Sylwen

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Capítulo 8 - Um turbilhão de Incertezas

Os dias que se seguiram foram surpreendentemente tranquilos. Dante continuava a cuidar de mim com a mesma dedicação de sempre e, como prometido, arrumou um quarto para mim. Fiz questão de ajudá-lo na limpeza, embora a poeira acumulada desafiasse minha resistência. A cada espanada ou movimento da vassoura, uma nova crise de espirros me atacava, mas isso não me impediu de continuar.

    Quando terminamos, abri a janela para deixar o ar fresco circular pelo ambiente recém-limpo. O colchão agora estava coberto com lençóis macios e cobertas perfumadas, e as minhas roupas estavam dobradas e organizadas no pequeno armário. Dante também instalara uma prateleira simples, onde dispôs alguns livros.

    Um deles chamou minha atenção imediatamente. A capa dourada brilhava sob a luz, exibindo a ilustração detalhada de uma quimera e uma dama dançando sob um céu estrelado. As letras elegantes no topo não deixavam dúvidas: "A Bela e a Fera". Ergui os olhos para Dante, que ainda estava concentrado na arrumação, e, intrigada, perguntei:

    — Você já leu esse?

    Ele olhou para o livro e então voltou a  atenção a prateleira e disse:

    — Já... uma vez — respondeu Dante, sem muita empolgação. — É uma história boa, mas fantasiosa demais…    Uma garota se apaixonar por uma fera? Isso só acontece em livros de fantasia mesmo.

    Ele disse isso com um tom sério, enquanto continuava a organizar os livros na prateleira.

    — Ah, então é um romance! — Comentei, ainda observando a capa dourada com curiosidade.

    — Sim… — ele respondeu de forma despreocupada, sem tirar os olhos do que estava fazendo.

    Hesitei por um momento antes de perguntar, mas a curiosidade foi maior:

    — Dante… você já se apaixonou?

    O impacto da pergunta foi imediato. Ele, que segurava uma pilha de livros, deixou tudo cair no chão com um baque surdo. Piscou algumas vezes, me encarou e, em seguida, olhou para o teto, como se buscasse a resposta entre as vigas de madeira.

    — Humm… bem… já namorei uma vez… Mas acabou não dando certo.

    — E por quê? — Perguntei, inclinando a cabeça.

    Dante franziu a testa, um claro aviso de que eu estava ultrapassando limites. Sem responder, abaixou-se para recolher os livros, ignorando minha insistência. Mas eu não estava disposta a deixar o assunto morrer tão facilmente. Com um sorrisinho travesso, cutuquei sua cintura quando ele levantou. Ele deu um sobressalto imediato e me lançou um olhar surpreso.

    — Por quê? — insisti, divertida com sua reação.

    Dante soltou um longo suspiro e, depois de um momento de hesitação, murmurou:

    — Ela era… complicada.

    — Complicada? — repeti, curiosa.

    Ele coçou a nuca, parecendo desconfortável, e finalmente respondeu:

    — É… ela só queria… — fez uma pausa, desviando o olhar — passar as noites comigo, sabe?

    O silêncio que se seguiu pareceu se prolongar mais do que o necessário. Dante evitava me encarar, concentrando-se nos livros como se, de repente, organizá-los fosse a tarefa mais importante do mundo.

    Ergui as sobrancelhas, surpresa com sua resposta.

    — E isso foi um problema? — Perguntei, cruzando os braços.

    Dante soltou um suspiro pesado e passou a mão pelos cabelos, parecendo incomodado com o rumo da conversa.

    — Não… — murmurou. — Mas parecia que era a única coisa que importava para ela.

    Fiquei em silêncio por um instante, absorvendo suas palavras. Ele não estava apenas contando sobre um relacionamento antigo; havia algo mais profundo ali, uma mágoa talvez.

    — E você queria mais do que isso? — Perguntei, suavizando o tom de voz.

    Dante hesitou por um momento antes de assentir levemente.

    — Sim… queria que fosse real. Mas no fim, percebi que eu só era conveniente para ela.

    Havia um peso em suas palavras que me fez morder o lábio. Não era comum vê-lo falar sobre si dessa maneira.

    — Sinto muito… — murmurei.

    Ele deu um meio sorriso, mas não havia humor ali.

    — Não precisa sentir. Já faz tempo.

  Dante voltou a organizar os livros, como se estivesse tentando se esconder atrás daquela tarefa mundana.

    — Certo… mas isso não responde minha pergunta — provoquei, cruzando os braços e inclinando levemente a cabeça.

    Ele parou por um instante, tensionando os ombros. Então, lançou-me um olhar de soslaio, suspirando pesadamente, como se estivesse se rendendo à minha insistência.

    — Não… eu nunca me apaixonei… Satisfeita? — Disse, a impaciência evidente no tom de voz.

    Uma risada suave escapou antes que eu respondesse:

    — Agora estou. — Falei em um tom brincalhão, saboreando a pequena vitória.

    Dante revirou os olhos, balançando a cabeça, e voltou a atenção para os livros.

     — E você? — ele perguntou de repente, sem me encarar. — Já se apaixonou?

    A pergunta me pegou desprevenida, e por um momento, tudo que fiz foi piscar algumas vezes, sem saber como responder.

    — Eu… acho que não.

    Dante olhou pra mim e ergueu uma sobrancelha.

    — Acha?

    Soltei um suspiro, sem jeito.

    — Não sei como é estar apaixonada de verdade. Se é esse sentimento avassalador dos livros ou algo mais sutil. Então… acho que ainda não aconteceu.

    Ele soltou um pequeno riso pelo nariz.

    — Talvez porque livros de romance exagerem demais…

    Revirei os olhos e segurei o livro entre os dedos, observando a capa dourada mais uma vez.

    — Ou talvez eu só esteja esperando a história certa…

    Dante ficou em silêncio por um instante, e quando ergui o olhar para ele, vi que me observava de um jeito que me fez prender a respiração por um segundo. Mas, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele desviou o olhar e voltou a organizar os livros.

    — Quem sabe um dia você encontre.

    Fiquei encarando sua silhueta por mais alguns segundos antes de soltar um pequeno suspiro e olhar novamente para a capa dourada do livro em minhas mãos.

    — De qualquer forma, ainda sou muito nova para essas coisas — comentei, dando de ombros.

    Dante, ainda concentrado nos livros, fez uma pergunta sem sequer se virar para mim:

    — Quantos anos você tem?

    — Cento e cinquenta e dois — respondi com naturalidade.

    O som seco de um livro caindo no chão ecoou pelo quarto. Ele me olhou, os olhos arregalados de incredulidade.

    — Cento e cinquenta e dois?! — Repetiu, como se quisesse ter certeza de que tinha ouvido direito. — E isso é ser nova?

    Segurei uma risada diante de sua expressão chocada.

    — Para a sua raça, talvez não — expliquei, cruzando os braços — mas meu povo pode viver até mil anos. Então, pelo nosso padrão, eu ainda nem sou adulta.

    Dante arqueou uma sobrancelha e me lançou um olhar avaliativo, percorrendo meu corpo dos pés à cabeça de um jeito que me fez sentir um calor inesperado no rosto.

    — Para mim, você parece bem adulta. — Comentou, sua voz carregada de uma observação implícita.

    Desviei o olhar, desconcertada, sentindo uma onda de calor subir pelo pescoço.

    — Isso porque você está olhando com os olhos errados — retruquei, tentando esconder o rubor nas bochechas.

    Ele riu baixo e voltou a empilhar os livros, mas pude notar o pequeno sorriso ainda brincando nos cantos de seus lábios.

    Mas eu ainda sentia o calor em meu rosto e um estranho formigamento na nuca. Seu olhar avaliativo havia me deixado desconcertada, e por mais que eu tentasse ignorar, a frase dele continuava ecoando na minha mente.

    "Para mim, você parece bem adulta."

    Cruzei os braços e tentei mudar de assunto.

    — E você? Quantos anos tem?

    Ele ergueu os olhos para mim com um brilho divertido.

    — Vinte e sete.

    Dessa vez, fui eu quem arregalou os olhos.

    — Só isso?!

    — O que foi? — Ele sorriu de canto. — Parece chocada como eu fiquei agora há pouco.

    Revirei os olhos e bufei.

    — É que… comparado a mim, você ainda é praticamente um bebê.

    — Então estamos quites, já que para mim você é uma anciã — disse ele, com um sorriso provocador.

    Arregalei os olhos, incrédula.

    — Anciã?!

    Sem pensar duas vezes, agarrei um dos travesseiros da cama e o joguei contra ele, acertando-o bem na cabeça. Dante piscou algumas vezes, surpreso, antes de pegar o travesseiro e revidar, atingindo-me de volta com a mesma intensidade.

    — Isso aí, uma anciã bonita… mas ainda assim, uma anciã — acrescentou, com um sorriso travesso.

    Fiquei boquiaberta, encarando-o como se ele tivesse acabado de dizer a coisa mais absurda do mundo. Dante sustentou meu olhar por um instante, mas então algo pareceu mudar. Seu corpo enrijeceu ligeiramente, como se tivesse percebido tarde demais o que acabara de dizer.

    O silêncio pairou entre nós por um segundo longo demais. Então, ele se virou apressadamente, ajeitando os livros de forma desnecessária, sua voz soando repentinamente desconcertada:

    — Vamos terminar logo isso… ainda tenho muito o que fazer hoje.

    Ele terminou de organizar os livros rapidamente, como se estivesse tentando se livrar de qualquer tipo de conversa, de qualquer pergunta que eu pudesse fazer. Cada movimento dele parecia apressado, impessoal, como se ele estivesse fazendo questão de não me dar mais espaço para continuar com aquela conversa desconfortável.

    Eu fiquei sentada na cama por um bom tempo, o silêncio preenchendo o ambiente. Ele realmente me chamou de "bonita", e a dúvida começou a crescer dentro de mim. Tinha sido apenas um elogio espontâneo, uma tentativa de brincadeira, ou ele realmente achava isso?

    Decidi descer as escadas atrás dele, ainda com a mente cheia de perguntas. Quando cheguei à sala, o vi abaixado, mexendo na bancada com uma expressão concentrada, como se tentasse se manter ocupado o suficiente para não olhar para mim.

    Curiosa, me aproximei, apoiando a mão na borda da bancada.

    — O que está fazendo? — Perguntei.

    Ele deu um pulo tão grande que quase derrubou tudo na bancada, e, em seu susto, bateu a cabeça no armário logo acima de sua cabeça. Olhei, preocupada, mas ao vê-lo esfregando a cabeça com uma careta de dor, não pude evitar um sorriso.

    — Eu vou trabalhar! — Respondeu rapidamente, como se quisesse mudar de assunto o mais rápido possível.

    — Trabalhar? — Repeti, agora realmente curiosa.

    — É... meu trabalho principal é fazer espadas — explicou, ainda tentando se recompor da surpresa. — Mas, quando fico sem trabalho, o que acontece geralmente nessa época do ano, eu faço poções.

    Soltei uma risada baixinha, não conseguindo me controlar.

    — Você não é muito bom nisso, né? — brinquei, um sorriso malicioso se formando nos meus lábios.

    Dante me lançou um olhar rápido, mas logo desviou, claramente desconfortável com o tom da minha piada.

    — Ah é mesmo? Então por que você não me ensina, então? — Ele rebateu, com um sorriso travesso.

    Eu arregalei os olhos, surpresa com a sugestão dele, mas logo dei um sorriso de volta, interessada.

    — Tá bom, eu te ensino! — Respondi seria.

    Ele me olhou com desconfiança, uma sobrancelha erguida.

    — Sério? — Perguntou, como se duvidasse da minha palavra.

    — Sim, nos Elunaris somos mestres em fazer poções de todos os tipos — afirmei com confiança.

    Ele parecia impressionado, mas ao mesmo tempo, não totalmente convencido.

    — Não sabia que fadas eram experientes nisso — disse ele, sem perceber o tom da sua palavra.

    Naquele momento, meu sangue ferveu. Foi como se um fio de tensão tivesse se rompido dentro de mim. Dei a volta na bancada, indo em sua direção, meu olhar agora carregado de fúria.

    — Não me chame de fada! — eu disse, mais grossa do que gostaria, as palavras saindo mais cortantes. — Nos Elunaris não somos fadas.

    Dante, vendo a intensidade do meu olhar e o tom que eu usei, ergueu as mãos em sinal de rendição, seu semblante mudando de uma provocação para um pedido silencioso de desculpas.

    — Está bem, desculpe… Não te chamo mais assim — disse ele, a voz mais suave.

    Com um suspiro profundo, tentando me acalmar, me abaixei para olhar melhor a bancada e o estoque de ingredientes.

    — Ok, primeira lição: tenha sempre ingredientes de todo tipo. Não dá pra fazer nada com esse seu estoque mixuruca — falei, tentando manter o tom de quem estava no controle.

    Dante bufou, cruzando os braços e olhando para o que restava de seus ingredientes.

    — Certo, então… o que sugere? — perguntou, com um leve sorriso.

    — Sairmos atrás de ingredientes. Essa época do ano é perfeita para colher os ingredientes necessários para fazer a poção de cura — falei, já com os planos em mente.

    Ele me olhou, um pouco intrigado.

    — Então é essa que vai me ensinar?

    Eu assenti, com um sorriso de confiança.

    — A princípio, sim. São as mais fáceis de fazer.

    — Ótimo — disse ele, claramente satisfeito com a ideia de aprender algo novo.

    — Então vamos? — Perguntei, já empolgada para começar.

    — Agora? — ele respondeu, um pouco surpreso com a minha prontidão.

    — Sim, ainda está de dia, e temos tempo antes de escurecer — falei, pegando alguns frascos vazios para colocar os ingredientes.

    Ele hesitou por um instante, mas logo concordou.

    — Está certo, então vou preparar a Maré.

    Dante pegou seu cachecol e um casaco quente, já se preparando para sair. Ele não demorou muito para sair para o quintal. Eu, por minha vez, coloquei o embornal com os frascos e, em seguida, meu manto, pronta para sair também. Quando cheguei ao quintal, Dante já tinha preparado Maré.

    — Tem uma floresta aqui perto, podemos procurar os ingredientes lá.

    Eu sorri, animada.

    — Vai ser perfeito — respondi com empolgação. — Geralmente, é sob a sombra de algumas árvores que os Hamamelis¹ nascem. Se tivermos sorte, podemos encontrar alguns deles.

    O ar frio do inverno cortava a pele, uma brisa gelada que contrastava com o brilho do sol, que, apesar de claro e forte, não tinha força suficiente para aquecer a temperatura gélida que dominava a paisagem. Cada respiração se tornava uma pequena nuvem branca no ar, um lembrete de quão rigorosa era a estação.

    Dante estendeu a mão e me ajudou a montar em Maré com uma facilidade que parecia natural. Quando me ajeitei na sela, ele subiu logo na minha frente. Enquanto cavalgávamos, meus olhos estavam fixos na paisagem ao redor. A neve se estendia em um manto espesso, cobrindo tudo com um brilho suave, como se o mundo tivesse sido envolto por um veludo branco e imaculado. As árvores, com os galhos nus e cobertos por uma fina camada de gelo, pareciam fantasmagóricas e imponentes, como se estivessem guardando o segredo da estação silenciosa.

    A beleza pura e serena do cenário me fez me perder por um momento, os olhos vagando pelas árvores distantes e pela neve que brilhava sob a luz do sol. Tudo estava tão tranquilo, como se o tempo tivesse desacelerado para permitir que eu absorvesse toda a quietude daquele inverno.

    De repente, Dante puxou as rédeas de Maré, fazendo o cavalo diminuir o passo. Ele apontou para frente, e seu tom de voz se fez mais sério.

    — Ali, Syl, as Hamamelis.

    Levei um leve susto, pela forma como ele me chamou.

    — Me chamou de Syl? — Perguntei, sem conseguir esconder o espanto em minha voz.

    Ele olhou por cima do ombro, com um sorriso pequeno, sem perder a concentração no que estava à frente.

    — Sim — respondeu de forma simples. — Não gosta?

    Eu hesitei por um instante, sem saber ao certo como responder.

    — Não é isso... — comecei, um pouco desconcertada. — Só algumas pessoas me chamam assim. Meu irmão e meu melhor amigo... então é...

    Sua expressão suavizou, e sua voz se tornou mais suave, quase como uma forma de aliviar a tensão no ar.

    — Não precisa explicar, eu entendo perfeitamente.

    Eu fiquei em silêncio por um momento, observando como ele parecia ser tão direto e empático ao mesmo tempo. A leveza do seu tom dissipou qualquer desconforto que eu sentira, e uma sensação estranha de confiança começou a surgir dentro de mim.

    Sem mais palavras, ele desceu do cavalo com agilidade, virando-se rapidamente para me ajudar a descer também. Com um gesto cuidadoso, ele estendeu a mão, e eu a aceitei, sentindo seu toque firme e seguro enquanto ele me ajudava a saltar para o chão.

    Começamos a colher as flores, e a região estava repleta delas. A floresta parecia ter sido tocada pela magia da estação, com as Hamamelis florescendo em profusão. Eu sabia que teria o suficiente para fazer uma boa quantidade de poções, mas, à medida que colhia, comecei a sentir as pontas dos meus dedos geladas. O frio, tão intenso e cortante, me fez buscar um alívio simples: soprei nas mãos, tentando aquecer as extremidades. De fato, não estava acostumada com o clima gélido.

    Foi quando me virei, ainda tentando esquentar os dedos, que notei Dante. Ele estava bem perto de mim, parado em silêncio. Seu olhar, sempre tão tranquilo, agora estava focado em mim com uma intensidade inesperada. Ele, então, tirou o cachecol que usava e, com um gesto suave, passou-o por cima da minha cabeça, cobrindo-me contra o frio.

    Ele continuava segurando as duas pontas do cachecol com uma delicadeza incomum, e, enquanto fazia isso, nossos olhares se cruzaram. Por um momento, o mundo à nossa volta pareceu desaparecer. Seus olhos escuros estavam fixos nos meus, com uma intensidade difícil de ignorar. A sensação era como se eu estivesse sendo atraída por algo profundo, como se sua presença me envolvesse de uma maneira que eu não podia compreender completamente.

    Senti meu coração acelerar e por um instante, me perdi na profundidade daqueles olhos. Era como se, dentro deles, houvesse um universo de mistérios, algo tão indefinido e complexo, mas ao mesmo tempo tão hipnotizante, que era como se mil estrelas brilhassem ali, refletindo algo que eu nunca tinha visto antes.

    Então, com a suavidade de um suspiro, Dante disse, quase como se fosse uma confissão delicada:

    — Céu!

    Fiquei confusa e um pouco surpresa.

    — O que? — Perguntei, minha voz saindo mais suave do que eu pretendia.

    Ainda com aquele olhar fixo, e, com uma calma que contrastava com a agitação que eu sentia, disse:

    — Posso te chamar de Céu?

    A pergunta me pegou desprevenida, e uma onda de calor subiu pelas minhas bochechas. Meus pensamentos ficaram emaranhados, e eu senti o coração acelerar. Sem saber muito bem o que fazer com o turbilhão dentro de mim, apenas balancei a cabeça e disse, com uma voz um pouco mais baixa:

    — Pode...

    Ao ouvir minha resposta, ele sorriu. Foi um sorriso tão genuíno, tão espontâneo, que parecia iluminar ainda mais seus olhos escuros. A expressão dele, cheia de uma suavidade quase encantadora, fez com que eu me sentisse imersa em algo mais profundo, algo que eu não sabia se deveria entender ou apenas viver.

    Mas, eu precisava me afastar, de alguma forma, enquanto eu ainda tinha algum controle da situação. Então, em um movimento rápido, dei um passo para trás, tentando recuperar um pouco da racionalidade. A minha voz, ao sair, soou mais firme do que eu me sentia.

    — Acho que já pegamos o suficiente. Podemos voltar — disse, minha expressão tentando disfarçar o turbilhão de emoções que ainda se passava dentro de mim.

    Dante permaneceu em silêncio, mas eu podia sentir que o ar ao nosso redor estava carregado de algo mais profundo, algo que eu não sabia nomear. O peso daquela quietude entre nós era quase palpável, como se as palavras tivessem se perdido no vento frio. Montamos em Maré novamente e seguimos viagem, a paisagem ao redor passando rapidamente enquanto o cavalo troteava de forma constante.

    Foi então que, no meio da tranquilidade, ouvi um zumbido familiar. Um som que me era peculiar, e imediatamente reconheci. Olhei para o céu e, sem dúvida, eram Elunaris. Dante, percebendo minha agitação repentina, olhou para mim com um semblante curioso e perguntou:

    — O que foi, Céu?

    — São Elunaris! — Respondi, minha voz denunciando a apreensão que eu sentia.

    — Seu irmão? — Ele perguntou, tentando entender a situação.

    — Difícil dizer... — Respondi, com um nó na garganta.

    Dante manteve o ritmo tranquilo dos trotes enquanto eu puxava o capuz do manto, tentando cobrir meus cabelos. Minha mente estava em alerta máximo. E antes que eu pudesse processar mais, alguém pousou repentinamente à nossa frente. A figura imponente parou ali e disse em tom firme:

    — Alto, senhor, quero fazer algumas perguntas.

    Meu coração pulou no peito ao reconhecer aquela voz, e, com cautela, olhei por cima do ombro de Dante. Quando avistei os cabelos azuis característicos, um sorriso involuntário se formou nos meus lábios.

    — Rik!

    Desci do cavalo rapidamente, quase sem pensar, e corri em direção ao meu irmão. Assim que nos encontramos, ele me abraçou com força, como se a saudade finalmente tivesse sido saciada.

    — Minha irmã, que saudade de você! — Ele disse, a voz carregada de emoção.

    Quando finalmente nos afastamos um pouco, uma sombra de preocupação passou sobre mim. Eu o olhei com intensidade, sentindo que algo estava errado.

    — Deu certo, irmão, eu posso voltar pra casa? — Perguntei, já antecipando a resposta.

    Malrik respirou fundo, e sua expressão se tornou séria, algo que imediatamente me deixou em alerta.

    — Sinto muito, irmã... mas a situação em Aurelith piorou muito. — Ele disse, e as palavras soaram como um golpe.

    — Como assim? — Perguntei, meu coração batendo mais forte.

    — Nosso pai, Syl... ele ficou muito doente, e acabou não resistindo. Pode ter sido causado por Orinthar... ou por tristeza... — Sua voz vacilou, e eu senti um gelo tomar conta de mim.

    — Não... não... não... — Eu murmurei, colocando a mão na boca em um gesto involuntário, tentando segurar o peso da notícia.

    Malrik continuou, a expressão marcada pela seriedade.

    — Orinthar só piora a cada dia. Mas você deve tomar cuidado, irmã. O último decreto do pai foi para caçar você, e os soldados não irão desistir. A única coisa que posso fazer é despistá-los por enquanto.

    Uma sensação de desespero se instalou no fundo de minha garganta. Eu queria voltar, queria sentir o calor do lar, mas a realidade era cruel.

    — Então terei que continuar fugindo? Eu quero voltar pra casa, Rik. — Eu disse, a voz baixa, quase quebrada.

    Malrik suspirou, passando uma mão pelo rosto. Ele parecia exausto, mais velho do que quando o vi pela última vez.

    — E um dia vai, minha irmã, mas por enquanto estou tentando argumentar com o conselho e com o povo que estão muito irritados e tristes. O clima está tenso, e a situação ficou fora de controle. Não posso prometer nada...

    Eu fiquei em silêncio, absorvendo suas palavras. A verdade que ele me trouxe parecia esmagadora, e eu não sabia o que fazer com tudo isso. O caminho para a minha casa parecia mais distante do que nunca.

    Dante se aproximou de mim, seus olhos fixos nos meus com uma expressão sincera. Ele colocou as mãos em meus ombros e, com um gesto firme, me fez olhar diretamente para ele.

    — Não se preocupa, Céu — disse ele, a voz baixa e cheia de determinação. — Vou te ajudar com isso!

    No mesmo instante Rik invocou sua cimitarra² e avançou em direção a Dante, os olhos brilhando com uma fúria controlada.

    — O que pensa que está fazendo, humano! — Ele rosnou, a espada erguida, a ameaça clara em cada palavra.

    Instintivamente, me coloquei na frente de Dante, esticando os braços para barrar o ataque iminente.

    — Calma, Rik! Dante está me ajudando... — Eu disse, tentando manter a voz firme.

    Rik me olhou com incredulidade, a expressão de desgosto tomando conta de seu rosto.

    — Você está aceitando ajuda de um humano, Syl? — Sua voz estava carregada de desprezo.

    Eu não hesitei, mantendo o olhar firme, ainda de pé entre eles.

    — Sim — respondi, minha voz decidida. — Ele me salvou.

    A expressão de Rik escureceu, e ele deu um passo atrás, claramente abalado pela minha resposta. Sua boca se torceu em um sorriso de desdém enquanto ele dizia:

    — Só tome cuidado, irmã. Você sabe muito bem como os humanos são.

    Antes que eu pudesse retrucar, Rik olhou para o céu, como se já estivesse pronto para partir. Ele falou, sua voz mais sombria agora:

    — Eu tenho que ir... Nos vemos em breve... E se eu fosse você, Syl... eu matava logo ele!

    Com um movimento brusco, ele alçou voo, suas asas batendo forte enquanto ele se distanciava rapidamente, desaparecendo no horizonte, tão rápido quanto apareceu.

    Eu fiquei ali, estática, meu coração batendo descompassado. A respiração estava ofegante, e eu não conseguia entender completamente o que acabara de acontecer. A situação em Aurelith estava ainda mais distante de ser resolvida e de repente, toda a esperança que antes havia começado a brilhar dentro de mim parecia se apagar.

    Senti um peso nos ombros, como se uma carga invisível tivesse se instalado em meu corpo. A perda de meu pai, o afastamento de Aurelith e o futuro incerto... Tudo isso se amontoava, e a tristeza se espalhou por mim, tornando cada movimento mais difícil.

    Foi quando Dante se aproximou novamente. Sem pensar, como um impulso, eu o abracei com força, a sensação de seu abraço me envolvendo e trazendo algum tipo de conforto. Ele me segurou de volta, com uma suavidade que quase me fez sentir como se o peso do mundo fosse, por um momento, mais leve.

———————————————————

¹ Hamamelis - Uma flor que cresce no auge do inverno nas terras de alhures. Ela tem variedades de cores, como amarelo, azul, vermelho e roxo, cada cor oferecendo uma propriedade de cura única. Ótima para fazer poções ou chás.

² Cimitarra : É uma espada de lâmina curva. Seu design favorece golpes de corte rápidos e eficazes, sendo uma arma ideal para combates montados e duelos ágeis.

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Comments

Gaby G.B.R.

Gaby G.B.R.

haaa, tá né ... então né... tá né 👀

2025-03-26

0

Gaby G.B.R.

Gaby G.B.R.

Aí ai hein

2025-03-26

1

Gaby G.B.R.

Gaby G.B.R.

/Heart//Heart//Heart//Heart/

2025-03-26

0

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Capítulos
1 Capítulo 8 - Um turbilhão de Incertezas
2 Capítulo 9 - Esperança
3 Capítulo 10 - Os Jogos.
4 Capítulo 11 - Planos
5 Capítulo 12 - O Atalho
6 Capítulo 13 - Atitudes
7 Capítulo 14 - Mudanças
8 Capitulo 15 - O Confidente.
9 Capítulo 16 - O Coração de Orinthar.
10 Capítulo 17 - O Reino de Elarian
11 Capítulo 18 - Uma Nova Ajuda.
12 Capítulo 19 - Confusão e Sentimentos.
13 Capítulo 21 - A Biblioteca.
14 Capítulo 22 - Irmãos
15 Capítulo 23 - Flor de Fada
16 Capítulo 24 - Problemas
17 Capítulo 25 - A Visita.
18 Capítulo 26 - Dúvidas.
19 Capítulo 27 - Inimigos
20 Capítulo 28 - Entre Asas e Muralhas.
21 Capítulo 29 - O Convite.
22 Capítulo 30 - O Baile.
23 Capítulo 31 - Expectativas
24 Capítulo 32 - O Peso da Coroa.
25 Capítulo 33 - A Ausência
26 Capítulo 34 - Uma pequena pausa
27 Capítulo 35 - Confiança
28 Capítulo 36 - Por Aurelith
29 Capítulo 37 - Suspeitas
30 Capítulo 38 - Fúria e Dor.
31 Capítulo 39 - Luto
32 Capítulo 40 - A Culpa.
33 Capítulo 41 - A Prisioneira.
34 Capítulo 42 - Consequências
35 Capítulo 43 - A Última Proposta
36 Capítulo 44 - O Preço da Arrogância
37 Capítulo 45 - Emoção e Cuidado.
38 Capítulo 46 - Recuperação e Lembranças
39 Capítulo 47 - As Primeiras Rachaduras
40 Capítulo 48- Entre algodão-doce e o Fim do Mundo
41 Capítulo 49 - Quando o Silêncio Grita
42 Capítulo 50 - Promessa na Escuridão
43 Capítulo 51 - Porque Você Ficou
44 Capítulo 52 - Entre Panquecas e Pesquisas
45 Capítulo 53 - A Arma Rúnica.
46 Capítulo 54 - Coração no Controle.
47 Capítulo 55 - Conexão
48 Capítulo 56 - Certezas.
49 Capítulo 57- Detalhes e Revelações.
50 Capítulo 58 - Momento a Dois
51 Capítulo 59 - O Pedido
52 Capítulo 60 - Entre Sonhos e Realidade
53 Capítulo 64 - O Inimigo do meu Inimigo.
54 Capítulo 65 - Parceria
55 Capítulo 66 - A Escolhida.
Capítulos

Atualizado até capítulo 55

1
Capítulo 8 - Um turbilhão de Incertezas
2
Capítulo 9 - Esperança
3
Capítulo 10 - Os Jogos.
4
Capítulo 11 - Planos
5
Capítulo 12 - O Atalho
6
Capítulo 13 - Atitudes
7
Capítulo 14 - Mudanças
8
Capitulo 15 - O Confidente.
9
Capítulo 16 - O Coração de Orinthar.
10
Capítulo 17 - O Reino de Elarian
11
Capítulo 18 - Uma Nova Ajuda.
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Capítulo 19 - Confusão e Sentimentos.
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Capítulo 21 - A Biblioteca.
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Capítulo 23 - Flor de Fada
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Capítulo 25 - A Visita.
18
Capítulo 26 - Dúvidas.
19
Capítulo 27 - Inimigos
20
Capítulo 28 - Entre Asas e Muralhas.
21
Capítulo 29 - O Convite.
22
Capítulo 30 - O Baile.
23
Capítulo 31 - Expectativas
24
Capítulo 32 - O Peso da Coroa.
25
Capítulo 33 - A Ausência
26
Capítulo 34 - Uma pequena pausa
27
Capítulo 35 - Confiança
28
Capítulo 36 - Por Aurelith
29
Capítulo 37 - Suspeitas
30
Capítulo 38 - Fúria e Dor.
31
Capítulo 39 - Luto
32
Capítulo 40 - A Culpa.
33
Capítulo 41 - A Prisioneira.
34
Capítulo 42 - Consequências
35
Capítulo 43 - A Última Proposta
36
Capítulo 44 - O Preço da Arrogância
37
Capítulo 45 - Emoção e Cuidado.
38
Capítulo 46 - Recuperação e Lembranças
39
Capítulo 47 - As Primeiras Rachaduras
40
Capítulo 48- Entre algodão-doce e o Fim do Mundo
41
Capítulo 49 - Quando o Silêncio Grita
42
Capítulo 50 - Promessa na Escuridão
43
Capítulo 51 - Porque Você Ficou
44
Capítulo 52 - Entre Panquecas e Pesquisas
45
Capítulo 53 - A Arma Rúnica.
46
Capítulo 54 - Coração no Controle.
47
Capítulo 55 - Conexão
48
Capítulo 56 - Certezas.
49
Capítulo 57- Detalhes e Revelações.
50
Capítulo 58 - Momento a Dois
51
Capítulo 59 - O Pedido
52
Capítulo 60 - Entre Sonhos e Realidade
53
Capítulo 64 - O Inimigo do meu Inimigo.
54
Capítulo 65 - Parceria
55
Capítulo 66 - A Escolhida.

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