ternura:
— Sua mãe estaria orgulhosa de você.
Seu carinho aqueceu meu coração, mas a saudade veio junto, apertando no peito. Antes que eu pudesse responder, ela se virou para os outros do grupo e declarou com orgulho:
— E estou orgulhosa de todos vocês!
Sorrisos se espalharam entre nós, e então descemos, parando diante do meu pai. Como um só, nos curvamos em sinal de respeito. Ele nos observou por um momento antes de dizer em um tom firme, mas carregado de emoção:
— Levantem-se, campeões.
Erguemo-nos com o coração acelerado enquanto ele continuava:
— Quero que aceitem isto como símbolo de sua vitória.
Lyssia se aproximou carregando quatro medalhas de ouro, cujos cordões brilhavam com um branco cintilante. Com um sorriso radiante, colocou uma em torno do pescoço de cada um de nós. O rei então tomou a palavra novamente, sua voz ecoando pelo local:
— Durante um ano, enfrentaram desafios de todo tipo. Passaram por provas físicas e mentais, por dias exaustivos, mas permaneceram juntos. Um foi o pilar do outro, e essa união os trouxe até aqui. Vocês são a prova de que o trabalho em equipe faz a diferença, de que quando estamos unidos, somos mais fortes.
A plateia explodiu em aplausos e comemorações. Aryn e Drakion acenavam para o público, que retribuía jogando flores em nossa direção. Nyxa, tomada pela emoção, enxugava discretamente as lágrimas. Meus olhos percorreram a multidão, saboreando aquele instante inesquecível.
Foi então que o vi.
Malrik estava um pouco afastado, observando a cena com um leve sorriso, quase imperceptível. Um impulso me fez dar um passo em sua direção, mas ele ergueu a mão, um gesto silencioso para que eu permanecesse onde estava. Em seguida, fez uma leve reverência e, sem dizer nada, abriu as asas e voou para longe.
Antes da comemoração começar, meu pai nos conduziu até o Hall dos Campeões no palácio. Era uma sala impressionante, grandiosa e arredondada, com esculturas de times que haviam vencido nos anos anteriores, esculpidas em detalhes requintados. O teto parecia um céu estrelado, com pequenas luzes que cintilavam suavemente em um fundo azul escuro. O chão, era branco espelhado, refletia as imagens ao redor, e as paredes, de mármore claro, davam à sala um ar de solenidade e reverência.
Em uma área já reservada para os vencedores daquele ano, havia um pequeno pedestal retangular, nos aguardando.
Olhares animados foram trocados entre nós, e sem palavras, sabíamos exatamente o que fazer. Aproximamo-nos do pedestal, repousando a palma das mãos sobre sua superfície fria. Todos olharam para mim, uma permissão silenciosa para que eu desse forma à imagem que estávamos prestes a criar.
— A líder deve fazer isso. — Nyxa disse com voz suave, mas cheia de convicção.
Sorri para ela e fechei os olhos, sentindo a energia vibrante fluir das minhas mãos até o pedestal. A conexão parecia viva, pulsando, até que, subitamente, senti a energia cessar. Abri os olhos, e diante de nós, agora estava uma escultura.
A imagem esculpida mostrava os quatro de nós com os braços erguidos, segurando as runas, segundos antes de lançá-las na Pira Olímpica. A escultura capturava a essência daquele momento, como se o tempo tivesse sido congelado, permitindo que pudéssemos reviver a emoção da vitória a cada olhar. Todos ao redor se encantaram com a imagem. Era mais do que uma representação; era a captura de um marco em nossas vidas, algo que ficaria gravado na história, lembrado para sempre.
— Agora... Vamos comemorar! — Aryn disse, a empolgação evidente em sua voz.
— SIM! — Respondemos todos juntos, com energia contagiante.
Antes que pudéssemos sair da sala, meu pai fez um gesto suave para que eu fosse até ele. Olhei para os meus amigos e, com um sorriso, disse:
— Vão na frente, eu alcanço vocês.
Eles assentiram, e então Drakion, com um tom de brincadeira, disse:
— Ok, mas não demora! Se não, vou ter que te buscar!
Ri e garanti, ainda sorrindo:
— Não vou demorar.
Então, com risos e acenos, eles saíram voando da sala. Apropriei-me do espaço, sentindo a tranquilidade de estar a sós com meu pai. Ele olhou para mim com um semblante sereno, cheio de orgulho, e começou a caminhar lentamente, sinalizando para que eu o acompanhasse.
— Sylwen... — Ele começou, sua voz suave, mas carregada de emoção. — Eu não poderia estar mais orgulhoso de você. Esta vitória é um grande marco em sua vida. Estar no Hall dos Campeões... é uma honra. Quando eu era mais jovem, eu não ganhei, quem venceu foi o time em que sua mãe estava.
— Sério? — Perguntei, com curiosidade, andando ao lado dele.
Paramos em frente a uma escultura que retratava um grupo semelhante ao nosso. Eles estavam com os braços ao redor dos ombros uns dos outros, sorrindo com uma felicidade tão contagiante que parecia quase sair da pedra. Cada um usava sua medalha de honra ao redor do pescoço, refletindo a glória conquistada. Um dos rostos me parecia familiar, e, à medida que meus olhos percorreram a cena, reconheci imediatamente a figura: era minha mãe.
— Sim, na época eu fiquei muito bravo. Como futuro rei, sentia que era minha obrigação vencer. Mas, um dia, enquanto estava emburrado, sentado nos galhos de Orinthar, Mireille se aproximou e me ofereceu um pedaço de bolo de chocolate, feito por ela mesma.
Ele riu, um riso que parecia carregar uma mistura de carinho e saudade, e continuou:
— Foi o pior bolo que já comi — ele disse com um sorriso divertido, como se ainda pudesse saborear o gosto. — Mas foi o gesto dela que me cativou, o fato de ela ter feito um bolo para tentar me animar. Na época, eu não sabia, mas foi ali que comecei a me apaixonar por ela.
A lembrança de meu pai, ao mesmo tempo engraçada e romântica, fez meu coração se aquecer.
— Sabe por que estou te contando isso, Sylwen?
Eu neguei com a cabeça, curiosa.
— Porque você me lembra muito sua mãe: teimosa, imprudente... — Ele riu, um som baixo e afetuoso. — E cozinha mal!
— Pai! — Eu exclamei, surpresa, um pouco indignada.
Ele riu ainda mais com minha reação, mas não podia negar que ele tinha razão. Cozinhar nunca foi minha habilidade, e tudo o que eu tentava fazer na cozinha se tornava algo quase totalmente descartável.
— Mas também é carinhosa, destemida, corajosa... — Ele fez uma pausa, seu olhar se suavizando. — E muito bonita.
Eu me senti um pouco sem jeito com a avalanche de elogios, mas o sorriso no rosto dele me fez sentir um calor no peito.
— Assim como sua mãe — continuou ele, com mais seriedade agora. — Você dedica cada segundo da sua vida àqueles que ama, e isso a torna uma líder admirável. Nada mais.
Ele retomou a caminhada, e eu o segui, ansiosa para saber para onde ele me levaria. Então, com um sorriso suave, ele disse:
— Quero que venha comigo a um lugar, minha flor.
Assenti sem hesitar, e o acompanhei. Era raro ver meu pai caminhar, geralmente ele voava de um lado para o outro com sua rapidez característica. Mas hoje, ele parecia querer aproveitar aquele momento comigo. Ele me guiou para fora do palácio, e seguimos até a base de Orinthar, onde dois guardas, que estavam de guarda na entrada, nos deixaram passar com uma leve reverência. Então, começamos a descer as escadas formadas pelas raízes de Orinthar. A descida era longa, e as raízes serpenteavam em um grande espiral, conduzindo-nos para o fundo.
Quando chegamos ao final da escada. O local tinha uma esfera grande flutuando próxima ao chão. A esfera emitia um brilho delicado, que se desdobrava em tons sutis e cintilantes, mudando de cor como se a própria essência do lugar estivesse em constante movimento. A esfera parecia ser feita de algo orgânico, como se tivesse vida própria. Sua superfície não era lisa nem fria, mas pulsava suavemente, respirando em um ritmo lento e constante. A cada respiração, a esfera se expandia ligeiramente, como se estivesse absorvendo o ar ao seu redor, e depois se contraía, liberando uma leve vibração que preenchia o espaço
As raízes de Orinthar, grandes e pequenas, entrelaçavam-se ao redor da esfera, criando um padrão orgânico que parecia proteger e ao mesmo tempo nutrir a esfera luminosa. Elas se comportavam como se fossem parte de um vasto sistema de veias que pulsavam em sintonia com o lugar. Havia também um som suave, quase imperceptível, de uma batida distante, que parecia ecoar pelo espaço. O ar estava impregnado com um cheiro doce e envolvente, que lembrava flores maduras ou mel.
Aquele era o coração de Orinthar, o centro de toda a vida e energia de Aurelith, um lugar de beleza e poder absoluto.
Então meu pai me olhou com um sorriso nostálgico e disse:
— Lembra da última vez que trouxe você e seu irmão aqui?
Eu sorri levemente e respondi:
— Sim, foi uns quarenta anos atrás!
— Isso mesmo — ele disse, com um brilho nos olhos. — Naquela época, eu só queria mostrar o lugar a vocês, mas foi naquele dia que percebi que, apesar de serem gêmeos, você e seu irmão são completamente diferentes.
Eu olhei para ele, curiosa, esperando que ele continuasse.
— Enquanto você estava com os olhos brilhando, cheia de perguntas, seu irmão parecia completamente entediado.
Eu ri, lembrando do momento.
— Malrik sempre foi assim.
— É verdade — meu pai assentiu, com um sorriso. — Seu irmão tem suas qualidades. Ele é dedicado, forte, paciente e inteligente.
— Isso é verdade! — eu disse, com um sorriso orgulhoso.
— Mas você, minha filha, tem algo que Malrik não tem.
Eu olhei para ele, um pouco intrigada.
— Paixão.
Fiquei em silêncio por um momento, confusa.
— Paixão?
Era uma palavra que sempre me intrigara, algo que eu nunca tinha compreendido completamente, e só esperava entender um dia, quando me apaixonasse por alguém. Meu pai percebeu minha confusão e, com um olhar gentil, continuou:
— Encoste no coração de Orinthar.
Olhei surpresa para ele. Então, ele apontou em direção à esfera luminosa, que brilhava e pulsava suavemente.
— Tem certeza que devo? — Perguntei, hesitante.
— Fique tranquila, nada de ruim vai acontecer, especialmente com você.
Olhei para o coração de Orinthar, que parecia irradiar uma energia serena e poderosa. Respirei fundo, tentando reunir coragem, e me aproximei da esfera. Hesitante, estendi minha mão e a encostei na superfície, fiquei surpresa ao notar que era morna e macia. No instante seguinte, uma sensação profunda de paz me envolveu, e eu senti uma conexão direta com Orinthar, como se a essência do lugar estivesse fluindo para mim.
A esfera pulsava sob o toque da minha mão, e um brilho iridescente se espalhou de onde tocava, irradiando-se pelas raízes ao redor e subindo pela árvore acima, como se a energia do coração de Orinthar estivesse se espalhando por todo o reino. Com o susto do brilho repentino, retirei minha mão, sentindo uma onda de emoções e sensações que não conseguia explicar. O brilho foi muito mais intenso do que costumava ser.
Olhei para meu pai, que estava observando tudo com um sorriso satisfeito no rosto. Ele parecia ver algo em mim que eu ainda não conseguia compreender completamente.
— O que foi isso? — Perguntei, ainda sentindo a energia vibrante percorrendo meu corpo.
Meu pai sorriu com ternura, os olhos cheios de um conhecimento que eu ainda não possuía.
— Sei que parece confuso agora, meu amor… Mas um dia você vai entender.
— Mas, pai… — tentei insistir, buscando respostas, mas ele apenas balançou a cabeça suavemente.
— Apenas um dia, Sylwen. Por agora, vá encontrar seus amigos e comemore. Esta noite, você merece.
Havia algo em seu tom que me fez perceber que não adiantaria insistir. Suspirei, mas sorri para ele, sentindo um calor reconfortante em seu olhar. Então, sem dizer mais nada, o abracei. Ele retribuiu o abraço com firmeza, sua presença sempre trazendo segurança e carinho. Ao me afastar, lancei um último olhar para ele, gravando aquele momento na memória, antes de subir as escadas e alçar voo em direção à festa que tomava vida no grande salão.
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Atualizado até capítulo 58
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